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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A boa e velha língua dupla

DIÁRIO DO COMÉRCIO
28/11/2010 - 18h21

Olavo de Carvalho

Duplicidade de línguas no marxismo se dá na teoria, estratégia e atitudes ante os acontecimentos. 

Se há algo que a História confirma sem um único exemplo em contrário, é isto: toda e qualquer verdade ou ideia valiosa que algum dia chegou ao conhecimento dos seres humanos foi descoberta de um ou alguns indivíduos isolados; ao disseminar-se entre as massas, perde o impulso originário e se cristaliza em fórmulas ocas, infindavelmente repetíveis, que se podem preencher com os sentidos mais diversos e usar para os mais diversos fins. Tudo começa na inspiração e termina em macaqueação.

Sempre foi assim e sempre será.

O que distingue o pensamento dito "moderno", do século 18 em diante, e o diferencia radicalmente de todos os anteriores, é sua capacidade de gerar teorias que vêm prontinhas para ser massificadas, e que extraem daí, precisamente daí, todo o prestígio "intelectual" que possam vir a desfrutar. É como se saltassem por cima da etapa de inspiração solitária e já se enunciassem, desde o berço, como apelo às massas. Isso começou a acontecer desde o momento em que os homens de ideias perderam a fé no conhecimento da verdade e passaram a buscar, em vez dela, o afinamento com o "espírito da época".

Quantos filósofos e escritores, hoje, não são abertamente louvados, não porque tenham descoberto alguma verdade, algum valor essencial, mas apenas e sobretudo porque expressaram, com seus erros e mentiras, as aspirações mais loucas e abjetas do "seu tempo"? Não fosse por isso, tipos como Maquiavel, Diderot, Marx, Freud ou até mesmo Darwin não teriam hoje em dia um admirador devoto. Seriam lidos, se tanto, como documentos históricos de um passado desprezível.

O traço distintivo das teorias a que me refiro é a ambiguidade congênita. Nada afirmam de muito claro, desdizem-se a cada linha, esquivam-se com destreza luciferina à confrontação com os fatos e, quando acuadas contra a parede por alguma objeção demolidora, mudam de significado com a maior facilidade, cantando vitória quando conseguem mostrar que o adversário nada provou contra o que elas não tinham dito.

É claro que a aptidão de uma teoria para essa transmutação proteiforme não aparece toda de uma vez. A continuação dos debates e o zelo dos discípulos em preservar a imagem do mestre é que trazem à mostra o potencial de desconversa escorregadia contido na exposição da ideia originária.

O darwinismo, por exemplo, começou como uma "teoria do design inteligente", tentando mostrar a lógica de uma intencionalidade divina por trás da variedade das formas naturais. Hoje aparece como a antítese mais extrema de todo "design inteligente", sem que ninguém nos explique como é possível que duas teorias simetricamente opostas continuem sendo uma só e a mesma.

A psicanálise, então, tem tantas versões que o que quer que você diga contra uma delas pode ser sempre reciclado como argumento em favor de alguma outra – e os ganhos de todas revertem sempre, é claro, em favor do dr. Freud. A facilidade mesma com que uma teoria se converte em suas contrárias é louvada como prova do mais alto mérito intelectual: o que importa não é a "veracidade", mas a "fecundidade".

Mas a teoria mais capaz de explorar em proveito próprio tudo o que a desminta é, com toda a certeza, o marxismo. Tudo o que ele diz já vem, na fonte, em duas versões: uma que diz sim, a outra que diz não. Qualquer das duas que saia vencedora aumentará formidavelmente o crédito da teoria marxista.

Como Marx se esquiva de esclarecer qual o coeficiente de influência que as causas econômicas têm na produção das mutações históricas em comparação com outras causas, você pode optar por um determinismo econômico integral ou pela completa inocuidade das causas econômicas e continuar se declarando, nos dois casos, um puro marxista. Ernesto Laclau chega a declarar que a mera propaganda cria a classe oprimida incumbida de legitimá-la ex post facto, e ninguém deixa de considerá-lo, por isso, um luminar do pensamento marxista.

A própria ideia marxista da práxis – a mistura inextricável de teoria e prática – parece criada sob medida para tirar proveito das situações mais opostas: o que desmente o marxismo em teoria pode favorecer o movimento comunista na prática (é o caso das ideias de Laclau); as derrotas do comunismo na política prática podem sempre ser alegadas como efeitos de "desvios" e, portanto, como confirmações da teoria marxista (Trotski falando de Stalin).

A duplicidade de línguas no marxismo aparece não só nas grandes linhas da teoria e da estratégia, mas nas atitudes dos intelectuais marxistas ante qualquer acontecimento da vida cultural ou política. Tudo aí tem duas caras, cada uma exibida ou encoberta, em rodízio, conforme as conveniências do momento.

Em 1967, quando a União dos Escritores da URSS proclamava Soljenítsin um tipo execrável e perigosíssimo, o filósofo comunista Georg Lukács jurava que o autor de Um Dia na Vida de Ivan Denissovitch tinha uma visão ortodoxamente marxista das coisas. O movimento comunista ficava assim preparado para as duas eventualidades: se o romancista viesse a ser ignorado no Ocidente, já estava garantido o seu lugar na lata de lixo da História; se fizesse sucesso, seria um sucesso do marxismo.

Alguns exemplos próximos de nós ilustram o jogo com ainda mais clareza. Lula e o comandante das Farc, Raul Reyes, podem presidir juntos as assembleias do Foro de São Paulo e em seguida alegar que nunca fizeram nada em parceria. As Farc podem publicar em sociedade com o PT a mais importante revista de discussão marxista do continente (America Libre - com Chico Buarque e Manuel Marulanda - chefão das FARC - no Conselho Editorial) e ao mesmo tempo ser proclamadas, na mídia, umas malditas traidoras que abandonaram o marxismo para entregar-se à pura cobiça de dinheiro. Se as Farc vencem, o Foro de São Paulo vence junto com elas. Se perdem, ele sai limpo.
A língua dupla caracteriza as serpentes, no mundo natural, o diabo, no reino do espírito, e as ideias queridas da modernidade, no mundo humano e histórico.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".