Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Tragicomédia Acadêmica – Contos Imediatos do Terceiro Grau

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Por exemplo:

O Abominável Homem do Minhocão


03/11/1996




Antônio desapareceu em meados de 1974. Era professor do departamento de Ciências Sociais e foi visto pela última vez após um alarme falso, no qual se afirmou que o exército e a polícia militar se preparavam para novamente invadir o campus da Universidade de Brasília. Vacilara terrivelmente quando, durante sua última aula, manifestara apoio e solidariedade aos movimentos de resistência armada contra o governo militar. Para seu azar, naquele dia infeliz, havia “boi na roça”: um alcagüete da polícia federal assistia à aula. Antônio nem sequer voltou para casa. Passou do Instituto Central de Ciências — o famigerado Minhocão — para o esquecimento…
20 de março de 1994, 20h:30min.: No subsolo do Minhocão, após uma aula noturna, Lisane, estudante de história, caminha em direção à escada. Ao passar em frente ao restaurante Natural, alguém a retém pelo braço. Lisane sente o cheiro, volta-se, grita e, por fim, desfalece. É encontrada por um segurança, minutos depois, ainda desacordada.

27 de março de 1994, 02h:05min.: Oswaldo, segurança da UnB, está a postos, dentro de sua guarita na entrada norte, assistindo à TV. Repentinamente um estranho ser, coberto de pêlos, sujo e hediondo invade a guarita. Antes que Oswaldo tenha qualquer reação, o monstruoso homem — parece um homem — o golpeia na cabeça com a TV portátil. O segurança desmaia. Quando volta a si, não encontra a marmita. Na TV passa o filme A Volta dos Mortos Vivos.

Estes não foram acontecimentos isolados. Desde 1976, ocorreram inúmeros encontros com o Abominável Homem do Minhocão. A diferença é que em todo esse tempo ele jamais surgiu duas vezes num único mês. E foi a primeira em que ele roubou comida.
É certo que muito se especulou sobre a consistência e veracidade de tais narrativas. Dizia-se que tudo aquilo era um chiste, e que, na tentativa de eludir uma maior preocupação com a segurança interna do campus, inventava-se toda sorte de causos. Mas o que não era do conhecimento geral, senão um fato compartilhado por poucos, era a enorme pegada deixada pela criatura junto às vítimas. Uma pegada com cheiro de merda. Um horror.

12 de abril de 1996, 19h:40min.: Eunice, professora de biologia, caminha pelo subsolo sul do Minhocão. De repente, ela sente uma presença. Amedrontada, olha ao redor mas nada vê. Acelera o passo. Logo adiante, Eunice sente um forte mau cheiro e estaca. Volta-se novamente para trás e arregala os grandes olhos verdes que giram nas órbitas:

“Antônio!!”

“Eunice?!”

“É você mesmo, Antônio?”

“Sou eu sim, meu bem…”

Abraçam-se. Ela, na ponta dos pés, enlaça o pescoço dele com os braços, que se sujam com os fétidos cascões de sua nuca. Ele a cinge pela cintura, deixando manchas escuras na sua saia amarela. Beijam-se na boca ternamente. Os bigodes e a barba de Antônio, assim como os pêlos dos seus braços, estão duros como palha de aço. Eunice sente seu hálito de esgoto.

“Ah! É você mesmo, meu querido…”

Ela o conhecera exatamente um ano, dois meses e treze dias antes de seu desaparecimento. Amaram-se desde o princípio. Ela se tornara professora na UnB para ficar junto dele.

“Mas afinal, onde é que você tava?”

Antônio nunca fora adepto da toalete. Por isto a namorada não o estranhava neste sentido. Até gostava.

“Por aí… por aí…”

Quando o Abominável Homem do Minhocão foi avistado pela primeira vez, Eunice não se sensibilizou… Pensou que era apenas mais um boato do tipo “a anistia vem aí”. Um dia, lendo por acaso um relato sobre as antigas culturas andinas, deu com um nome familiar: Sacharuna. Era assim que um colega do basquete, um peruano, tratava Antônio durante os treinos. Queria dizer: o senhor das montanhas, o pé-grande da América do Sul. Leu mais sobre o assunto. No Canadá e norte dos EUA, chamava-se Sasquatch. No Himalaia, Yeti ou O Abominável Homem das Neves. Eunice ficou encucada: aquela criatura do minhocão… seria ele?

“Como assim por aí?”, perguntou espantada. “E por que você tá largado desse jeito? Vem comigo!”

“Não, Eunice! Os milicos… eles… eles vão me pegar!!”

Agora sim ela se sensibilizou. Quase chorou.

“Meu Deus, que absurdo!”, e olhou-o solícita. “Antônio, desde 84 que nós temos presidentes civis, eleições diretas… Já tivemos até impeachment! Em que maldito buraco você se meteu?”

Ela o levou pra casa. Deu-lhe banho, roupas e sapatos novos — tamanho 52 –, cortou-lhe os cabelos, as unhas, fez-lhe a barba. Tornou-o reconhecível de novo. Exceto pelo cheiro, felizmente. E ele estava deslumbrado. Não acreditava que passara mais de vinte anos nos esgotos do Minhocão. Acabara o comunismo na União Soviética — acabara a União Soviética! — não havia mais o muro de Berlim e havia Mac Donald’s na China… Todos tinham um computador pessoal e cartões magnéticos… Sim, ainda havia fome, miséria e injustiça… Mas, meu Deus, quantas transformações! E ele perdera vinte anos de vida! Tudo por causa dum relógio russo, comprado em Cuba, que usara todo aquele tempo e cujo ponteiro mal se movia. Triste, muito triste.

Eunice fez o que pôde para convencê-lo de que ainda era jovem e de que tinha toda uma vida pela frente. Fê-lo assistir — para que se acalmasse e se reintegrasse ao mundo — TV a cabo durante cinco dias inteiros. Por fim, disse-lhe que o melhor que tinha a fazer era recuperar sua cadeira de professor. Logo que superou a depressão — quebrando a TV — Antônio seguiu os conselhos de Eunice. Foi recebido na UnB como herói. (Ninguém parecia recordar que ele encarcerara a si próprio.) Ganhou uma estátua ao lado da de John Lennon [1] — “Meu Deus, ele morreu?!!” — uma estátua enorme, com pés enormes. Ele estava novamente feliz.

Para reacostumar-se com o trabalho, recebeu a cadeira de Introdução à Sociologia. Na sala, um grande número de alunos de direito e de relações internacionais, todos calouros. Achou que o melhor a fazer naquela primeira aula seria discorrer sobre cidadania e, para isto, seria necessário abordar aqueles importantes fatos sócio-políticos dos anos 60 e 70.

“Lá vem a Abominável Ratazana dos Esgotos”, disse alguém logo que ele entrou.
Antônio tentou ignorar a provocação dando início à aula:

“Alguém sabe qual foi o acontecimento mais marcante neste país entre as décadas de 60 e 70?”

“Um idiota que se perdeu nos esgotos da UnB?”

Risadas e mais risadas. Antônio impacientou-se:

“Não estou aqui para brincadeiras. Seus pais, tios e avós passaram por maus momentos nessa época e vocês não estão nem aí…”

“Sou bisneto do general Médici!”, disse um.

“Meu pai era do DOI-CODI!”, disse outro.

Mais risadas. Assovios.

Antônio explodiu:

“Olha aqui, seus burguesinhos imbecis, vocês são muito pueris pra entender o sofrimento pelo qual muita gente passou naqueles duros anos. Vocês jamais imaginariam, por exemplo, a loucura que eu vivi…”

Uma garota levantou-se e dirigiu-se até a porta.

“Onde você vai?”, berrou Antônio. “Eu ainda não terminei”.

“Tenho mais o que fazer além de ficar ouvindo um professor histérico me chamar de burguesinha imbecil!”

O professor pôs-se furibundo. Via tudo embaçado. Estava fora de si. A sala ficou repentinamente silenciosa, ninguém parecia respirar. Ele caminhou com suas grandes e sonoras passadas na direção da garota, que ficou paralisada. Extasiados, alguns alunos esperavam presenciar um homicídio. “Um patricinhicídio”, contaram mais tarde. Antônio apenas passou por ela e saiu pela porta. Precisava encontrar Eunice. Aquilo era o fim da picada. Os alunos estavam mais mudados que a própria Rússia! Era difícil de suportar.

Quando chegou no apartamento de Eunice, na Colina, foi direto pra cozinha beber um copo d’água. Precisava se acalmar. Ao terminar, ouviu uns gemidos vindos do quarto. Foi-lhes no encalço. Eunice estava nua, sentada sobre outro homem, também nu.

“Eunice!!”, suspirou Antônio.

“Antônio! O que é que você tá fazendo aqui a esta hora?”

“Quem é esse cara, Eunice?”, balbuciou ele, ignorando a pergunta.

“Uê, Antônio”, começou ela, metendo-se sob as cobertas. “É o Marcos, meu marido.”
“Marido?!!”

“É claro. Você não achou que eu ia te esperar esse tempo todo, não é?”

“Mas eu não sabia…”

O marido levantou-se:

“Eu estava viajando e cheguei hoje”, disse, enrolando-se num lençol. “Muito prazer, a Eunice me falou muito a seu respeito”, e estendeu a mão.

Antônio apertou aquela pequena mão involuntariamente. Sua cabeça estava longe, muito longe.

“Desculpe, Eunice”, disse ele. “Eu preciso sair”, e saiu.

“Sujeito esquisito…”, admirou-se o marido.

1° de maio de 1996, 13h:02min.: Antônio arrasta-se pela tubulação de esgoto sob o restaurante Natural, no subsolo norte do Minhocão. Sente-se novamente em casa, de volta ao útero materno. Longe de todo absurdo e do ramerrão da superfície. Está procurando o Topo Gigio, cujo desaparecimento o fizera abandonar aquele tranqüilo lugar. Topo Gigio é o rato a quem ensinou a roubar e a trazer-lhe comida da despensa do Natural. Sim, pois como alguém sobreviveria tanto tempo naquele mundo subterrâneo? Como no mundo superficial? Tragando merda?

(Conto extraído de A Tragicomédia Acadêmica – Contos Imediatos do terceiro grau.)


[1] Caro leitor, atenção: realmente existe uma estátua do John Lennon, junto ao Bandejão, no Campus Darci Ribeiro – UnB.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".