janeiro 3, 2011
Autor: Denis Rosenfield - Convidado
A composição do novo governo deu mostras de sexo explícito, com os diferentes partidos da base aliada numa disputa desenfreada por cargos políticos. Nenhum pudor ou vergonha presidiu a ação desses partidos, como se tal busca desenfreada pelo Poder não devesse se mascarar. O “prazer” que cada um almeja se mostrou da forma mais crua, mais nua, não se fazendo necessária uma “mise en scène”, uma encenação. Formas simbólicas de encenação da política, como apresentação de programas, justificativas do que é pretendido fazer com as novas posições de Poder e ideias orientadoras da ação nem se fizeram presentes. Foi o deserto da sedução.
A pornografia se distingue do erotismo. Ela se caracteriza pela crueza, pela apropriação do corpo do outro, pela ausência de qualquer encenação. Desaparecem quaisquer formas de simbolismo, de aproximação gradativa, de sedução. Os corpos já aparecem nus, em ato. Não há propriamente jogo, salvo o jogo da submissão, da busca imediata do prazer, do objetivo a ser alcançado. Ninguém aparenta algo diferente do que é, assim, apresentado. A política brasileira torna-se, nessa perspectiva, cada vez mais “pornográfica”, pois os partidos partem imediatamente para a satisfação dos seus desejos mais imediatos, particulares, procurando mostrar que o Poder é somente um instrumento de sua satisfação.
Noções como bem coletivo, validade de ações numa ótica universal e ideias do que seria feito com o Poder conquistado são simplesmente descartadas. Cada partido apresenta suas posições de “força”, número de deputados, senadores e governadores, como se aqui apenas se justificasse a sua ação. Alguns, de uma forma mais elaborada, poderiam dizer que se trata da própria natureza do “presidencialismo” brasileiro. Este necessitaria deste tipo de aliança, de coalizão, como se outras formas de negociação não fossem possíveis, como, por exemplo, acertos com as oposições em torno de alguns projetos e ideias essenciais para a nação, independentes de qualquer componente partidário. Ideias de interesse nacional são, por definição, suprapartidárias. Em vez disso, temos a “orgia” das alianças em torno do Poder.
O erotismo, por sua vez, encena a aproximação com o outro, joga com formas simbólicas, os corpos não aparecendo nus. Há todo um processo de “despir-se”, de acariciar-se, de encenações que devem ser feitas, podendo essas concretizar-se ou não pela “conquista”. Os dizeres, as formas de expressão das frases e as palavras utilizadas têm todo um papel essencial, porque delas depende o tipo de aproximação, reservando ao outro o papel de responder com um sim ou um não. Não há imposição. A crueza da abordagem, aqui, se traduziria por seu fracasso. O simbólico preenche uma função essencial no erotismo, sendo um componente central da ação.
Algo análogo se pode dizer da política não pornográfica.
Ela se traduziria pela utilização de formas simbólicas, por dizeres implícitos que esconderiam, em um primeiro momento, a intenção declarada. A encenação da aproximação é aqui o principal, pois ela se faz sob a forma de discursos e ideias que comprometem os agentes. Há uma “mise en scène”, uma encenação do coletivo, do universal, do que é o bem de todos, criando parâmetros que devem ser seguidos. A natureza da busca do Poder muda, pois, embora ele permaneça o objetivo, coloca-se a questão do que fazer com ele. Uma vez de posse desse instrumento, como justificar o seu uso?
Quero dizer com isto que a encenação “erótica” da luta pelo Poder obriga os contendores a apresentarem para o público, no caso os cidadãos, as ideias que dizem defender, as ideias que justificariam as suas ações. Estabelece-se, desta maneira, formas de cobrança pública, obrigando os parceiros a prestarem contas de suas ações. Se isto não ocorre, vale somente a conquista crua e a distribuição de privilégios e favores para os que galgaram essas posições. Os que não participam da pornografia política estão fora.
Os “vitoriosos” vão usufruir o Poder exclusivamente para si.
Velhas oligarquias se alternam com as novas. O jeito lulista de governar terminou produzindo uma afinidade entre oligarquias alicerçadas na tradição patrimonialista e clientelística brasileira e oligarquias “modernas”, ambas se disputando espaço em um governo de “unidade”, capaz de preservar os interesses de ambas. “Peemedebistas” maranhenses tornam-se companheiros de “socialistas” cearenses, cada qual apresentando suas “demandas” por favores e privilégios. O aparentemente novo é nada mais do que uma reapresentação de uma velha forma de fazer
política.
O PMDB tem sido apresentado como o partido com maior “voracidade”, uma amostra da “pornografia política” vigente entre nós. Um olhar mais detalhado talvez nos permitisse colocar uma outra questão. Em que esse partido se distingue dos demais? Os escândalos dos últimos anos, os mensalões, os sanguessugas, as cuecas e os aloprados não foram “peemedebistas”, atingindo o PT e outros partidos. A própria palavra mensalão começa também a ser utilizada para caracterizar escândalos de partidos oposicionistas. Ou seja, a “voracidade” tem uma conotação pluripartidária, sendo um nome que serve para distintas agremiações, da situação e da oposição, pondo em cena uma forma de fazer política carente de valores e ideias, carente de qualquer compromisso com o bem
coletivo.
É bem verdade que o PMDB fez, particularmente, por merecer. O episódio de nomeação do deputado Pedro Novais, do Maranhão, para o Ministério do Turismo veio acompanhado da descoberta de verbas de representação, exclusivas da atividade parlamentar, que foram utilizadas para gastos em um motel. Sua atividade “parlamentar” terminou por produzir indignação pública, porém, uma reflexão mais aguçada, mostra que sua orgia — vários casais teriam sido convidados para a festividade — se enquadra perfeitamente ao quadro geral da pornografia política. Na verdade, ela faz sentido.
Fonte: jornal “O Globo”
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