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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Luz – mas também sombras – Análise crítica da entrevista do Papa.

Fratres in Unum.com



Por Padre Matthias Gaudron

Stuttgart (fsspx.info). O Padre Gaudron, teólogo e consultor para a comissão da Fraternidade São Pio X responsável pelas discussões teológicas com a Santa Sé, fez uma análise crítica do livro-entrevista de Peter Seewalds com Bento XVI “Luz do mundo”. Ele chega à seguinte conclusão:
Mais uma vez, em um empreendimento do Papa, uma única declaração, ainda que não seja uma declaração central, é debatida e ameaça levar ao esquecimento de todo o resto. Tal como ocorreu em seu discurso de Regensburgo, quando Bento XVI fez comentários críticos sobre o islamismo, bem como durante a sua viagem à África, quando suas declarações sobre os preservativos foram disseminadas de uma maneira totalmente distorcida e muitas vezes pouco verdadeira, assim a imprensa mundial anunciou apenas a manchete de que o Papa finalmente teria permitido os preservativos e festejou esse evento já como uma mudança histórica na teologia moral católica.

O Papa permitiu o uso do preservativo?

Na realidade, o Papa disse apenas que se poderia ver um primeiro passo para a moralização e responsabilidade por parte de um prostituto que usa o preservativo com a intenção de evitar o contágio da AIDS. De modo semelhante se poderia dizer também que a decisão de um ladrão assassino de, no futuro, limitar-se ao roubo, a fim de nunca mais ameaçar a vida de outra pessoa, poderia subjetivamente ser um primeiro passo na direção da moralização. Daí inferir que o roubo seria moralmente defensível seria tão desonesto quanto a afirmação de alguns bispos e teólogos, que dizem que agora Bento XVI teria escancarado a porta para os contraceptivos.

Na verdade, o Papa não é totalmente inocente nessas interpretações ao falar sobre “casos únicos fundamentados”. De modo particular, quando Seewald lhe indagou se a Igreja “não seria então fundamentalmente contra o uso de preservativos”, ele deveria ter dado uma reposta inequívoca. Porém, ele disse apenas que a Igreja não vê os preservativos como uma “solução real e moral” e que, em “um ou outro caso”, eles poderiam ser um primeiro passo no caminho para uma sexualidade mais humana. Essa é uma declaração fraca – para falarmos de maneira suave. Naturalmente o Papa não negou que a sexualidade humana só é vivida de maneira decente e conforme a vontade de Deus no matrimônio e, nesse caso, os preservativos e outros contraceptivos são moralmente censuráveis, mas também ele não enfatizou isso de maneira expressiva, como seria absolutamente necessário hoje em dia.

Assim, com a sua tentativa de, possivelmente, se aproximar do mundo secular e não magoar a ninguém, o Papa tem uma parcela de culpa pela confusão e decepção desencadeadas pela mídia nos últimos dias dentre os católicos fiéis.

A declaração também contém uma redução do ensinamento católico sobre a moral, no sentido de que a Igreja aprovaria o controle de natalidade natural (p. 176). Sem dúvida, é moralmente justificável que um casal faça uso dos dias inférteis no ciclo da mulher para prolongar o espaçamento entre os filhos ou até mesmo limitar o número de filhos, quando, por motivos de saúde, financeiros ou semelhantes razões graves, ter outras crianças na família constitua algo insuportável. Assim, da maneira que o Papa se expressa, pode parecer que um casal teria a permissão de utilizar o controle de natalidade natural da mesma forma que outros casais utilizam contraceptivos, para ter poucos filhos ou não ter filho algum. Mas esse não é o caso, porque os filhos são o primeiro objetivo do casamento.

Os casos de abuso – o celibato

Naturalmente os casos de abuso sexual cometidos por padres católicos ocupam grande parte do livro. Com relação ao problema do encobrimento desses casos por parte de autoridades eclesiásticas, o Papa faz uma afirmação interessante: “o direito penal eclesial teria funcionado até no final dos anos 50 … Contudo, desde de meados dos anos 60, ele simplesmente não foi mais aplicado. Reina a mentalidade de que a Igreja não deveria ser uma Igreja do Direito, mas sim a Igreja do Amor; ela não deveria punir.” (p. 42 f) Assim, o desastre que se abateu sobre a Igreja com o Vaticano II é insinuado. Porém, ele não é discutido.

Naturalmente, o tema do celibato está sempre presente. Bento XVI não faz nenhuma tentativa de relaxar a lei do celibato da Igreja Romana. Entretanto, é notável o que ele diz sobre os padres que coabitam com uma mulher. Nesses casos, deve restar comprovado “se existe um desejo real de matrimônio e se eles (o padre e sua concubina) poderiam formar um bom matrimônio. Quando este for o caso, eles precisaram percorrer esse caminho.” (p. 58) Isso corresponde à prática atual em Roma, onde esses padres são sempre laicizados – algo totalmente contrário à Tradição eclesial antes do Vaticano II.

Aqui se impõe a pergunta de qual seria o sentido do voto de castidade efetivamente tomado pelo sacerdote, quando em seguida se lhe permite que contraia o matrimônio? A promessa de abstinência perpétua feita diante de Deus significa tão pouco? Um esposo também não pode simplesmente fugir quando a vida em comum com a sua esposa se torna difícil. Quanta fidelidade se pode esperar de um padre que não se envergonhou de quebrar o juramento mais sagrado que existe nesse mundo?

Bom, o Papa disse sobre o celibato que ele seria algo “somente possível e crível quando Deus o dá e quando ele ocorre para o Reino de Deus”. A esse respeito o celibato seria “um tipo especial de sinal”. Portanto, é importante “que os padres não vivam isolados, mas sim em pequenas comunidades uns com os outros, apoiando-se mutuamente e assim experimentar a companhia mútua em seu serviço para Cristo e em sua abnegação para o bem do reino dos céus.” (p. 177). A Fraternidade Sacerdotal São Pio X  implementou esse conceito na prática já no tempo de sua fundação.

O homem é capaz da verdade

A expressão do Papa “ditadura do relativismo” ocupa o lugar mais importante no livro. Ao contrário de “grande parte da filosofia moderna”, Bento se mantém firme à idéia de que o homem é capaz da verdade e reclama que “o conceito de verdade está sob suspeita” (p. 69). Nesse contexto, ele encontra palavras claras contra a intolerância da sociedade moderna contra o cristianismo: “Quando, por exemplo, em nome da não discriminação se quer obrigar a Igreja Católica a mudar a sua posição em relação ao homossexualismo ou à ordenação de mulheres, então, isso significa que ela não pode mais viver a sua própria identidade e que, em vez disso, se torma uma religião negativa abstrata como parâmetro, a que todo mundo deve seguir.” (p. 71) Existiria uma “ameaça real“ de que em nome da tolerância, a tolerância venha a ser abolida” (p. 72).

O caso Williamson

O “Caso Williamson” merece um capítulo à parte. Não está certo quando o Papa Bento pensa que o Bispo Williamson “não teria sido católico em sentido próprio”, uma vez que ele “passou do anglicanismo para o lefebvrismo (p. 149 f). Richard Williamson não encontrou a fé católica na Fraternidade São Pio X, mas sim independente dela. Além disso, ele foi um dos primeiros candidatos em Ecône, também entrou no seminário em uma época em que a Fraternidade ainda era inquestionavelmente reconhecida pela Igreja, e, como representante do Papa para toda a África francesa, o Arcebispo Lefebvre naquela época não era nenhuma figura marginal, mas sim um representante da Igreja Universal.

Também é de se notar que o caso Williamson mereça todo um capítulo enquanto a vida dupla escandalosa do fundador dos Legionários de Cristo (abuso de crianças, abuso nos confessionários, relacionamento com mulheres, acusações de drogas, desvio de dinheiro) só seja tratado com poucas palavras, embora o Papa admita que “desde o ano 2000” havia provas “concretas” contra ele. Como foi possível que, em 2004, Marcial Marciel possa ter celebrado o seu jubileu sacerdotal de 60 anos na presença de João Paulo II, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros em Roma?

Interessante é a declaração de que já na época de João Paulo II uma reunião com todos os chefes dos dicastérios teria decidido retirar as excomunhões, se os bispos, por conseguinte, assim o pedissem (p. 149). Pelo contrário, fala-se pouco da Fraternidade ou de outras comunidades tradicionais. A liberação da Missa tradicional deveria ser um sinal para a coesão interna da História da Igreja, a sua própria transição para a distribuição da Comunhão na boca seria uma “ênfase na Presença Real”. Em outras palavras, o Pontífice deixa claro que fundamentalmente ele não tem nada contra a comunhão na mão e a Missa nova como a forma de Missa normal, mesmo quando ele repetidamente enfatiza que a liturgia não pode dar espaço para a criatividade arbitrária do celebrante.

O ecumenismo e o relacionamento com os judeus

Para Bento XVI, o ecumenismo continua sendo o caminho pelo qual a Igreja tem que passar. Ele salientou repetidamente o bom relacionamento que tem, sobretudo, com diferentes dirigentes da Igreja Ortodoxa. Quanto aos protestantes, ele precisa admitir que estes, “com a ordenação de mulheres, a aceitação de parceiros homossexuais e coisas semelhantes” se afastaram mais ainda da Igreja Católica (p. 119), mas isso não lhe deixa lugar para dúvidas quanto ao caminho ecumênico. Santo Agostinho escreveu a respeito dos hereges: “Em muitos pontos eles estão comigo, somente em alguns não estão comigo; mas por causa destes certos pontos nos quais se separam de mim, não lhes serve de nada estarem comigo em todo o resto.” (Salmo 54, 19; PL 36,641)

Embora Bento XVI seja um grande admirador de Santo Agostinho, obviamente nesse ponto ele não está de acordo com o santo, visto que ele busca mais a união com os protestantes. A descrição dos protestantes como “comunidades eclesiais” (e não como “igreja”) deve mostrar que “eles constituem um outro modo de ser Igreja” (p. 120). O cristianismo teria assumido “uma mudança de postura no protestantismo”, e estamos tentando nos reconhecer mutuamente como cristãos e juntos prestarmos um serviço como cristãos (p. 121). Essa visão positiva do protestantismo está em plana contradição com o magistério tradicional da Igreja. O protestante individualmente tomado pode até agir em “boa fé”, por falta de conhecimento, porém, o protestantismo como tal não é “uma outra maneira de ser Igreja”, mas sim uma apostasia da Igreja de Cristo.

É gratificante ver a defesa clara de Pio XII contra as acusações injustas e insustentáveis, que ainda lhe foram feitas na sucessão de Hochhuth (p. 135 ff). Quando se diz de Pio XII que, apesar de seu resgate de judeus, ele teria “um conceito antiquado sobre os judeus” e que ele “não estaria à altura do [Concílio] Vaticano II”, Bento XVI desfaz essa oposição, porém, sempre mostrando que ele próprio se coloca “à altura do Vaticano II”. Em vez de “irmãos mais velhos”– uma descrição que os judeus podem achar ofensiva em vista de Esaú – ele fala em “pais na Fé” (p. 106). Isso vale para os judeus do Antigo Testamento, mas não para os judeus que vivem hoje em dia que rejeitam expressamente Cristo e sua Igreja. Ainda mais incompreensível são as suas observações relativamente às novas petições da Sexta-Feira Santa, que ele introduziu para o rito tradicional. Embora o Santo Padre enfatize que, contrariamente às muitas correntes da Teologia moderna, “não existem dois caminhos de salvação, que Cristo também é o salvador dos judeus, e não simplesmente dos gentios”, ele acrescenta, no entanto, que na nova oração “não se reza diretamente pela conversão dos judeus no sentido missionário“, mas apenas para “que o Senhor possa apressar a hora da História, quando todos estaremos unidos uns com os outros” (p. 133). Para uma pessoa que pensa em termos lógicos, dificilmente se pode compreender como não se deve rezar pela conversão dos judeus, uma vez que Cristo é o Redentor dos judeus. Quando também na oração introduzida por Bento  XVI se diz: “Oremos também pelos judeus, para que Deus nosso Senhor ilumine os seus corações, para que eles reconheçam Cristo como o Salvador de todas as pessoas”, então, nesse caso, haverá um despertar dentre os fiéis normais de que se reza pela conversão dos judeus.

A crise na Igreja

A crise na Igreja, sobretudo, na Europa e América do Norte, sempre é evocada. Devido à origem do Papa (e do entrevistador), os comportamentos alemães são naturalmente enfatizados. O Papa Bento XVI está consciente de que “existe uma camada considerável na Alemanha católica, que por assim dizer espera poder golpear o Papa” (p. 153). Para ele é inconcebível, como na Alemanha, onde toda criança de nove a treze anos tem aula de religião, “tão poucas permaneçam” (p. 169). Essa é uma descrição eufemística. O Papa sabe que os livros didáticos católicos oficiais transmitem tudo, menos a fé católica, e a maioria dos professores de religião apesar da missão canônica conferida por um bispo, não são mediadores apropriados da Fé. Nesse sentido, o seu pedido aos bispos, para que “reflitam com seriedade” como “a catequese pode ter um novo coração”, talvez seja avaliado como uma crítica implícita aos bispos.

Conclusão

O Papa Bento permanece fiel a sua linha neste livro. Ele continua sendo o Papa professor pacifista que se esforça para compreender tudo, evitar os extremos e unir os desenvolvimentos modernos na Igreja com a Tradição. Dessa forma, já em 1984, no livro entrevista com Vittorio Messori “A fé em crise?”, ele se denominou “um progressista equilibrado”, favorável a um “desenvolvimento tranqüilo da doutrina” sem uma “fuga solitária para o futuro”, mas também sem “saudosismo por um passado irrecuperável” anacrônico (p. 16).

O livro agradará às pessoas que têm uma idéia pequena ou nenhuma noção da Igreja Católica, porque terão os olhos abertos para as muitas distorções e falsos relatos da mídia. Em sua introdução às perguntas, Peter Seewald esclarece muitas vezes os fatos que recebem uma imagem totalmente diferente daquela disseminada ao público. Talvez na situação atual não se possa esperar mais nada. Todavia, a opinião da Fraternidade São Pio X é de que a Igreja não conseguirá um novo florescer sem uma condenação inequívoca dos erros desde o Vaticano II e sem uma nova conexão com a tradição perene.
O Padre Matthias Gaudron é o consultor oficial da Fraternidade para as discussões teológicas.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".