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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A FILOSOFIA POLÍTICA DE CERVANTES

NIVALDO CORDEIRO



A FILOSOFIA POLÍTICA DE CERVANTES
19/09/2010

Qual a grande mensagem política do romance Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes? Em primeiro lugar, sua constatação que o homem vulgar estava se apossando do poder de Estado. Isso fica explícito no desejo realizado de Sancho Pança de assumir o governo de uma ínsula (esta palavra é uma referência ao primeiro Estado nacional moderno, a Sicília de Frederico II) e também no fato de o duque rebaixar-se a fazer troça do próprio poder, nivelando-se a Sancho Pança.

Essa visão de Miguel de Cervantes é o fundamento do clássico livro de Ortega y Gasset, A REBELIÃO DAS MASSAS, obra primorosa que deu as necessárias respostas aos acontecimentos do século XX. Ortega nada criou, apenas adaptou as observaçõescervantinas aos acontecimentos de seu tempo. A rebelião das massas é a outra face da moeda do desaparecimento das elites, que sempre foram as condutoras dos destinos políticos. A democracia moderna é a manifestação histórica acabada desse fenômeno político.

Em segundo lugar, Cervantes apontou o mouro como o inimigo da civilização européia. Aqui está também outro caráter visionário do romancista espanhol. Quando ele se refere ao mouro refere-se ao islã em geral. O mouro é o inimigo espiritual da civilização e o que há de mais mourisco no Estado moderno é que ele imita o modo de ser islâmico, elevando o Estado a uma condição divina. A Europa, ao abandonar o cristianismo, na verdade mourificou o Estado, transferindo para a lei positiva a autoridade da lei divina, o que não havia antes na civilização cristã. O Ocidente inovou por acrescentar a esse modo islâmico de cultivar o poder a função legislativa fundada na razão. O Islã ficou estagnado no século VII porque o legislador foi o próprio profeta, enquanto o Estado nacional moderno colocou na razão a fonte da lei, agora atualizada diariamente.

O direito natural moderno, em tudo oposto ao direito natural clássico, humanizou o poder legislativo no pior sentido da expressão. Nesse passo consiste o pacto faustico da modernidade: a elevação do homem a um condição divina. O jusnaturalismo moderno teria que desaguar necessariamente no positivismo jurídico mais cru, perdendo-se completamente o nexo entre a fonte transcendente da lei e a legislação positiva. O novo Estado moderno deificou-se e substituiu o livro do profeta pelo livro da constituição. Nem na antiguidade se permitiu tamanha blasfêmia. Os romanos, por exemplo, sabiam que os augúrios eram algo separado das decisões de Estado.

O famoso discurso de Dom Quixote pela liberdade, ao sair dos domínios do duque, equivale à fuga de Moisés para Canaã. Não é apenas a liberdade diante da ordem maligna, é a própria fuga do jugo do Faraó, em busca de uma pátria sem Estado, fora dos domínios do reino desse mundo. Cervantes anteviu o que estava por vir ao publicar seus livros. A deificação do Estado levaria mesmo à destruição da liberdade, marcha na qual o Ocidente tem empreendido desde os tempos da renascença.

A combinação da deificação da lei positiva fundada na razão com a emergência do homem-massa ao poder, a chegada dos piores ao poder, leva a periódicos delírios fausticosditatoriais e a guerras de extermínio impiedosas. Homens moralmente inferiores tomando decisões insensatas, capazes de serem postas em prática pelos recursos permitidos pelas técnicas modernas. A motivação é que os homens modernos estão firmemente convencidos de que a humanidade é passível de aperfeiçoamento pela lei estatal, ignorando a antropologia cristã. Daí as usinas de fabricação de leis que se tornaram os legislativos modernos. Legislar é aperfeiçoar o homem, coisa que o cristianismo, desde o início, tomou como coisa blasfema e perigosa.

Uma terceira contribuição de Miguel de Cervantes foi demonstrar que essa tentativa deperfectibilismo e de deificação do Estado levava ao mergulho na Segunda Realidade, desconectada do real. O instrumento de mergulho na Segunda Realidade é a lei positiva desconectada da lei natural e da lei divina. A coisa toda se torna um delírio de poder totalitário, capaz dos maiores e mais horrendos crimes. Vimos isso no comunismo e no nazismo, mas vimos também, em graus variados, em todos os Estados modernos. Aqui mesmo no Brasil tivemos esses delírios, a começar pelo massacre criminoso perpetrado em Canudos pelos positivistas que fundaram a República. Canudos é o crime original da nossa modernidade.

O filósofo que levou às últimas conseqüências a tese da criação da Segunda Realidade foi Eric Voegelin e foi ele quem deu a explicação definitiva do nazismo como fenômeno político dessa Segunda Realidade medonha.
  
Cervantes é atualíssimo. Compreender seu Dom Quixote é um antídoto para os perigos dos tempos. Retirar todas as conseqüências da obra é criar um bote salva-vidas contra os grandes perigos que estão à espreita nesse início de século e de milênio. Mas é também retornar ao cristianismo ortodoxo, algo que apavora os modernos ateus e agnósticos. Não deixa de ser irônico que estes abandonaram o cristianismo e abraçaram o profeta Maomé sem nem mesmo o saber. Eles não lêem Miguel de Cervantes.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".