SEGUNDA-FEIRA, 2 DE AGOSTO DE 2010
por Luiz Felipe Pondé, para a Folha
Ela provavelmente estudou serviço social ou direito. Ele, psicologia ou pedagogia ou mesmo ciências sociais. Ambos têm certeza de que devem "melhorar o mundo" através da criação de leis ou políticas públicas. Querem criar o cidadão ideal. O que é isso? Sei lá, alguém que vá ao banheiro com consciência social?
Conhece alguém assim? Eles estão em toda parte, como uma praga querendo domar a vida a qualquer custo. E vão mandar em você logo.
Não se trata de uma questão apenas para alguém que tem simpatias por formas de vida menos controlada, como eu. Alguém que fuma charutos cubanos e acha que terapia de shopping faz bem mesmo (quem diz o contrário é mentiroso ou não tem dinheiro). Eu sei que o efeito dessas terapias passa rápido, mas, afinal, o que passa rápido mesmo é a vida.
O controle legal da vida, grosso modo, separa dois modos de ver a política desde o século 18. Um primeiro modo, "mais" britânico, tende a ser mais cauteloso em relação às formas políticas e legais de controle da vida moral (hábitos e costumes). Outro, mais descendente da revolução francesa, tende a babar de tesão só em pensar no controle dos hábitos e dos costumes, devastando a diversidade moral do mundo, como na proibição do véu islâmico na França.
No Brasil, temos um déficit sério em nossa formação. Quase todo mundo só conhece os franceses utópicos ou os alemães hegelianos (todos jacobinos de espírito), o que empobrece o debate público. Essa pobreza não se limita ao senso comum, mas, desgraçadamente, atinge a própria academia que repete cegamente a liturgia da gula republicana: controlemos a vida em nome de uma vida perfeita.
Mas o que é a gula republicana? A democracia republicana tende a devorar o espaço moral. Ela o faz porque vê o espaço moral como matéria da "coisa pública" e, por isso, assume os hábitos e costumes das pessoas como devendo ser, por natureza, objeto sob seu controle. É marca da democracia republicana o "poder minutal" (dizia Tocqueville, francês que pensava como britânico): sua natureza é buscar controlar os detalhes da vida.
Quais detalhes? Legislar afetos, hábitos, sentidos, sexo, relações parentais íntimas, comida, escolas, memória, nada escapa da gula republicana e seu clero. Leis que querem fazer de pais e filhos delatores uns dos outros, de amantes representantes do "sindicato dos gêneros". Erra quem ainda associa o fenômeno totalitário às formas clássicas do fascismo do século 20, o novo totalitarismo está associado à inflação da ideia de "bem público".
Se você der uma palmadinha no filho, o Estado te pega! Quem vai denunciar? Que tal ensinar às crianças nas escolas alguns métodos de denúncia? A família já vai mal mesmo.
Onde estaria a fronteira desta inflação da noção de "bem público"? Vamos ver... ah, já sei: não existe fronteira! Quer ver? Imagine só: está proibido rezar antes de jantar em nome da liberdade religiosa das crianças, está proibido contar historinhas paras as crianças sem antes uma análise prévia por especialistas da questão da violência de gênero, pais que não tiverem o certificado de "alimentação zero gordura e zero açúcar" pagarão multa.
Dirá o leitor ingênuo: mas a opinião pública é contra a lei das palmadinhas. Sinto muito: a opinião pública é uma "vadia". Hoje ela diz "não", amanhã ela dirá "sim", tudo depende do que for repetido cem vezes. A democracia sofre com esse mal: sua natureza tende fatalmente para a mentira, para a retórica, para a superficialidade.
Para preservar a democracia de seu viés tirânico (a gula republicana), temos que "defender" a família e suas mazelas em seu espaço (in)feliz, deixar que o manto sombrio da incerteza cubra parte de nosso cotidiano porque, o que preserva a liberdade, não é o consenso acerca do que sejam os "bens morais", mas a sombra que os cerca.
Para preservarmos esta "sombra", é necessário opções à tendência hegemônica no Brasil hoje, que é autoritária. Veja as "opções presidenciáveis". Todos são do clero jacobino de alguma forma. Todos veem a política como "curadora" das almas. Socorro!
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