06 de janeiro de 2011 | 0h 00
De acordo com despacho secreto do ex-embaixador americano no Brasil, Clifford Sobel, Conare foi pressionado pelo governo brasileiro a garantir que o acolhimento do guerrilheiro colombiano Oliverio Medina, considerado terrorista pelos americanos
Andrei Netto - O Estado de S.Paulo
As suspeitas de ação ideológica na apreciação de pedidos de extradição feitos ao Brasil não são apenas do governo da Itália, nem dizem respeito só ao caso Cesare Battisti. Em 2006, os EUA consideraram que a concessão de refúgio a Oliverio Medina, guerrilheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), teve razões políticas. A versão americana para o caso foi revelada por despachos publicados pelo WikiLeaks.
Adriano Machado/AE -5/5/2006
Percalços. Oliverio Medina foi preso em duas ocasiões pela Polícia Federal brasileira
O refúgio político de Medina foi discutido em reunião entre o então embaixador americano no Brasil, Clifford Sobel, o ex-chanceler Celso Amorim e o atual, Antônio Patriota - à época secretário de Assuntos Políticos do Itamaraty -, e Luiz Paulo Barreto, presidente do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), em setembro de 2006.
Em seu despacho, Sobel relata os diálogos com as autoridades brasileiras e questiona a decisão do Conare, tomada em 16 de julho de 2006, demonstrando reticências sobre as conclusões do processo. Considerado terrorista por Colômbia e EUA, Medina - ou Francisco Antonio Cadena Colazzos - foi preso duas vezes pela Polícia Federal, em 2000 e em 2004.
Em 2005, o ex-presidente colombiano Alvaro Uribe pediu sua extradição, negada no ano seguinte pelo Conare. Na reunião com autoridades brasileiras, Sobel pediu explicações porque suspeitava que o comitê tivesse sido vítima de pressões do governo e entendia que a decisão poderia ser contrária às resoluções 1.371 e 1.373 da ONU.
Perseguição. De Amorim, Patriota e Barreto, Sobel ouviu detalhes do processo. "Eles indicaram que o Conare, com estímulo da Agência da ONU para os Refugiados, não viu Cadena como um terrorista, mas como refugiado de um conflito interno armado e alguém que corria risco de morrer", disse Sobel.
Pedindo confidencialidade ao embaixador, o Brasil acusou a Colômbia de perseguir Medina por razões eleitorais. Barreto, segundo Sobel, afirmou que o comitê via o pedido de extradição como "capcioso", porque os crimes teriam sido cometidos em 1991 e o pedido só foi protocolado em 2005.
"Barreto sustentou que o caso todo parecia sustentado no depoimento de uma testemunha recentemente revelada, que fontes brasileiras indicavam ter sido beneficiada com redução de sentença na Colômbia e compensação financeira em troca das acusações contra Cadena", escreveu Sobel.
O embaixador completa dizendo que o Brasil ligava o pedido de extradição às eleições que se aproximavam, que seriam vencidas por Uribe. "Barreto disse que o Conare via no governo da Colômbia oportunismo no pedido de extradição, que seria motivado por fatores políticos domésticos." Nesse ponto, Barreto afirma que, logo após a eleição, as pressões diminuíram.
O americano discorda. "Barreto argumentou que as intervenções do governo da Colômbia e da embaixada colombiana contra o Conare cessaram quando Uribe foi reeleito. Este é um argumento capcioso, visto que o status de refugiado foi concedido a Cadena menos de dois meses após a reeleição de Uribe."
Pressão oficial. Sobel deixa a reunião impressionado com os argumentos do Itamaraty, mas não convencido da inocência de Medina. "Eles (as autoridades brasileiras) demonstraram conhecimento sobre os assuntos que abordamos, foram francos e não defensivos em suas reações e tiveram respostas prontas que pareceram refletir um processo deliberado e exaustivo", disse.
A seguir, porém, Sobel conclui que o Conare agiu sob pressão. "Nada disso muda nossa visão, (elaborada) em relatórios anteriores, que a decisão do Conare foi dirigida por pesadas pressões vindas da cúpula do governo brasileiro."
PARA ENTENDER
Oliverio Medina foi membro do secretariado internacional das Farc. Nos anos 80 e 90, representou a organização no Brasil, onde foi preso duas vezes pela Polícia Federal, em 2000 e 2004. Em 2005, o governo de Álvaro Uribe pediu sua extradição para a Colômbia. Em 16 de julho de 2006, recebeu o status de refugiado político no Brasil, após negar as acusações de assassinato. Seu caso é parecido com o do italiano Cesare Battisti, cuja extradição é solicitada pela Itália.
Clique aqui para saber muito mais sobre a relação
PT e FARC no FORO DE SÃO PAULO, inclusive com
relatório da INTERPOL
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