30 de novembro de 2010 | 0h 00
Em encontro com Putin em Teerã, líder iraniano diz que o Irã não estava fazendo nada diferente do que o País na esfera atômica; diplomatas ocidentais manifestam preocupação com a atuação do governo brasileiro e criticam interferência nos planos de sanções
Andrei Netto CORRESPONDENTE / PARIS - O Estado de S.Paulo
Os documentos secretos revelados pelo site WikiLeaks comprovam como era tratada nos bastidores a preocupação crescente da comunidade internacional com as relações entre Brasil e Irã entre 2009 e 2010. Em um diálogo com o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, em Teerã, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, argumentou que seu país "não estava fazendo nada diferente do Brasil na esfera nuclear".
Mikhail Klimentyev/AFP
Encontro. Ahmadinejad (D) recebe Putin em Teerã: líder russo rejeita argumento do Irã e diz que 'Brasil não fica no Oriente Médio'
Putin teria retrucado afirmando que o Brasil "não se localiza no Oriente Médio".
Em Washington, Paris, Berlim e Moscou, diplomatas defenderam o aumento da pressão contra Ahmadinejad e manifestaram preocupação com a atuação do governo brasileiro. Em diferentes mensagens, a política externa brasileira foi criticada por atrapalhar os planos de sanções. O Brasil é tido como líder emergente que precisa ser atraído.
Segundo pesquisas nos documentos confidenciais ou secretos revelados até aqui, o Brasil entra na lista de preocupações das potências internacionais a partir do início 2009. Segundo relato do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, ao embaixador americano em Moscou em abril do ano passado, o Brasil era usado como álibi por Ahmadinejad quando o assunto era o programa nuclear.
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A posição de Brasília volta a ser comentada, desta vez em conversa telefônica entre o líder francês, Nicolas Sarkozy, e o presidente dos EUA, Barack Obama, em novembro de 2009.
Na ocasião, o embaixador americano relata que as altas esferas diplomáticas francesas estão preocupadas com a perda de apoio da opinião pública contra o Irã, porque países como China, Turquia e Brasil continuavam a manter relações diplomáticas ou comerciais com o Irã. O texto cita a visita de Ahmadinejad ao Brasil, em novembro de 2009.
"Países continuam a engajar relações diplomáticas e comerciais com o Irã (a exemplo dos interesses comerciais chineses, da recente visita do primeiro-ministro turco ao Irã e da visita do presidente iraniano Ahmadinejad ao Brasil)", diz o documento, classificado como secreto.
Em 2010, a preocupação com a posição brasileira aumenta e autoridades francesas advertem que o Brasil pode não conhecer o limite da negociação com o Irã. Em maio, o Brasil e a Turquia tentariam intermediar um acordo com o Irã que permitisse a troca de urânio por combustível nuclear para um reator de pesquisas médicas. O acordo seria muito criticado pela comunidade internacional. Em fevereiro, o governo da Alemanha ressaltaria aos americanos a necessidade de seduzir o Brasil, considerado "líder de opinião no Terceiro Mundo".
Em reuniões diplomáticas realizadas em 2010 e 2009, diplomatas dos EUA, França, Alemanha e Rússia tratam da influência brasileira na questão nuclear; Ahmadinejad diz a Putin que "não faz nada diferente do Brasil"
Em agosto de 2009, em uma reunião com a ministra-conselheira americana Kathleen H. Allegrone, em Paris, dois assessores diretos de Sarkozy ressaltaram a necessidade de aumentar a pressão sobre o Irã, para que o país abandonasse seu programa nuclear. François Richier e Patrice Paoli, conselheiros de Assuntos Estratégicos e de Oriente Médio, respectivamente, exortam ainda os EUA a se aproximar de países como o Brasil.
OUTROS SEGREDOS
Zelaya sofreu "golpe de Estado"
A embaixada americana em Tegucigalpa esclareceu, em junho de 2009, que o então presidente hondurenho, Manuel Zelaya, havia sido deposto por "um golpe inconstitucional e ilegal". Esse era o teor da mensagem enviada ao Departamento de Estado.
Elo Chávez-Lugo foi investigado
Diplomatas da Embaixada dos EUA em Assunção tentaram investigar ao longo de 2008 se o presidente venezuelano, Hugo Chávez, estava financiando a campanha do então candidato paraguaio Fernando Lugo, que acabou eleito presidente.
Saúde mental de Cristina preocupa
A diplomacia americana mostrou preocupação com a "saúde mental" da presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner. Hillary Clinton chegou a pedir um relatório sobre o estado de saúde mental da mandatária argentina.
Ambulâncias com arma do Hezbollah
Ambulâncias iranianas do Crescente Vermelho, a versão da Cruz Vermelha para países islâmicos, foram usadas para contrabandear armas do Irã para o grupo xiita libanês Hezbollah durante a guerra com Israel em 2006, segundo a diplomacia israelense.
Khamenei teria câncer terminal
Um empresário da Ásia Central, que viaja com frequência a Teerã, soube por um dos seus contatos que (o ex-presidente iraniano Ali Akbar) Rafsanjani lhe contou que o aiatolá Ali Khamenei tem leucemia em estágio terminal e pode morrer em meses.
Retirada de urânio do Paquistão
EUA temiam que material radioativo fosse usado em ataques terroristas. Desde 2007, Washington tenta remover urânio altamente enriquecido de um reator do Paquistão. Islamabad ainda se recusa a aceitar uma visita de especialistas dos EUA.
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