Jornal O Globo
Aydano André Motta, Chico Otavio e Cláudia Lamego
Estudiosos da ditadura, entre eles um ex-guerrilheiro, atacam crença de que esquerda armada lutava por democracia
Um dogma precioso aos adversários da ditadura militar iniciada a 31 de março de 1964 está em xeque. Novos estudos realizados por especialistas no período - alguns deles integrantes dos grupos de oposição ao regime autoritário - propõem uma mudança explosiva, que semeia fúria nos defensores de outras correntes: chamar de resistência democrática a luta da esquerda armada na fase mais dura do regime está errado, historicamente falando.
- Falava-se em cortar cabeças, essas palavras não eram metáforas. Se as esquerdas tomassem o poder, haveria, provavelmente, a resistência das direitas e poderia acontecer um confronto de grandes proporções no Brasil - atesta Daniel Aarão Reis, professor de História da UFF e ex-guerrilheiro do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8).
- Pior, haveria o que há sempre nesses processos e no coroamento deles: fuzilamento e cabeças cortadas.
"Ninguém estava pensando em reempossar João Goulart"
Denise Rollemberg, mestre em história social da UFF, destaca que o objetivo da esquerda era a ditadura do proletariado e que a democracia era considerada um conceito burguês.
- Não se resistiu pela democracia, pela retomada do status quo pré-golpe. Ninguém estava pensando em reconstituir sistema partidário ou reempossar João Goulart no cargo de presidente - diz Denise.
A professora explica - e Aarão Reis concorda - que a expressão sequer surgiu no fim dos anos 60, início das batalhas entre militares e terroristas. A "resistência democrática" apareceu na campanha pela redemocratização do início da década de 80, após a anistia que permitiu a volta de exilados como Leonel Brizola, Miguel Arraes e Fernando Gabeira e criou uma clima de conciliação nacional.
- A descoberta da democracia pela esquerda se dá apenas no exílio, com a leitura de filósofos e pensadores como o italiano Antonio Gramsci e o entendimento correto das manifestações de maio de 1968 em Paris. Acabou virando tudo uma coisa só - diz ela.
A revisão de uma idéia cara à esquerda transformou-se em bate-boca no seminário "40 anos do golpe: 1964-2004", realizado semana passada no Rio.
Professor de filosofia da Unicamp, ***João Quartim*** defende que a luta era contra o golpe, pela restauração da democracia. Também ex-integrante de uma organização armada, a Vanguarda Popular Revolucionária, Quartim rejeita o rótulo de antidemocrático.
- Lutávamos contra o golpe imposto pela violência ao país. O conteúdo do nosso projeto era levar adiante, com mais audácia, as reformas de base do governo Jango. Quem deu o golpe é que quebrou, pela violência, esse processo. O golpe foi dado pela direita, com o apoio da frota americana que chegou a começar o deslocamento para cá - argumenta Quartim.
O período que está na berlinda tem o rótulo de "guerra suja" e aconteceu de 1968 a 1974 - ainda que as paixões indiquem que foi ontem. O mergulho nas ações armadas deu-se a partir de uma dissidência que produziu vários grupos de esquerda, depois massacrados por uma indústria de torturar e matar montada pelo governo dentro das Forças Armadas.
Outro participante da luta, o professor de História da UFRJ Renato Lemos, acha que é responsabilidade ética, social, política e histórica da esquerda assumir suas idéias e ações durante a ditadura.
- Cada vez mais se procura despolitizar a opção de luta armada numa tentativa de autocrítica por não termos sido democratas. Nossa atitude foi tão válida quanto qualquer outra. Havia outros caminhos, sim. Poderíamos tentar lutar dentro do MDB, mas achávamos que a democracia já tinha dado o que tinha que dar - confirma Lemos.
Professora da USP, Maria Aparecida de Aquino pondera que nada é assim tão simples. Para ela, não se pode afirmar que caminho tomaria o Brasil se a luta armada tivesse prosperado.
- Era resistência, mas não sabemos se seria democrática porque a esquerda não chegou ao poder - sustenta ela. - Não havia como pensar no restabelecimento do estado de direito sem tirar militares do poder. Quem interrompeu a democracia foram os militares.
Aarão Reis discorda.
- As esquerdas radicais se lançaram na luta contra a ditadura, não porque a gente queria uma democracia, mas para instaurar o socialismo no país por meio de uma ditadura revolucionária, como existia na China e em Cuba. Mas, evidentemente, elas falavam em resistência, palavra muito mais simpática, mobilizadora, aglutinadora. Isso é um ensinamento que vem dos clássicos sobre a guerra.
Disputa entre duas elites a que o povo assistia de fora
Professor de sociologia da Unicamp, Marcelo Ridenti argumenta que o termo "resistência" só pode ser usado se for descolado do adjetivo "democrática".
- Houve grupos que planejaram a ação armada ainda antes do golpe de 1964, caso do pessoal ligado ao Francisco Julião, das Ligas Camponesas. Depois de 1964, buscava-se não só derrubar a ditadura, mas também caminhar decisivamente rumo ao socialismo.
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, autor do aclamado "Como eles agiam", sobre o funcionamento do regime, Carlos Fico chama de ficção a idéia de resistência democrática. Ele também ataca a crença de que a luta armada foi uma escolha motivada pela imposição do AI-5.
- A opção de pegar em armas é anterior ao ato institucional. Alguns grupos de esquerda defenderam a radicalização antes de 1968 - garante ele.
O professor da UFRJ defende que os confrontos armados eram uma disputa sangrenta entre duas elites - o povo ficava de fora, assistindo aos sobressaltos.
*** Esta criatura, ***João Quartim***, já foi devidamente desmascarado por Olavo de Carvalho. O professor Olavo indicou esta entrevista da criatura, vejam que beleza de ser neste trecho:
"Tive a honra de estar naqueles cartazes que eles faziam e colocavam "assassino", por que a esquerda matava os "meganhas" mesmo, atirava de verdade..."
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