24 DE OUTUBRO DE 2010
De Guilherme Fiuza
A burguesia culpada ataca novamente. O manifesto de intelectuais a favor da candidatura Dilma – aquele que incluiu a assinatura do diretor de Tropa de elite contra a vontade dele – resume o Brasil do faz de conta. Faz de conta que o país está dividido entre ricos e pobres, conforme a mitologia criada por Lula desde seu primeiro discurso presidencial. Faz de conta que os avanços sociais vão acabar se a oposição vencer. Faz de conta que a vida do povo melhorou porque Lula é pobre.
A elite envergonhada se sente nobre quando bajula o povão. Não contem para ninguém que os avanços sociais começaram no governo de um sociólogo, porque isso vai estragar todo o heroísmo da esquerda festiva. Ela estava feliz em sua jornada nostálgica no Teatro Casa Grande, onde aconteciam as históricas reuniões de resistência à ditadura. Não perturbem Chico Buarque, Leonardo Boff e demais artífices do manifesto dos intelectuais em seu doce sonho de altruísmo. Deixem-nos curtir seu abraço metafórico ao operariado.
O único problema desse abraço é a metáfora em si. Ela se chama Dilma Rousseff e está prestes a virar abóbora. A fada que a transformou em encarnação da esperança popular deve estar exausta. O encanto começa a se dissipar, e a donzela começa a rosnar mensagens constrangedoras, com o rosto novamente crispado, masculinizado, hostil. A mamãe dos brasileiros está se desmanchando ao vivo. Os intelectuais e artistas de esquerda precisam fazer alguma coisa, porque o estoque de licenças poéticas do plano Dilma está no fim. Talvez pudessem importar um lote novo da Venezuela.
Após sua participação no debate presidencial da TV Bandeirantes, Dilma foi entrevistada ao vivo, ainda no estúdio. O repórter perguntou-lhe o que ela quis dizer com a acusação de que seu adversário pretende privatizar o pré-sal. Dilma mostrou então todo o seu preparo como candidata a Vanusa. Seu raciocínio saltou das profundezas oceânicas para os hospitais públicos, emendando num salto espetacular para as salas de aula do Brasil carente. Com os olhos vagando pelo nada, talvez em busca do sentido da vida, Dilma começava a dissertar sobre segurança pública quando foi salva pelo repórter da Band. Ele livrou-a de seu próprio labirinto mental da única forma possível: encerrou a entrevista.
Como nem tudo na vida é propaganda eleitoral gratuita, a musa dos intelectuais de esquerda logo apareceria de novo sem as fadas do marketing. Dessa vez, cercada por microfones, explicou que o maior acesso da população aos telefones nada tinha a ver com a privatização da telefonia. “O pobre passou a ter telefone porque passou a ter renda. Não por causa da privatização”, afirmou, categórica.
O eleitor não deve se zangar só porque a afirmação contraria a história. O fato de que a abertura da telefonia ao capital privado melhorou a vida do povo precisa mesmo ser esquecido. Para piorar, isso aconteceu no governo do sociólogo, ou seja, destoa completamente da apoteose operária que está levando o Brasil ao paraíso. Não vamos estragar o enredo. Até porque, se o aumento da felicidade per capita não puder ser atribuído à bondade estatal de Lula e Dilma, como os intelectuais progressistas vão fazer para se reunir no Teatro Casa Grande, lançar manifestos e se sentir importantes? Sinceridade tem limite.
Vamos deixar isso tudo combinado, antes que o encanto acabe. Os planos do PT para controlar a informação não existem. É pura invenção da imprensa burguesa, que não quer a ascensão popular, como alerta o manifesto dos intelectuais. O povo está com Dilma, e portanto a verdade também. O resto é despeito dessa elite egoísta que não gosta de pobre.
O diretor José Padilha mandou tirar seu nome do manifesto. No mínimo, deve ser um privatista. Mas aqui é a terra do filho do Brasil. Privatização, só na Casa Civil. Rumo ao Oscar.
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