Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Quebra de confiança

ESTADÃO
Terça, 18 de Setembro de 2010, 16h00

MIGUEL REALE JÚNIOR

O cidadão dá informações ao Estado e em troca recebe garantias de sigilo. Na democracia funciona assim.

Quem ganha mais de R$ 1.500 por mês deve por lei prestar declaração de renda ao fisco, indicando seus proventos, as respectivas fontes, bem como os gastos com médico e escola que podem reduzir o imposto a pagar ou mesmo levar à restituição de imposto já pago a mais. Se a pessoa não der informações ou as fornecer com dados falsos, pratica crime tributário.

Em contrapartida, o funcionário do fisco que manusear esses dados da vida particular do declarante tem o dever de não os utilizar para outro fim que não o funcional, não os divulgando a quem quer que seja. Não cabe, também, facilitar que terceiro conheça a senha de acesso ao sistema para obtenção indevida dos dados pessoais revelados pelo contribuinte. Qualquer dessas condutas constitui crime, mesmo porque a Constituição consagra o direito fundamental do segredo dos dados particulares.

O cidadão é obrigado a prestar informações ao Estado, mas recebe a garantia do sigilo dessas declarações, nisso se fundando a democracia, ou seja, na confiança pela qual se adquire a segurança de que a autoridade não irá abusar do conhecimento que possui sobre a vida particular da pessoa para persegui-la por qualquer motivo, especialmente por razões de antagonismo político.

Quando uma fiscal da Receita, sem motivo justo, acessa o banco de dados para obter informações de alguém começa uma fissura no pacto democrático. Quando a fiscal é membro ativo do partido do governo, com ampla militância de toda sua família, a fissura aumenta. Quando a pessoa, que tem seus dados violados, é filha, genro ou amiga de candidato à Presidência da República do partido de oposição, a fissura se torna grave. Gravíssima quando se procurou legitimar o acesso indevido por meio de procuração falsa, com reconhecimento de firma falso, apresentada por contador inscrito no partido do governo. O pacto democrático tem fratura exposta ao se saber que essa camuflagem, segundo a própria fiscal, foi orientação dos superiores hierárquicos. O abuso torna-se absoluto quando a autoridade leva em "banho-maria" a investigação e sonega informações sobre os ilícitos praticados.

Em abril de 2006, em entrevista à revista Veja, disse, acerca da violação da conta bancária do caseiro Francenildo, praticada com vistas a proteger o ministro da Fazenda e a acusar a oposição, que estávamos a caminho de um fascismo em razão do "uso abusivo do aparelho de Estado, em episódio assustador por mostrar a ausência de qualquer freio ou limite na luta pela manutenção do poder por parte de seus atuais ocupantes".

Infelizmente, o tempo revelou, com cores preocupantes, esse presságio, pois o que se vê nessa eleição são práticas fascistas com a ocupação do Estado por um partido, conduzido por um chefe carismático, cujos seguidores consideram ser tudo legítimo para ganhar a guerra de preservação do partido no poder, até com o aniquilamento dos partidos de oposição. Exemplo está no discurso de Lula em Santa Catarina vociferando a favor do extermínio do DEM.

Lula saiu da cadeira de presidente para ser o condutor dos adeptos do PT. Na luta eleitoral, deixou de ser o presidente dos brasileiros para ser o chefe dos eleitores de Dilma. Lula permite-se, como presidente da República, garantidor constitucional da prevalência da lei, fazer chacota com a violação do sigilo de parentes do candidato de oposição por um funcionário do Estado que preside, perguntando em comício: "Onde está esse tal sigilo?" Mistificador, o condutor das massas adeptas do seu partido faz a mágica de transformar a vítima em caluniador. O presidente trai seu compromisso de preservar a Constituição ao inverter a verdade para acusar o candidato da oposição, vítima do abuso dos funcionários do Estado, tornando assim gravíssima a quebra de confiança na democracia. Com a visível megalomania de Lula e o uso populista das massas estamos a caminho de um período fascista, a se ver José Dirceu já criticando a liberdade de imprensa.

Findou-se a disputa política para se instaurar a crença fundamentalista em um chefete, cujo partido se confunde com o Estado e por via do qual são conseguidas benesses da administração, contratos, cargos, promoções.

O crime de violação do sigilo fiscal foi praticado por meio de documentos falsos. Saber a pedido de quem foram produzidas essas falsidades é essencial para desvendar aquele que está por detrás. Mas, se a falsidade é crime a ser apreciado pela Justiça Estadual, no entanto, no caso, constitui crime meio do crime fim de violação de sigilo na Receita Federal, razão pela qual cumpre à Justiça Federal julgá-lo e à Polícia Federal apurar o fato. Esteve certo o juiz de Santo André, pois a violência praticada contra a democracia não justifica que se ignore a Constituição fazendo correr no âmbito estadual investigação sobre crime federal. Resta, todavia, que a Polícia Federal demonstre ser órgão do Estado, não aparelho do governo, e venha a desvendar a verdade em sua inteireza.

MIGUEL REALE JÚNIOR É JURISTA E PROFESSOR EMÉRITO DA USP

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
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Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".