Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Nivaldo Cordeiro em dois artigos imperdíveis: A FONTE DA ORDEM e A ORDEM DA MODERNIDADE


A FONTE DA ORDEM


O duelo entre liberais e conservadores está na agenda porque duas visões da história e da filosofia política aqui se enfrentam para representar a verdade da alma


O magnífico artigo de Olavo de Carvalho (Liberdade e ordem), publicado originalmente no jornal Diário do Comércio, de São Paulo, colocou questões substantivas para debate. Um olhar na história da filosofia política no Ocidente nos últimos cinco séculos vai mostrar que algo de muito errado na esfera política andou acontecendo. Não apenas pelas múltiplas rebeliões e morticínios, mas sobretudo pelo duelo de idéias que ocorreu e continua a ocorrer. Novas idéias erradas substituíram as antigas idéias certas. Desde a Revolução Francesa podemos dizer que as forças da ordem, o Estado, tornaram-se o inimigo de morte de seus próprios cidadãos, pois o Estado foi tomado por uma elite jacobina empenhada em modelar com seus preconceitos a alma humana. O Estado-predador, o grande Leviatã, o devorador de homens teve no século XX um apogeu, que poderá ser superado no século em curso se a humanidade não construir defesas contra sua capacidade de destruição.

O duelo entre liberais e conservadores está na agenda porque duas visões da história e da filosofia política aqui se enfrentam para representar a verdade da alma. Onde estará a verdade? Olavo bem apontou uma das fragilidades teóricas exponenciais dos liberais, que elegeram, desde Hobbes, a liberdade como princípio. Com Locke será eleita a propriedade. O que se viu é que as boas intenções dos liberais naufragaram no decurso histórico. O século XX foi o coveiro do liberalismo clássico não apenas no âmbito da condução dos negócios do Estado, mas também no plano teórico. As idéias de Locke hoje não passam de reminiscências nas cabeças de uns pouco intelectuais que estão situados bem longe do poder, sem chance de voltar a exercê-lo. Mesmo a liberdade econômica é hoje bandeira de economistas influentes que têm emBentham seu inspirador, e não em Locke, como é exemplo a Escola de Chicago e seu consequencialismoético.

A fraqueza teórica dos liberais, mostrada pelo artigo do Olavo, é a causa do seu fracasso histórico na política. Devo dizer que lamento esse fracasso, porque há muito de verdade na filosofia política liberal, especialmente no que concerne à condução das questões econômicas e no cultivo da liberdade como valor em si. São duas descobertas que engrandeceram o viver humano.

Mas o ponto central está em como é constituída a ordem, o fator cronológico e lógico que precede a criação do campo da liberdade política. Olavo escreveu que 
“...essa liberdade é apenas a margem de manobra deixada ao cidadão dentro da rede de relações determinada por uma ordem jurídica estabelecida. O princípio aí fundante é, pois, o de ‘ordem’, não o de “liberdade”. Isso basta para demonstrar que a ‘liberdade’ não é jamais um princípio, mas apenas a decorrência mais ou menos acidental da aplicação de um princípio totalmente diverso”.

Essa lição é a mesma que nos deu Michel Villey no seu grande livro FORMAÇÃO DO PENSAMENTO JURÍDICO MODERNO: “Mas o que é o direito, senão, sobretudo, o pensamento vivo de uma elite organizadora sobre o que deve constituir a ordem?”A questão nos remete diretamente ao problema do direito e do direito natural. Não sem razão Leo Strauss escreveu a obra-prima DIREITO NATURAL E HISTÓRIA exatamente para mostrar o erro teórico liberal desde o nascedouro, desde as primeiras linhas da obra de Hobbes. Para ele, o único antídoto contra os males do totalitarismo é o retorno ao direito natural clássico. A ordem fundante teria que vir de pessoas munidas dos princípios de Platão e de Aristóteles, precisamente por sua superioridade teórica e sua consonância com a verdade da alma.

E quais são esses princípios? Quais as fontes da ordem? A lei natural, acessível ao homem pela verdade revelada e pelo esforço filosófico. Voegelin, ele mesmo autor de uma obra que investigou precisamente esse ponto (ORDEM E HISTÓRIA), escreveu no livro A NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA:

A abertura da alma foi um acontecimento crucial na história da humanidade porque, com a diferenciação da alma como o sensorium da transcendência, tornaram-se visíveis os padrões críticos e teóricos para a interpretação da existência humana na sociedade, bem como a fonte de sua autoridade. Quando a alma se abriu para a realidade transcendente, encontrou uma fonte de ordem superior à da ordem estabelecida da sociedade, assim como uma verdade em oposição crítica à verdade que a sociedade atingira através do simbolismo de sua própria auto-interpretação. Além do mais, a idéia de um Deus universal como medida da alma aberta teve, como corolário lógico, a idéia de uma comunidade universal da humanidade, além da sociedade civil, através da participação de todos os homens namedida comum, entendida quer como o nous aristotélico, quer como o logos estóico ou cristão. O impacto de tais descobertas pode muito bem toldar o fato de que a nova clareza com respeito à estrutura da realidade não alterava essa estrutura”.

Os três autores citados tinham os olhos voltados para as devastadoras experiências totalitárias da primeira metade do século XX. Sabiam que elas podem se repetir, com virulência ainda mais espetacular, em face dos meios de morte à disposição dos Estados. Se uma elite capaz de construir uma ordem justa e segura não estiver no comando dos botões do apocalipse a coisa pode engrossar. Estamos vendo o desenrolar da crise econômica mundial, o esforço do Irã para ter artefatos atômicos, a emergência da China como potência global, ela mesma formada por uma pseudo elite jacobina, completamente hermética à verdade da alma. Se os melhores não estiverem no poder, certamente lá estarão os piores, fato do qual nosso país hoje pode dar um exemplo antológico ao mundo.

A discussão proposta pelo Olavo de Carvalho de forma nenhuma pode ser desconsiderada, assim como a lição nela contida. É desse duelo teórico que depende a continuidade da civilização
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A ORDEM DA MODERNIDADE


Faça um teste, caro leitor: pergunte a todos os seus amigos que fizeram curso superior se leram Bobbio. Digo-lhe: dez em cada dez tiveram que ler e absorver o italiano.

No artigo anterior (A fonte da ordem) foi comentado o relevante problema da filosofia política sobre a origem da ordem, a partir da proposição de Olavo de Carvalho. Investigar esse tema leva inevitavelmente à investigação dos elementos que constituem os tijolos que formam o edifício jurídico-político dos Estados atuais e das diferentes correntes que competem para ter o poder de implantar sua visão de mundo, ou seja, conquistar o poder de Estado.

Desde meados do século XIX que se vê o paulatino triunfo das idéias coletivistas e as sucessivas derrotas do liberaismo clássico. Primeiro o triunfo totalitário em boa parte do território mundial. Depois o triunfo do Estado de bem-estar social, esse comunismo com outro nome. Agora o ataque final com os direitos humanos, via ONU, em busca da ditadura mundial. O liberalismo clássico morreu.

Uma das linhas de investigação muito promissoras para mostrar porque o liberalismo clássico foi suplantadoestá na discussão dos assim chamados direitos humanos e sua relação com os direitos naturaisjusnaturalistas. Tenho escrito bastante sobre o tema porque ele me parece o fio condutor que nos leva a sair do labirinto enevoado do embaralhamento teórico,

Os direitos naturais propostos por Hobbes (assim chamados de primeira geração) têm a mesma base teórica em que Rousseau e demais autores que abraçaram historicismo (sobretudo as correntes marxistas) trabalharam. Portanto, os direitos humanos e os direitos naturais são uma única mesma coisa, desde a semente teórica original. No livro A ERA DOS DIREITOS, de Norberto Bobbio, vários ensaios do autor demonstram sem dificuldade. Bobbio sublinha aquilo que Hobbes sublinhou: “Pelo menos desde o início da era moderna, através da difusão das doutrinas jusnaturalistas, primeiro, e da Declaração dos Direitos do Homem, incluídas nas constituições dos Estados liberais, depois, o problema acompanha o nascimento, o desenvolvimento, a afirmação, numa parte cada vez mais ampla do mundo, do Estado de Direito. Mas é também verdade que somente depois da Segunda Guerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo ─ pela primeira vez na história ─ todos os povos”.

Bobbio
 foi preciso. O encanto do seu livro de ensaios é que ele escreve como propagandista erudito da causa e não tem qualquer preocupação em ocultar os fatos. Sente-se seguro de ser um autor consonante o vento dos tempos históricos e políticos.
Sabe-se perfeitamente bem como agente da revolução gramscianaem curso, em escala mundial. Sua obra terá sido a mais importante a moldar o mundo na segunda metade do século XX, especialmente no superlativo aspecto das instituições e dos marcos jurídicos. A metástase dos direitos humanos deve muito ao seu empenho.

Faça um teste, caro leitor: pergunte a todos os seus amigos que fizeram curso superior se leram Bobbio. Digo-lhe: dez em cada dez tiveram que ler e absorver o italiano.

Bobbio
 não tem dúvida em escrever: “O problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais de fundamentá-los, mas sim, de protegê-los... Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas sim, jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, ele sejam continuamente violados”.
Aqui está a base teórica do famigerado Plano Nacional de Direitos Humanos.

O que quero enfatizar é a derrota teórica e política do liberalismo clássico. Claro, algo do seu núcleo científico permaneceu, especialmente no que se refere a algumas visões da economia, depois que ficou evidente que o planejamento socialista é uma quimera impraticável. Como entre um liberal e um socialista não há, a rigor, diferenciação filosófica, pois ambos partem do jusnaturalismo e da destruição maquinada da filosofia aristotélica, do direito natural clássico, vai triunfar entre os dois precisamente aquele que não tem qualquer restrição moral de cativar as multidões, atendendo seus apetites. Esse é segredo de Polichinelo a explicar a rebelião das massas.

Os liberais clássicos sempre apelam para a razão no seu discurso; os socialistas apelam sempre para o coração, o coitadismo. O liberal clássico afirma a superioridade do mercado para atender as demandas coletivas e a felicidade geral, ainda tem respeito pela realidade objetiva da lei da escassez. O socialista dirá que os problemas do mundo resultam da falta de vontade política para moldar o mundo à perfeição, a fim de atender o apetite das massas. O igualitarismo é o seu mantra. Mas a igualdade é a palavra mágica dos liberais desde a origem, contra a idéia da hierarquia natural que vem dos clássicos.
Noberto Bobbio vai direto ao ponto: “No plano histórico, sustento que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical inversão de perspectiva, característica do Estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súditos: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos do cidadão não mais súditos, e não do ponto de vista dos direitos do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade, segundo a qual, para compreender a sociedade, é preciso partir de baixo, dos indivíduos que a compõem, em oposição à composição orgânica tradicional, segundo a qual a sociedade como um todo vem antes dos indivíduos... Essa inversão é estritamente ligada à afirmação do que chamei modelo jusnaturalista, contraposto ao seu eterno adversário, que sempre renasce e jamais foi definitivamente derrotado, o modelo aristotélico”.

Para Bobbio, liberalismo e socialismo se opõem ao aristotelismo e comungam das mesmas raízes filosóficas. É essa a visão de Leo Strauss e de Eric Voegelin também. Mas os liberais atuais detestam esse parentesco com os socialistas. Deveriam estudar a história das idéias filosóficas, sobretudo a formação da modernidade, para compreender esses elos.

Os liberais, como Popper, chegam ao cúmulo da auto-enganação, ao associar o direito natural clássico com o totalitarismo, quando a realidade é precisamente o contrário: o totalitarismo deriva diretamente dohistoricismo fundado por Hobbes, apoiado em Epicuro, como bem o demonstrou Leo Strauss.

A ordem política e jurídica na modernidade abandonou sua fonte transcendente e mergulhou fundo na Segunda Realidade, da qual a obra de Cervantes fez a crônica inigualável. A ordem que persistiu desde então é a ordem criada pelo que Bruno Tolentino chamou de “o mundo como Idéia”. A ordem passou a usar a máxima de Protágoras: o homem é a medida de todas as coisas, o homem vitruviano que impera em toda parte, seu símbolo (o pentagrama) está visível em cada esquina. Deu no que deu, um outro mundo possívelfoi criado. Essa é toda a tragédia da modernidade. Já se vão 400 anos de sonambulismo em ciência política.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".