“Não falo de política”
Patricia López Ruiz
Uribe não tem tempo para perder. Dá aulas na universidade de Georgetown. Investiga para a ONU o caso do assalto israelense à flotilha turca. Escreve suas memórias. Recebe prêmios como o Águia das Américas da Câmara do Comércio dos Estados Unidos. Faz conferências na Guatemala, Brasil, Hungria e Madri. Esteve na inauguração da biblioteca do presidente George W. Bush no Texas. Sonha em fundar uma universidade na Colômbia. Corrige teses de graduação de estudantes colombianos. Faz fila como qualquer cristão em todos os aeroportos do mundo (tira os sapatos, o cinturão e passa pela segurança). Sobe no metrô de Washington. Chama o mordomo de “El Ubérrimo” por telefone todos os dias para ver como vão as coisas. E ainda lhe sobra tempo para fazer gols no Santiago Bernabéu.
Cem dias depois de haver abandonado a Casa de Nariño, Álvaro Uribe decidiu compartilhar sua vida como catedrático e como cidadão comum e corrente em uma entrevista exclusiva para “Poder”.
“Prefiro o power people ao Power Point”, me diz o presidente enquanto subimos apressados as escadas do edifício White Gravenor, na Universidade de Georgetown. Chove e ele tem posto um sobretudo. Já não anda com a ruanita [1]ou o chapéu aguadenho [2] com que os colombianos o vimos durante oito anos. Leva no ombro uma mochila da marca “Tangus” de cor preta, que comprou com a assessoria de estilo que lhe deram seus filhos Tomás e Jerónimo, no Éxito de Rionegro, perto de Medellín.
Dentro está seu computador Mac, o caderno onde prepara os outlines de suas aulas, uma caderneta de apontamentos, “Capitalism 4.0”, um dos livros que está lendo de Anatoli Kaletsy, todo tipo de cabos do computador, um aparelho que traduz palavras do espanhol para o inglês e que data de uns oito anos, e suas gotinhas de valeriana. Na algibeira, um relógio estilo leontina que era de seu avô - são 3:15 p.m.
O acompanha Iván Duque, seu assessor para as Nações Unidas, que converteu-se praticamente em sua sombra nos últimos dias suas escoltas, que parecem saídos de um filme no qual Harrison Ford fazia o papel do presidente dos Estados Unidos e Mário Guarín, “Police Officer Guarín”, da polícia de Washington, D.C. Guarín é um oficial colombiano que em alguma oportunidade cuidou do presidente em uma visita oficial a Washington, e que cada vez que Uribe está em Georgetown se oferece para ser parte da segurança do ex-mandatário. Ao final do corredor o esperam 40 estudantes de pré-grau para uma aula de simulação. O tema: México e a luta contra o narcotráfico.
Enquanto fala, com um sotaque que só pode ser descrito por uma palavra que ele mesmo inventou, “paisainglish”, Uribe é às vezes imponente e às vezes humilde, é carismático e cálido, porém, acima de tudo está empenhado em defender sua “democratic security”, sua política e sua gestão como presidente, com a convicção de que só o investimento e a “coesão social” dão como resultado a segurança, que dá justiça e, portanto, termina em paz.
Ele prepara suas aulas com duas ou três semanas de antecedência, com um tema de reflexão que dura mais ou menos 30 minutos para expor e recomenda uma bibliografia. Suas aulas são estruturadas com uns outlines dos pontos que vai abordar, porém privilegia o contato e o diálogo com os estudantes. Por isso, o resto das aulas, que muitas vezes são de mais de duas horas, as dedica a responder perguntas de seus alunos. E aí Uribe está pleno. Às vezes alguém poderia acreditar que ele é transportado a um sábado à tarde, e que em vez de estar na Universidade de Georgetown está em Puerto López (Meta) e que a aula é um conselho comunal, mas em inglês.
Nesta oportunidade Uribe dividiu os estudantes em grupos e delineou um incidente de narcotráfico na cidade de Juárez (México). Em um exercício simulado, um estudante atuava como presidente do México e outros de comandante da polícia, procurador geral, secretário do governo e prefeito na cidade de Juárez. O presidente Uribe atuava como assessor e lhe perguntavam, baseado em sua experiência, o que deveriam fazer. A aula terminou em aplausos e os professores convidados com desejo de que a aula se repita. Sorridente, tirou fotos com todos, seguido de um “son, where are you from?” (filho, de onde você é?).
Sentados em seu restaurante favorito em Georgetown, “The Tombs”, e em frente a dois hamburguers com queijo e batatas fritas, Uribe me interrompe para chamar o garçom e lhe dizer: “My friend, more ketchup, please” (meu amigo, mais ketchup, por favor), seguido de sua pergunta favorita: “my friend, where are you from?”. Ele é de Antigua, assim que até aí chega a conversa.
Na mesa repousa seu aparelho tradutor do tamanho de uma caixa de cigarros com seu estojo de couro, para o caso de necessitar dizer algo em inglês que ele não saiba. Álvaro Uribe é agora seu próprio César Mauricio Velásquez - seu chefe de imprensa no governo - minuto a minuto está checando seu Twitter. Não é em vão que é o político colombiano com mais seguidores nessa rede, quase 207.000, muitos deles venezuelanos. Leva a mão direita à cintura onde tem preso seu Blackberry, e fazendo o gesto de quem vai tirar sua capa me diz rindo: “Aqui, armado com meu Twitter!”.
Saímos correndo do restaurante. Alguém o espera, e como quase deixa seu sobretudo pendurado no cabideiro, manifesta: “Em Havard eu tinha uma jaqueta acolchoada levinha, [ainda] não pude me acostumar aos agasalhos”.
Alguns dias antes participei de um jantar de black tie no Hotel Four Seasons de Miami. Álvaro Uribe e sua esposa Lina Moreno eram os convidados de honra e ao chegar lá os vi sentados, de mãos dadas, ele vestido de smoking e ela com um vestido longo escuro com um xale sobre os ombros, adornada com um colar, brincos, muito pouca maquiagem e o cabelo solto.
Quando subiu ao estrado para se dirigir aos assistentes, dona Lina expressou: “Há oito anos que meu marido não sai comigo numa sexta-feira à noite”. Efetivamente, o próprio presidente confirmou que durante os oito anos de seu mandato, todas as sextas-feiras à noite, telefone na mão, ele passava revista aos comandantes das Forças Militares.
No dia seguinte nos encontramos para tomar o café da manhã no restaurante do hotel. Uribe acorda às cinco da manhã todos os dias, corre uma hora na máquina e, quando o clima permite, sai à rua onde às vezes o param para pedir-lhe fotos. Chega recém tomado banho e cheirando à loção que usou a vida toda: Jean Marie Farine. Sua esposa o acompanha.
É sábado de manhã e ele está vestido como fez nos últimos oito anos. Tem pinta de conselho comunal, leia-se: camisa quadriculada e calça caqui, só que agora em vez dos sapatos de couro café, cadarços e sola de pneu gasto, o presidente Uribe usa uns cômodos sapatos crocs com meias.
No café da manhã, ovos moles, cereal com leite e o único café que religiosamente toma no dia. “A doutora Elsa (sua bioenergética) me proibiu o açúcar”, diz enquanto brinca despreocupado com uns frasquinhos de marmelada em miniatura com sabor de laranja, enquanto sua esposa lhe tira a parte superior do ovo com uma colherinha.
Falamos do fim do ano que quase já chega, de que com certeza passarão em sua fazenda em Rionegro, de que não sabem se os filhos estarão e de como passou todos os Natais e os Anos Novos acompanhando os soldados em diferentes rincões da geografia natal.
Justo nesse momento me dei conta de que Uribe sentia nostalgia e que isso é o que mais lhe faz falta por não ser mais presidente. Uribe desocupou dois dos frasquinhos com os quais brincava e, já mais carregado de marmelada e menos carregado de tigre, respondeu algumas perguntas em seu muito previsível estilo, não sem antes me dizer: “Patricia, querida, de política não”.
Bem, presidente, de política não mas, de um a dez, quanto é a possibilidade de que se lance prefeito de Bogotá?
Oxalá eu possa ajudar a eleger um grande prefeito para Bogotá.
Como é sua relação com o presidente Santos?
Tenho por ele gratidão, admiração, amizade. Desejo-lhe tudo de bom.
Voltou a falar com Pastrana, Samper ou Gaviria? [3]
Não.
Como definiria em uma palavra:
Francisco Santos: sinceridade.
Rodrigo Rivera: dedicação.
Chávez: pergunta seguinte.
Noemí Sanín: carismática.
Gaviria: a seguinte.
Pastrana: a seguinte.
Samper: a seguinte.
Mockus: a seguinte.
Gérman Vargas Lleras: a seguinte.
Andrés Arias: preparação.
Se fosse recomendar um colunista a um professor de Georgetown para conhecer a realidade da Colômbia, a quem recomendaria?
Diria ao professor de Georgetown que ao chegar ao aeroporto pegue um taxi e pergunte ao taxista como era antes e como deixamos o país.
Tem escutado Francisco Santos agora, em sua faceta de jornalista?
Falo muito com o ex-vice-presidente Francisco Santos, por quem tenho infinito apreço.
O senhor acredita que depois do fracasso do projeto de legalização da maconha na Califórnia, outros estados desanimarão? Isso mudará o curso do debate em torno da guerra contra as drogas?
Com certeza as tentativas continuarão, enquanto continue a legalização do consumo. Demonstrou-se que a criminalidade não estanca, ao contrário, aumenta o micro-tráfico e os delitos que o acompanham, como a extorsão ao comércio, ao transporte, etc. E sua mais grave expressão: a crescente delinqüência de crianças e adolescentes. Se legaliza-se, por mais que aumente a oferta e se reduza o preço, (a demanda) atrairá o interesse de semear a selva amazônica às custas da selva e da luta contra o aquecimento global. Hoje é difícil encontrar uma resposta razoável para a pergunta de por que o álcool sim e a maconha não. Como responder no futuro por que a maconha sim e a cocaína não?
Está fazendo carreira nos Estados Unidos a tese de que o narcotráfico é a insurgência do século XXI, uma insurgência criminosa, certamente. Na Colômbia não é difícil entender por causa da relação entre a guerrilha e as drogas. Porém, no México se aborreceram quando Hillary Clinton mencionou o tema e comparou o México com a Colômbia. O que o senhor pensa a respeito?
Fala-se de insurgência por sua capacidade de penetrar em crianças, jovens e a comunidade em geral. A única coisa que merece é repúdio.
Em alguma época, os cartéis mexicanos foram subordinados dos cartéis colombianos. Agora parece que ocorre o contrário. E os cartéis mexicanos estão se expandindo por todo o mundo. Isso limita o impacto de programas como o Plano Mérida. Teria que mudar a estratégia em algo?
O Plano Mérida, como todo plano contra o crime, requer perseverança, eficácia em fatores, como evitar a venda de armas de assalto a civis na vizinhança norte-americana e conseguir unificar o comando da polícia mexicana. A globalização do crime também avança, por isso a luta deve envolver todas as nações democráticas.
Até onde chegou a cooperação com o México no tema durante o seu mandato? E com outros países da região?
Nosso apoio ao Governo mexicano foi total. Destacamos sua capacidade de reconhecer e enfrentar o problema, o que não ocorre em outros países latino-americanos onde o flagelo cresce. Compartilhou-se nossa experiência de uma polícia única, da participação de todas as Forças Armadas na luta e da lei de extinção de domínio e suas modificações. Fizemos todo o esforço para treinar a polícia mexicana. Sincronizamos nossas ações.
A estratégia do presidente Calderón foi muito criticada em alguns setores, em particular por haver posto o Exército em operações de narcotráfico e segurança pública. Ele tinha outra opção? É inevitável que aumente a corrupção em um corpo como o Exército, quando se vincula-o a este tipo de tarefas?
Ao contrário! Há maior inclinação à corrupção quando um corpo institucional se sente “liberado” de uma luta fundamental. Primeiro dá as costas ao problema e depois termina penetrado.
Como tem sido como catedrático?
A universidade é a melhor experiência em toda época da vida. Mais do que catedrático, me sinto um estudante.
Com a mão no coração, o que é que mais sente falta do poder?
A atitude de diálogo, deliberação e contradição impedem que se desenvolva sentido de poder em alguém. Sinto enorme afeto pelo diálogo construtivo com meus compatriotas.
Depois de passar oito anos, todos os sábados, em conselhos comunitários, o que o senhor faz agora aos sábados?
Este sábado estudei para poder cumprir com as aulas da próxima semana. Sempre aparecem umas coisinhas para fazer.
A que horas se deita?
Muito tarde. Oxalá fosse às oito da noite para me levantar fresco às quatro da manhã.
Quantos telefonemas recebia quando era presidente? E agora?
Entre o celular e o fixo eram mais ou menos uns cinqüenta hoje, menos chamadas, porém dúzias de mensagens.
O que é o melhor e o pior de ser presidente?
Bom, cumprir mal, não poder fazê-lo.
Agora sim, vai ao cinema com Lina? Qual foi o último filme que viu, mesmo que seja em um avião? O que o senhor faz nos aviões?
Passei tantas horas em avião que as dediquei a ler e a preparar documentos, esboços, a responder mensagens.
O que não suporta?
Penso em meu país, em meus compatriotas, nos soldados e policiais da pátria e faço força para que o presidente Santos tenha todos os êxitos.
Depois de passar tantos anos rodeado de tanta gente e de tanta segurança, chegou a se sentir só nestes últimos meses?
As Forças de Segurança foram infinitamente generosas. Mais do que isso, são tão generosos que me emprestaram um lugar onde viver quando estou em Bogotá.
O que queria que os estudantes aprendessem em suas aulas que o senhor teve que aprender com a experiência?
Dizer não com razões, porém sempre buscar alternativas.
Quanto o senhor demora preparando suas aulas e como faz para que esses garotos em duas e até três horas nem pestanejem?
Eu procuro chegar com o tema elaborado em um esboço. Concentro-me em suas perguntas e preocupações para responder as perguntas com o maior interesse e respeito.
Que reações tem recebido de seus estudantes nas aulas? O que é que mais lhe perguntam?
De tudo. Os jovens não têm pena para perguntar ou questionar.
Quantos seguidores o senhor tem no Twitter? É o senhor mesmo quem escreve em sua conta de Twitter? Responde a todos? Quantas vezes no dia o atualiza?
Muitos. Não consigo, respondo apenas a alguns.
Como vai com a tecnologia? O ouvi dizer que teve que se alfabetizar em tecnologia.
Estive me alfabetizando em Mac, Skype, Wi-fi. Na cabeça já não cabem poemas, senão chaves e pines.
O senhor acredita que Georgetown está tão organizado como deixou a Colômbia? Parece que o senhor tem mais voltagem que eles e de repente lhe dilatam a cátedra?
Tenho que manter a voltagem, ligado para dar o exemplo.
Entrevista exclusiva para a revista “Poder-Colômbia”.
Notas da tradutora:
[1] “Ruanita” é um tecido de lã que se põe em um dos ombros e que é muito freqüentemente usado pelos homens colombianos.
[2] Chapéu fabricado na cidade de Aguadas, no estado de Caldas.
[3] Todos três são ex-presidentes da Colômbia (Ernesto Samper, César Gaviria e Andrés Pastrana) e que em muitos momentos favoreceram as FARC, sobretudo Pastrana, que cedeu ao bando terrorista uma área imensa do território nacional como “zonas liberadas” onde as Forças de Segurança eram proibidas de fazer combates e que, em todo o período que durou o acordo, os narco-terroristas nunca cessaram de atacar. Foi o pior período para a segurança dos cidadãos, e o mais venturoso para as FARC.
Tradução: Graça Salgueiro
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