TERÇA-FEIRA, 9 DE NOVEMBRO DE 2010
O Brasil que elegeu Dilma é o que depende do governo; nos EUA, avanço do Tea Party se liga a DNA do país
BRASIL e Estados Unidos. Dois continentes distintos. Não apenas geograficamente. O assunto é outro. Em três dias, com duas eleições, qualquer estudante de ciência política poderia ter recolhido tema para uma tese de doutorado. Com uma pergunta simples: qual o papel do Estado nesses dois planetas?
No Brasil, a resposta seria: papel central. Dilma não foi eleita, apenas, por ser a dileta sucessora de um presidente com 82% de aprovação. Dilma venceu pois convenceu a maior fatia de gente que olha para o governo como princípio e fim de suas vidas - e sobrevivências.
Não vale lembrar a vitória esmagadora no Nordeste, que quase representa a diferença de 12 milhões de votos entre os candidatos.
Um estudo desta Folha é claro: o Bolsa Família, o índice de desenvolvimento humano e a renda per capita influenciaram o voto. E quanto mais baixo se desce nesses indicadores, maiores as chances de acharmos eleitor petista. O Brasil que elegeu Dilma é o que tem com o governo uma situação de dependência.
Subimos para o norte, cruzamos a fronteira norte-americana, e as eleições legislativas, dois dias depois das brasileiras, mostram um cenário diferente. Barack Obama, o Messias, que há dois anos tinha 70% de aprovação, hoje anda pelos 45%.
A economia americana pode não estar tecnicamente em recessão. Mas o desemprego continua em alta e, dado fundamental, Obama confunde a América (e os americanos) com o Brasil. Ou com qualquer social-democracia europeia, procurando fazer dos Estados Unidos uma Escandinávia em inglês.
Azar: os republicanos venceram na Câmara (e quase no Senado) pois discordam da visão de um Estado gigantesco, que reclama quantidades crescentes de tarefas, gastos e responsabilidades. Na saúde. No ambiente. Na economia. Na banca. Em tudo que mexe e respira.
Seria fácil e cômodo resumir a derrota de Obama ao populismo "extremista" do Tea Party, o movimento que deseja reverter a agenda de Obama com menos impostos, menos gastos e menos governo.
Mas o Tea Party é uma salada de frutas onde há tudo: lunáticos, sim; fanáticos, com certeza; mas a esmagadora maioria é feita de gente comum. Americanos comuns. E esses, até pelo DNA histórico, sempre desprezaram o poder, o governo e a abusiva intromissão dele nas vidas.
No Tea Party, encontra-se a alma americana no que ela tem de mais anarquista e libertário; e essa alma foi uma constante ao longo da história. Com Thomas Jefferson. Com William Howard Taft. Com o subestimado (e importantíssimo) Barry Goldwater. Com Ronald Reagan. E, claro, com os originais "tea partiers", que no século 18 estiveram dispostos a tudo, até à revolução, para travarem o absolutismo fiscal de George 3º. Assim nascia um país.
Os "tea partiers" de hoje não abominam apenas Obama e tudo o que ele representa - a sua reforma da saúde, o seu estímulo econômico de US$ 900 bilhões e uma dívida nacional que já fura a estratosfera.
Eles abominam Obama com a mesma força com que abominaram Bush e os "neocons". Porque acreditam que Bush e os "neocons", tal como Obama, confiaram ao governo parcelas crescentes de poder econômico, político, burocrático e social. E atraiçoaram o que é caro ao americano comum: a liberdade individual, o gosto pela livre iniciativa. E um governo limitado: fora de suas casas, de seus bolsos, de suas vidas.
Os "tea partiers" podem não ter lido Hayek, o economista austríaco para quem o crescimento incontido do Estado representava o caminho para a servidão. Mas eles sentem-no instintivamente; sabem que um Estado mastodôntico não é apenas economicamente ineficaz e potencialmente corrupto; é, sobretudo, moralmente perigoso, ao criar legiões de dependentes que o governo trata como crianças.
E o Brasil? Hoje, apesar do crescimento econômico, continua um dos países mais desiguais do mundo. E, seguindo a nefasta herança dos seus colonizadores, perpetua o pior do pensamento patrimonialista e paternalista (um oxímoro, eu sei).
Essa doença só se cura com mais riqueza, menos desigualdade, melhor educação. E um gosto pela liberdade individual que, acredito, será um dia majoritário entre as gerações futuras do Brasil.
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