por Geraldo Luis Lino em 10 de novembro de 2010
Éde conhecimento geral que o transporte hidroviário é, historicamente, o mais barato e eficiente para a movimentação de cargas a longas distâncias. Por isso, os países que dispõem de redes hidrográficas de porte costumam empenhar-se no seu pleno aproveitamento, que lhes confere importantes vantagens comparativas para o transporte da sua produção física. A União Europeia tem 37 mil km de hidrovias; os EUA, 47 mil km; a China, 124 mil km; e até mesmo a Rússia, onde os rigorosos invernos reduzem a temporada de navegação a não mais de 220 dias por ano, explora mais de 100 mil km dos seus rios.
O Brasil dispõe de 29 mil km de rios naturalmente navegáveis, aos quais, com melhoramentos e obras adequadas, podem ser acrescentados outros 15 mil km – perfazendo uma significativo potencial hidroviário de 44 mil km.
Ademais, as dimensões continentais do País e o seu relevo pouco acidentado na maior parte do território (97% dele em altitudes inferiores a 900 m), por si só, sugerem que o nosso sistema de transportes pode e deve basear-se nas modalidades mais eficientes e de menores custos, para distâncias médias e longas, a hidroviária e a também negligenciada rede ferroviária.
Desafortunadamente, apenas 8.500 km de hidrovias se encontram em uso comercial regular, dos quais 5.700 km na Amazônia. A utilização do restante é inviabilizada pela inexistência da necessária infraestrutura, como estações intermodais para a transferência de cargas, balizamento, sinalização, cartas de navegação adequadas e, sobretudo, eclusas para permitir a transposição de trechos encachoeirados ou das barragens das muitas usinas hidrelétricas construídas sem qualquer consideração pela importância de se preservar a navegabilidade dos rios.
O problema é antigo e tem sido objeto de uma acirrada disputa entre autoridades e técnicos preocupados unicamente no aumento da oferta de energia hidrelétrica – quesito no qual o Brasil se destaca no cenário mundial – e os defensores do transporte hidroviários, que têm sido sistematicamente derrotados em suas reivindicações. E elas se apóiam no elementar bom senso: não se deveriam construir barragens em rios navegáveis sem incluir em seus projetos as eclusas para a navegação. Infelizmente, bom senso vem sendo um artigo raro no planejamento da utilização dos rios nacionais, sendo ainda desconhecido na prática o conceito de usos múltiplos deles, implementado há décadas nos países mais avançados. Órgãos como a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) têm se empenhado para implementar esse requisito fundamental no planejamento das políticas setoriais, mas até agora sem muito sucesso.
Grandes usinas hidrelétricas, como Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, Belo Monte, no Xingu, e outras, estão sendo construídas e planejadas sem eclusas, em descuidadas repetições de casos como os das usinas de Itaipu e Tucuruí. Este último caso é exemplar: o projeto original incluía as eclusas, mas a usina foi inaugurada em 1975 sem elas, que só começaram a ser construídas em 1981 e até hoje não foram concluídas.
Em geral, o custo das eclusas e canais de navegação, se construídos simultaneamente com as barragens – como deveria ser o caso para todos os rios navegáveis -, é da ordem de 5-7% do montante da obra. Se for deixado para depois, como em Tucuruí, os gastos podem aumentar por um fator de três ou superior.
A economia de custos de transporte é enorme. Nos EUA, onde mais de 60% da produção de soja são transportados pelos rios (contra pouco mais de 5% no Brasil), o custo do frete do produto é da ordem de 15 dólares por tonelada; no Brasil, chega a 35 dólares. Na hidrovia Tietê-Paraná, uma das raras em funcionamento no País, um comboio típico para o transporte de soja equivale a 135 caminhões, o que permite vislumbrar as vantagens em termos de economia de combustível, desgaste de veículos e estradas, tempo de carregamento e muitas outras.
Em setembro último, a ANA lançou um edital para a contratação de consultoria para para avaliar e sistematizar alternativas de arranjos de eclusas e canais de navegação previstos em empreendimentos hidrelétricos, visando, especificamente, incluir tais critérios nos projetos das usinas previstas para os rios Madeira e Teles Pires-Tapajós. A iniciativa, mesmo com atraso, sinaliza que ainda há esperanças para a implantação da hidrovia Teles Pires-Tapajós, considerada estratégica para a logística de transporte do Centro-Oeste e Norte brasileiros.
Há mais de meio século, entra governo e sai governo, mas permanece essa predatória querela intestina entre “barrageiros” e “hidroviaristas”. Por isso mesmo, a anunciada construção de usinas na bacia do Tapajós oferece uma ótima oportunidade para que este círculo perverso seja interrompido de uma vez por todas, em nome da harmonia dos interesses nacionais. Torçamos de dedos cruzados.
Nota Redação M@M: leia também Trem-Bala ou "Trem-Mala"?
O autor e geólogo, diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e co-autor do livro A hora das hidrovias: estradas para o futuro do Brasil (Capax Dei, 2008).
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