12 de outubro de 2009
"A História nos relata que houve muitas invasões HORIZONTAIS de bárbaros; ou seja, invasões que se processaram com maior lentidão ou não, maior rapidez ou não, e que consistiram na penetração pacífica ou violenta dos povos, que se deslocavam para as regiões habitadas por outros, impondo-lhes o seu poder ou pelo menos os seus costumes. Mas só se pode falar em invasão de bárbaros, quando essa se processa no território que corresponde à civilização. Não foram essas invasões tão cruentas como muitas vezes são descritas, pois as que se processaram no antigo Império Romano, sobretudo no período final, processaram-se gradualmente, e muitas vezes com o apoio interno dos próprios civilizados, já barbarizados em muitos dos seus costumes.
Na verdade, a invasão que é a penetração gradual e ampla dos bárbaros não só se processa HORIZONTALMENTE pela penetração no território civilizado, mas também VERTICALMENTE, que é a que penetra pela cultura, solapando os seus fundamentos, e preparando o caminho à corrupção mais fácil do ciclo cultural, como aconteceu no fim do império romano, e como começa a acontecer agora entre nós."
Livro A Invasão Vertical dos Bárbaros
Livro A Invasão Vertical dos Bárbaros
Pelo filósofo Mário Ferrreira dos Santos, 1967
Um texto ruim. No entanto, uma boa luz que revela, no palco, um cenário verdadeiramente incrível. Mas, de fato, o texto é ruim. Poder-se-ia tomar refúgio nos clássicos. “Mas os clássicos são ininteligíveis”, expressaria descontente um ser mais obtuso, que tampouco entenderia se os lesse. E por não entender, acreditaria que a sua imbecilidade se propaga no infinito. Entretanto, nos referimos a um imbecil consciente que, por isso, de forma bem natural, passa a julgar saber as coisas através da própria ignorância, e isto, pitorescamente, lhe traz a certeza de um delirante complexo de superioridade. Esta é a razão pela qual se subestima o público, dando-lhe sempre o que há de pior.
Não se têm o que dizer. Muito menos o que ensinar. Mas se tem o espaço, a verba pública, um teatro restaurado através da obra super-faturada e… ah, uma boa luz que revela, no palco, um cenário verdadeiramente incrível. Já que o texto é ruim, a intenção é chocar com vulgaridades que já não chocam mais ninguém. Pois ainda há quem fique chocado com palavras infames e pessoas nuas? O texto é ruim, mas não faria diferença se fosse bom. Já que nada entendem, resolvem se expressar tirando as roupas. Às vezes, menos ousados, contentam-se em pintar o nariz e fazer malabarismos.
Talvez fosse isso que Rousseau considerava quando proclamou que o efeito do desenvolvimento das ciências e das artes não seria positivo à humanidade. Ao contrário, transformar-se-ia num processo de degeneração do homem. Abstraindo toda aquela maluquice do bom selvagem, podemos considerar que o diagnóstico do suíço parece ter algum sentido se invertemos o significado do que seja a arte. Atualmente, o que se convém chamar de arte, não é arte de forma alguma. A idéia mesma de fazer o homem elevar-se procriando o belo, para tornar-se melhor desejando perpetuamente o bem e a verdade, foi substituída pela massificação do homem vulgar que degenera a si mesmo, e junto a inteligência humana. É um engenhoso empenho para nos tornar animais, onde o instinto mais selvagem subrepuja a razão e a felicidade resume-se no pleno gozo do prazer. Mas em algum momento o filho do relojoeiro suíço tenta esclarecer as coisas:
“Todo artista quer ser aplaudido. Os elogios dos seus contemporâneos constituem a parte mais preciosa de suas recompensas. Que fará, pois, para os obter, se tem a desgraça de ter nascido no seio de um povo e nos tempos em que os sábios em moda puseram uma juventude frívola em estado de dar o tom; em que os homens sacrificaram seu gosto aos tiranos de sua liberdade.” *
Liberdade. Mas alguém ousaria vociferar a favor da tirania? No entanto, tornou-se comum o aprisionamento na vulgaridade que sempre exige uma baixeza em servir de forma miserável a uma tirania coletiva. Aí a liberdade pertencente ao indivíduo já está extinta, e já não se pode mais decidir o próprio destino. De qualquer forma ele prefere se entregar, curvar-se por algo que sequer sabe o que é — e deseja ardentemente este desconhecido. Expõe-se ao ridículo, age de forma repugnante, aceita crueldades, torturas psicológicas; jura estar buscando a liberdade plena.
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Rousseau, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes, 1749.
Rousseau, Jean-Jacques. Discurso sobre as Ciências e as Artes, 1749.
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