A Ilusão dos Três Poderes no Brasil
Este é o oitavo artigo sobre democracia. No último, cujo tema era a democracia ateniense da Antiguidade clássica, prometemos uma digressão sobre a questão da escravidão. Mas a limitação de espaço no Inconfidência nos obriga a adiar o projeto, que será objeto, em futuro próximo, de nova série de artigos. Em vez disso, voltemos ao tema principal.
Aristóteles identificou três tipos de regimes políticos, fora o comunismo, que descartou como inviável: a monarquia, a aristocracia e a democracia. Pessimista, acreditava que cada regime, uma vez estabelecido para o benefício dos povos, trazia em si o germe da própria degeneração. A monarquia tendia a degenerar em tirania, a aristocracia, em oligarquia e a democracia, em oclocracia (termo proposto por Polibio, que significa ditadura das massas controladas por demagogos).
Se cada uma das três formas básicas tende à degeneração (porque corresponde aos interesses de uma só categoria social, que exclui as demais) o único governo estável é o que combina as três de modo que se equilibrem. Essa composição, cogitada muitas vezes, foi enfim obtida na Inglaterra no século 17, depois de séculos de sangrentas tentativas e erros. O governo constitucional britânico se mostrou tão eficaz e estável na fase em que a Inglaterra se tornava a maior potência do planeta, que passou a ser a inveja das nações. Por isso todos copiavam a sua forma – pensando que assim conseguiriam transplantar sua essência – aplicando a fórmula dos três poderes autônomos em contextos diferentes, muitas vezes com resultados perversos.
É o que tem acontecido no Brasil desde a proclamação da República.
Os três poderes, na Inglaterra, não foram inventados pelo sistema constitucional. Monarquia, Nobreza e Comuns sempre haviam existido, e desde a Idade Média funcionavam paralelamente, em jurisdições distintas. O constitucionalismo britânico não passou de processo de composição entre as três classes dominantes.
Seria difícil coincidir que outro país tivesse as idiossincrasias das ilhas britânicas, logo o sistema não era para ser copiado. Cada país teria de inventar o seu, partindo sempre da idéia (essa sim, digna de ser imitada) de harmonizar os poderes existentes de fato.
Na Inglaterra os três poderes tinham suas próprias forças armadas, ou podiam arregimentá-las. Quando os ingleses falavam em poderes, não era só no sentido jurídico: era força bruta, mesmo. Na acomodação, a Nobreza continuou a julgar, como vinha fazendo desde os tempos do pleno feudalismo. O Rei continuou a chefiar o Estado. E os Comuns, que não podiam julgar nem governar, mas eram o poder econômico – a última instância de tudo, pois sem dinheiro nada se faz – legislavam.
Muitos países que tentaram imitar o modelo britânico inverteram o processo ao confundir os poderes com as funções desses poderes, e pensaram que as funções eram a fonte dos poderes, e não o contrário. Feita a confusão, quiseram impô-la à realidade. E malograram.
Na História do Brasil o desencontro entre as teorias e as forças realmente existentes aconteceu várias vezes e pelo menos numa delas se encontrou solução original: em 1823, quando D. Pedro I outorgou nossa primeira Constituição e inseriu, ao lado dos três poderes recomendados pela doutrina, um quarto Poder Moderador, que de fato era o único e acumulava todos os demais, e correspondia à nossa realidade naquele momento. Mal ou bem, o sistema funcionou por quase setenta anos. O Brasil era considerado como a única nação civilizada da América Latina, enquanto o resto do continente vivia de crise em crise, dominado por caudilhos e ditaduras militares.
No próximo número do Inconfidência, continuaremos com o mesmo assunto.
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