Frente à declaração pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, do Coronel do Exército (Reformado) Carlos Alberto Brilhante Ustra como ‘responsável pela tortura de três pessoas da mesma família durante o regime militar, na década de 1970, época em que comandava o DOI-Codi em São Paulo’ num julgamento ‘apenas moral e político, já que Ustra foi beneficiado pela Lei de Anistia, em 1979’, cabe recordar que os julgamentos baseados apenas em testemunhos são processos considerados arcaicos e pré-jurídicos. Reproduzo abaixo trecho do livro As Origens do Pensamento Grego, de Jean-Pierre Vernant (DIFEL, 1981, trad. Ísis Borges da Fonseca):
‘No processo arcaico os gens enfrentavam-se, tendo por armas as fórmulas rituais e as provas previstas pelo costume: o juramento, o juramento solidário, o testemunho. Estas provas tinham valor decisório possuíam valor religioso asseguravam automaticamente o êxito no curso do processo se eram corretamente utilizadas, sem que o Juiz, em seu papel de puro árbitro que se limitava a verificar e a declarar a vitória ao termo da prova de força, tivesse que indagar sobre o fundo, reconstituir o objeto do litígio, conhecer os fatos em si mesmos. Mas quando (com o advento) da cidade (Polis) o Juiz representa o corpo cívico, a comunidade em seu conjunto e que, encarnando este ser impessoal superior às partes, ele próprio pode decidir, resolver segundo sua consciência e de acordo com a lei, são as próprias noções de prova, de testemunho e de julgamento que se encontram radicalmente transformadas. O Juiz deve, com efeito, trazer à luz uma verdade em função da qual terá doravante de pronunciar-se. Pede às testemunhas que não mais jurem afirmando-se solidários de uma das duas partes, mas que façam um relato dos fatos. Por esta concepção inteiramente nova da prova e do testemunho, o processo empregará toda uma técnica de demonstração, de reconstrução do plausível e do provável, de dedução a partir de indícios ou de sinais – e a atividade judiciária contribuirá para elaborar a noção de uma verdade objetiva, que o processo antigo ignorava, no quadro do pré-jurídico’. (p. 57, as ênfases são minhas).
Estaremos num quadro pós-jurídico ou retornando à barbárie, ao arcaico? Terão os testemunhos valor não mais religioso, como antes, mas ideológico? Será este o sentido do ‘direito alternativo’? Está aqui em jogo não apenas a honra de um oficial do Exército não apenas o próprio Exército mas Justiça em nosso País. Está em jogo como poderemos todos nós ser julgados doravante.
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