Nossos momentos de quietude podem criar ruído aos demais
DWIGHT GARNER
Existe dignidade nas coisas silenciosas e nas pessoas silenciosas, e a gravidade se intensifica nas atividades que costumamos desempenhar em silêncio: ler, rezar, olhar quadros, andar na floresta. Nós associamos os ruídos fortes à violência. Sem alto-falantes, Hitler observou, os nazistas não teriam conquistado a Alemanha. É difícil imaginar Gandhi montado em uma Harley.
Gostaríamos de pensar, a maioria de nós, que somos essencialmente silenciosos; isto é, temos consideração pelos outros humanos sem sermos tímidos, frágeis e desinteressantes.
Mas não vamos nos apressar. Devemos tomar cuidado para não traçar fáceis "analogias morais entre ruído e mal, silêncio e bem", escreve Garret Keizer em seu novo livro "The Unwanted Sound of Everything We Want: A Book About Noise" (O som indesejável de tudo o que queremos: um livro sobre o barulho; ed. Public Affairs). Afinal, o criminoso nazista Adolf Eichmann e o assassino serial Ted Bundy também foram sujeitos silenciosos.
O preço de nossos momentos de silêncio geralmente é o clamor em ouvidos alheios. Árvores são cortadas, o papel é transformado em polpa e as impressoras rodam para fazer livros e jornais. Para frequentar um retiro de meditação é preciso pegar um avião. O som de uma pessoa é o cá-bum de outra.
Nosso mundo está ficando mais ruidoso, um fato de esmagar os ossos e que é explorado, em uma convergência assustadora, em três novos livros -além do de Keizer, há "Zero Decibels: The Quest for Absolute Silence" (Zero decibéis: a busca pelo silêncio absoluto), de George Michelsen Foy (ed. Scribner), e "In Pursuit of Silence: Listening for Meaning in a World of Noise" (Em busca do silêncio: escutando o significado em um mundo de ruído), de George Prochnik (ed. Doubleday).
Há mais aviões cruzando o céu e mais carros zunindo em mais estradas, observam esses autores. Mais BlackBerrys estrilando. Eliminamos tudo isso com o que talvez seja o som mais prejudicial de todos, o que pulsa dos fones do iPod.
Eu leio todos esses livros com a consciência de por que meus próprios nervos estão cada vez mais dilacerados e de por que eu geralmente escrevo (e com frequência leio) usando protetores de ouvido desajeitados, do tipo que um funcionário de pista de aeroporto colocaria na cabeça em 1961.
Se esses livros aprofundaram minha consciência do ruído, porém, eles também a complicaram. Como indica Keizer, o barulho é uma das questões de classe mais espinhosas de nosso tempo, e tendemos a ignorar seus significados.
Você pode julgar a importância de uma pessoa -sua posição social e política- observando quanto tumulto ela tem de suportar regularmente. Os que não têm silêncio em suas vidas tendem a ser politicamente fracos, sejam os pobres (banqueiros não moram ao lado de aeroportos) ou trabalhadores, soldados ou prisioneiros.
Ao gerar ruído com que os outros têm de conviver, demonstramos desprezo pelos mais fracos. Ouçam-nos troar; engulam nosso cano de escape.
Não há dúvida de como esse estrépito é prejudicial. Estudos mostram que ele leva não apenas à perda de audição mas também a doenças cardíacas, alta pressão sanguínea e tempo de vida reduzido.
Enquanto leio esses três livros, os ruídos que me cercam se separaram e se tornaram dolorosamente distintos, tanto os grandes -meus filhos, os cachorros e as galinhas, minha mulher cuidando de seus afazeres- quanto aqueles que me nocauteiam: o martelar de uma equipe de construção próxima, as motocicletas, helicópteros voando baixo. Escutar de verdade é como girar o botão de um rádio: em parte é estática, em parte é felicidade.
Lendo esses livros também fui lembrado daquele fenômeno que ocorre quando você está dirigindo e, de repente, percebe que se perdeu. Para se reorientar, desliga o rádio. Tenta ficar no maior silêncio possível.
New York Times – Tradução da Folha de São Paulo
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