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sábado, 24 de março de 2012

Mutirão da defesa seletiva: a Defensoria Pública de SP e a igualdade jurídica

 

MÍDIA SEM MÁSCARA

ESCRITO POR SAULO DE TARSO MANRIQUEZ | 23 MARÇO 2012
ARTIGOS - DIREITO

Num contexto de revolução cultural, como o que se vê no Brasil, a desconstrução e a ressignificação da igualdade jurídica correspondem a uma degradação do direito e prenunciam um novo totalitarismo.

A atuação seletiva da Defensoria Pública de São Paulo voltada a defender o “casal” gay mostra a aplicação prática de um direito sombrio que está sendo gestado na academia.

A igualdade jurídica fundamenta uma série de dispositivos legais e justifica ações positivas do Estado para garanti-la. Ela é indispensável para a justiça e para a manutenção da democracia representativa.

A Constituição Federal de 1988 consagra no seu art. 5º a igualdade de todos perante a lei e no inciso LIV do mesmo artigo estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Para garantir que o inciso LIV do art. 5º não se restringisse às pessoas com poder aquisitivo suficiente para pagar advogados para defendê-las, a Constituição prescreveu que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (art.5º, LXXIV), criando com isso a obrigação para a União e para os Estados-membros de legislarem sobre essa assistência jurídica gratuita e, na medida do possível, criarem, dentro de suas competências, Defensorias Públicas, para prestar orientação jurídica e defender, em todos os graus, os necessitados (art. 134 da Constituição).

Tendo em vista que a atuação da Defensoria Pública é custeada com dinheiro público, a instituição não pode fazer acepção entre os necessitados que deve orientar e defender. Portanto, convém mostrar e refletir sobre uma estranha atuação dessa instituição...

No dia 07 de março de 2012 o website Band.com.br noticiou que uma criança tinha sido agredida por um casal homossexual. Segue abaixo a notícia:

Uma criança foi agredida por um casal homossexual na zona norte de São Paulo. Quem levou a criança ao hospital foi a faxineira da casa.


De acordo com ela, o casal homossexual dizia que a criança morava com a mãe na Bahia e que ela tinha cedido a guarda do menino para eles.


Na última sexta feira, a trabalhadora percebeu que a criança estava com febre e como o casal não estava, a faxineira o levou para casa. Durante o banho do garoto, ele contou que estava com muita dor.


A mulher levou o menino para o hospital, onde o menino deu entrada com desidratação, desnutrição, broncopneumonia e tinha marcas de agressão pelo corpo.

[...]


A vítima passou por exames de ultrassom e raio-x, mas não tinha nenhuma lesão grave. O garoto contou para a faxineira que sofria maus tratos e abuso sexual.


A ocorrência foi registrada no 13º DP e o Conselho Tutelar foi acionado.

O que aqui se pretende destacar é um detalhe específico mostrado numa reportagem do programa Brasil Urgente do dia 10 de março de 2012, que abordou o mesmo caso, trazendo novas informações, tais como o fato do garoto maltratado ter apenas cinco anos e principalmente a designação de quatro defensores públicos para acompanhar o caso (confira aqui a matéria, a partir dos 02:00). O acompanhamento do caso por quatro defensores públicos, conforme se pode ver na reportagem, chamou a atenção do delegado, que disse:
“Em trinta e quatro anos de polícia, esse é o primeiro caso na minha carreira que eu vejo que a Defensoria Pública vem acompanhar dois indivíduos que estão sendo investigados e...com quatro integrantes [...]”.

Os estudiosos do direito costumam identificar três tipos históricos de sistemas processuais penais, a saber: o inquisitório, o acusatório e o misto. O sistema inquisitório trazia a figura do juiz inquisidor, investigador, produtor de provas, e era marcado por um déficit de contraditório e de ampla defesa. Já o sistema acusatório é caracterizado pelo actum trium personarum, ou seja, pela presença de três pólos envolvidos no processo (o acusador, o defensor e o juiz), e também pelo apego ao contraditório e à ampla defesa. Por fim, os processualistas lembram que há também um sistema misto, no qual se distinguem duas fases: uma inquisitorial e outra acusatória, sendo que a primeira é representada pelo inquérito policial (sem contraditório e ampla defesa) e a segunda pelo processo penal (com contraditório e ampla defesa).

O Código de Processo Penal brasileiro (CPP) adotou o sistema misto. Em que pese alguns juristas sustentarem que com a Constituição o sistema tornou-se plenamente acusatório, o inquérito nunca deixou de ser um procedimento inquisitorial, de natureza administrativa e não processual (1).

No ordenamento jurídico pátrio uma pessoa só poderá ser condenada se for devidamente processada. Acontece que, em regra, antes de se iniciar uma ação penal contra uma pessoa, é realizado um inquérito policial, no qual, reitere-se, não há contraditório nem ampla defesa. Isso não significa dizer que um advogado nada pode fazer pelo seu cliente nessa fase. A atuação de um advogado no inquérito pode ser significativa. No entanto, o acompanhamento do inquérito por um advogado só efetivamente ocorre quando esse é pago para isso. Defensores públicos não costumam atuar durante o inquérito. Um sujeito investigado pela polícia ser acompanhado por um defensor público é um fenômeno raro. Embora a Defensoria Pública, hipoteticamente, sempre tenha podido acompanhar investigados pela polícia, a realidade é que a instituição só costuma aparecer em cena na ação penal (processo).

No entanto, a Lei Complementar nº 132/2009 (LC 132), transformou a possibilidade de uma atuação mais ampla da Defensoria Pública durante o inquérito policial numa verdadeira função institucional.
A LC 132 informou diretamente a elaboração da Lei nº 12.403/2011, que trouxe mudanças ao CPP, dentre as quais o §4o do art. 289-A, que diz que se o preso autuado não informar o nome de seu advogado, a Defensoria Pública deverá ser comunicada. Cumpre destacar que o § 4º do art. 289-A traz somente o vocábulo “preso”, sem distinguir o tipo de prisão que deve ser comunicada à Defensoria Pública. Assim, a função de acompanhar inquéritos é reforçada quando se trata de investigado preso.

Mas quais foram e quais serão as consequências da função de acompanhar inquéritos atribuída à Defensoria Pública pela LC 132 e pela Lei nº 12.403/2011? Passou a ser comum a presença de defensores públicos nas delegacias para acompanhar a investigação de suspeitos? As inovações não esbarram na falta de estrutura e de recursos? Embora faltem estudos sobre os efeitos concretos da formalização dessa nova função da Defensoria Pública, o fato é que o simples espanto do delegado diante da presença de defensores públicos acompanhando um inquérito policial permite dizer que, na prática, ainda é incomum ver defensores públicos frequentando delegacias.

É previsível que para o caso em tela as inovações legislativas supramencionadas venham a ser invocadas para dizer que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo está apenas cumprindo suas funções institucionais, mormente pelo fato de os suspeitos terem sido presos preventivamente, mas o que justifica tanto cuidado para com esse “casal”?

Apesar da raridade, não deve ter sido a primeira vez que a Defensoria Pública atua num inquérito policial, mas será que alguma outra vez a instituição demonstrou tamanho zelo?

A presença de quatro defensores públicos para acompanhar a investigação dos suspeitos homossexuais é um fruto tardio dos “avanços” (2) institucionais e legislativos verificados no Brasil e no Estado de São Paulo.

Paralelamente à elaboração do PNDH-II (3) (mas antes da implementação do mesmo), o Estado de São Paulo, sob a gestão do então governador Geraldo Alckmin (PSDB), tornou-se o primeiro Estado da federação a promulgar uma lei destinada especificamente a penalizar administrativamente a prática de discriminação em razão de orientação sexual: a Lei Estadual nº 10.948/2001. Com o objetivo de implementar essa lei, firmou-se, em 24 de outubro de 2007, um acordo entre a Defensoria Pública de São Paulo, a Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado e a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo.

Dessa forma, no Estado de São Paulo, dois gays investigados serem assistidos por um defensor público é algo absolutamente previsível e potencialmente justo, pois tal assistência pode ser destinada a todos os suspeitos que não possam pagar por um advogado. Entretanto, quando se vê quatro defensores acompanhando um inquérito policial não há como não sentir um estranhamento e não sentir a necessidade de refletir sobre o caso.

O acompanhamento dos gays por quatro defensores transcende o exercício das funções da Defensoria Pública e vai além até mesmo do acordo que a instituição firmou com a Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado e a Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo. Trata-se de uma atuação voltada a proteger não os gays investigados pelo fato de serem investigados, mas sim a proteger os investigados pelo fato de serem gays. Não obstante, é lícito cogitar que a atuação da Defensoria Pública de São Paulo destina-se também proteger a agenda do movimento gay dos impactos negativos que a eventual condenação de um “casal” gay pode trazer. Ademais, a atuação da Defensoria Pública de São Paulo se mostra assentada num amplo programa de resignificação dos direitos humanos e de modificação e esvaziamento do campo semântico que lastreia a democracia brasileira.

Ser assistido por um defensor público quando não se tem recursos para custear um advogado é um direito de todo cidadão, seja ele heterossexual, homossexual, bissexual, etc. Ser assistido por quatro defensores públicos já é ser beneficiado por um desvio de finalidade; é ter para si um privilégio; é ser favorecido por uma afronta à igualdade jurídica.

Por meio do PNDH-II tucano, do PNDH-III petista, do PLC 122/2006 e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) elaborada pela Comissão Especial de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os GLBTT [...] estão paulatinamente se tornando uma classe de pessoas diferenciadas, uma espécie de supercasta de sujeitos que não podem ser simplesmente protegidos pelas leis em vigor no país - que já preveem punição aos que cometem homicídio, agressão física, ou ofendem a honra de alguém (arts. 121, 129, 138 e ss. do Código Penal) -, mas devem ter uma proteção especial, ainda que às expensas dos direitos e liberdades civis dos demais cidadãos.
A simples existência de projetos como o PLC 122/2006 já evidencia a desconstrução da noção histórica de igualdade jurídica. A atuação da Defensoria Pública de São Paulo no presente caso do “casal” gay só vem a mostrar que uma nova perspectiva de igualdade jurídica, já ressignificada pela revolução cultural, está sendo implementada.

No atual cenário acadêmico, a igualdade jurídica é vista com um desdém pedantesco. Há até quem diga que ela é uma mera formalidade destinada a ocultar as desigualdades reais e que, portanto, não vale muita coisa. Apesar disso, os engenheiros sociais sabem que não é possível acabar com a igualdade jurídica. Pega mal tirá-la do papel. É mais fácil ressignificá-la.

O caso que aqui se abordou significa muita coisa para ideia de igualdade jurídica no âmbito do sistema penal, pois ele indica uma preferência da Defensoria Pública de São Paulo pelo público gay, pois mesmo sendo raríssimo se ver defensores públicos cuidando de sujeitos investigados pela polícia, foram mobilizados nada menos que quatro defensores para orientar e defender o “casal”. Contudo, o caso não pode ser visto apenas dentro âmbito penal. Quando inserido num contexto marcado pelo surgimento de programas que constroem novos direitos humanos sob novas perspectivas e pela criação de leis que visam cercear a liberdade de expressão e a liberdade religiosa dos cristãos, o caso assume uma importância ímpar para a manutenção do que resta de liberdade e democracia no Brasil.

Mexer com a igualdade jurídica implica subverter o campo semântico (4) que define a democracia representativa contemporânea.

Na lição de Robert Alan Dahl, uma democracia só existe e se desenvolve se há uma lógica da igualdade que permita que os membros de uma comunidade se reconheçam como iguais (5). A lógica da igualdade não versa de outra igualdade senão a jurídica. Sem a igualdade jurídica, a titularidade do poder, o fundamento da democracia, resta distorcido.

Num contexto de revolução cultural, como o que se vê no Brasil, a desconstrução e a ressignificação da igualdade jurídica correspondem a uma degradação do direito e prenunciam um novo totalitarismo, no qual só os grupos escolhidos pelo Estado terão representação política, amparo legal, participação no espaço público e, doravante, quem sabe, assistência jurídica gratuita em mutirão.

A atuação seletiva da Defensoria Pública de São Paulo voltada a defender o “casal” gay mostra a aplicação prática de um direito sombrio que está sendo gestado na academia. Por ser uma atuação muito escandalosa, talvez a instituição não se arrisque a repeti-la. Se a defesa seletiva em mutirão se tornará ou não uma tendência só o tempo poderá dizer.

De qualquer forma, é preciso que todos fiquem vigilantes para que esse tipo de atuação da Defensoria Pública seja denunciada e criticada publicamente.

Uma das funções implícitas da Defensoria Pública é assegurar a igualdade jurídica aos mais desfavorecidos. Dar suporte à revolução cultural não é exercício de função destinado a promover a igualdade; é desserviço à justiça e à democracia.


Notas:

1 - Processo e procedimento são coisas distintas.

2 - O vocábulo ‘avanço’ é mantra usado de forma fetichista pelos engenheiros sociais e seus seguidores.

3 - O PNDH – II – tucano - já trazia propostas voltadas ao combate à “homofobia” (v.g. propostas 241 e 244 do programa).

4 - A definição de um termo como a democracia implica a definição de outros termos a ela conexos. Uma definição de democracia tem de comportar a cadeia de significados que a caracterizam.

5 - DAHL, Robert Alan. Sobre a democracia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2009, p. 20.


Saulo de Tarso Manriquez
é mestre em Direito pela PUC-PR.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".