LUCIANO AYAN
Fonte: Folha de São Paulo
O cigarro é o mais abjeto dos crimes já cometidos pelo capitalismo internacional. Você acha que exagero, leitor?
Compare-o com outros grandes delitos capitalistas; a escravidão, por exemplo: quantos viveram como escravos?
E quantas crianças, mulheres e homens foram escravizados pela dependência de nicotina desde que essa praga se espalhou pelo mundo, a partir do início do século 20?
O primeiro crime foi perpetrado contra algumas centenas de milhares de pessoas; o segundo contra mais de 1 bilhão.
Na história da humanidade, jamais o interesse financeiro de meia dúzia de grupos multinacionais disseminou tantas mortes pelos cinco continentes: 5 milhões por ano -200 mil das quais no Brasil.
Faço essas reflexões por causa de uma série que estamos levando ao ar no Fantástico, da TV Globo, com o objetivo de dar força aos que pretendem parar de fumar.
Para escolher os personagens, pedimos aos espectadores que nos enviassem vídeos explicando por que razões pediam ajuda para livrar-se do cigarro.
As cenas são dramáticas. Mulheres e homens de todas as idades que se confessam pusilânimes diante do vício, incapazes de resistir às crises de abstinência que se repetem a cada vinte minutos.
Mães e pais cheios de remorsos por continuar fumando apesar do apelo dos filhos; avós que se envergonham do exemplo deixado para os netos; doentes graves que definham a caminho da morte sem conseguir abandonar o agente causador de seus males.
Em 22 anos nas cadeias, adquiri a convicção de que a nicotina causa a mais devastadora das dependências químicas. Largar da maconha, da cocaína e até do crack é muito mais fácil: basta afastar o dependente da droga, da companhia dos usuários e dos locais de consumo.
Em contrapartida, a vontade de fumar é onipresente; mesmo sozinho, num quarto escuro, o corpo abstinente suplica por uma dose de nicotina.
No antigo Carandiru, vi destrancar a porta de uma solitária, na qual um homem havia cumprido trinta dias de castigo. Com as mãos a proteger os olhos ofuscados pela luz repentina, dirigiu-se ao carcereiro que acabava de libertá-lo: “me dá um cigarro pelo amor de Deus”.
Cerca de 75% dos fumantes se tornam dependentes antes dos 18 anos; muitos o fazem aos 12 ou 13, e até antes. Somente 5% começam a fumar depois dos 25. Por esse motivo, a Organização Mundial da Saúde classifica o tabagismo no grupo das doenças pediátricas. Conhecedores das estatísticas, os fabricantes fazem de tudo para aliciar as crianças. Quando tinham acesso irrestrito ao rádio e à TV, associavam o cigarro à liberdade, ao charme, ao sucesso profissional e à rebeldia da adolescência.
Hoje, espalham pontos de vendas junto às escolas, com os maços coloridos expostos ao lado de balas e chocolates nas padarias e das revistas infantis nas bancas de jornal.
Por que razão brigam tanto para patrocinar shows de rock e corridas de Fórmula 1? Seria simplesmente para aprimorar o gosto musical e incentivar práticas esportivas entre os jovens?
Que motivos teriam para opor-se visceralmente à Anvisa, quando pretende proibi-los de acrescentar substâncias químicas que conferem ao cigarro sabores de chocolate, maçã, menta ou cereja?
Existiria outra explicação que não a de torná-lo menos repulsivo ao paladar infantil?
Qualquer tentativa de conter a epidemia de fumo através da legislação é combatida com as estratégias mais covardes por lobistas, deputados e senadores a serviço da indústria. Na contramão do que deseja a sociedade, pressionam até contra a lei que proíbe fumar em bares e restaurantes.
O que esses senhores ganham com essa conduta criminosa? Estariam apenas interessados no destino das 180 mil famílias que trabalham nas plantações ou nas doações dos fabricantes?
Nós temos o dever de impedir o crime continuado que a indústria do fumo pratica impunemente contra as crianças brasileiras. Fumar não pode ser encarado como um simples hábito adquirido na puberdade. Hábito é escovar os dentes antes de dormir ou colocar a carteira no mesmo bolso.
O cigarro deve ser tratado como o que de fato é: um dispositivo para administrar nicotina, a droga que provoca a mais torturante das dependências químicas conhecidas pelo homem.
Meus comentários
Ah, Drauzio, ah, Drauzio…. Esse texto é do ano passado, mas não dá para deixar de comentar tamanha sequência de delírios lógicos.
Ele começa dizendo que o “cigarro é o mais abjeto dos crimes já cometidos pelo capitalismo internacional”. Mas como pode ser o “cigarro” um crime? Botar uma arma na cabeça de alguém e forçá-lo a fumar poderia ser um crime, mas não o cigarro em si. É por essa lógica que sabemos que a “arma” não é um crime, mas matar alguém com uma pode sê-lo. Já no começo, Dráuzio dá uma pisada na bola vergonhosa.
Em seguida, ele diz que a “escravidão” é um “delito capitalista”. Errado, a escravidão existe desde muito antes da Bíblia. E o capitalismo surgiu com o Iluminismo, ou seja, tem uns 300 anos de existência. Aqui, ele comete uma inversão na percepção do tempo.
Ao dizer que o “uso do cigarro” é um crime cometido contra as pessoas, Drauzio também mostra não crer na liberdade humana. Para ele, um ato cometido por alguém, por livre e opção dessa pessoa, é um “crime” cometido contra ela. Deve ser mais ou menos assim. Alguém resolve praticar ski na neve e se machuca seriamente. Todo ano muitas pessoas se machucam seriamente e até morrem em acidentes por causa da prática de ski na neve. O ski na neve é, portanto, um crime contra a pessoa. É mole?
Ele tenta uma cartada emocional, ao dizer que a maioria dos dependentes começou antes dos 18 anos. É, a maioria dos adolescentes estão expostos ao mundo antes dos 18 anos. Mas os pais podem orientar os filhos a não fumar. Que tipo de argumento é esse? Deve ser do tipo: “Uma prática começou antes dos 18 anos, então ela é nociva…”. É um novo tipo de falácia.
Para Drauzio, comercializar o cigarro é uma “conduta criminosa”. Para ele, um fruto do capitalismo. O difícil vai ser ele explicar o fascínio de Fidel Castro pelos famosos charutos cubanos. E como esquecer de Che Guevara?
Ou será que Drauzio tem implicância somente com os cigarros mas não com os charutos? E se for com os charutos, será apenas em relação aos charutos os não-cubanos?
Drauzio, totalitarista como sempre, afirma: “Nós temos o dever de impedir o crime continuado que a indústria do fumo pratica impunemente contra as crianças brasileiras.”
Pode até achar que tem o “dever”, mas não tem o direito de dizer o que os outros devem fazer. Se há uma indústria de cigarro, é por que há público interessado. A idéia de que o consumo de cigarro surgiu por causa da indústria é no mínimo apelar à ingenuidade do leitor.
Não dá para tratar uma intenção como essa de Drauzio, de “cuidar da vida dos outros”, a não ser com o uso do ridículo.
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