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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Respostas infalíveis

DIÁRIO DO COMÉRCIO

Ninguém pode desviar-se minimamente da semântica oficial do governo Lula.

Olavo de Carvalho - 9/8/2010 - 19h24

Em 2002, tivemos uma disputa presidencial entre quatro candidatos que, em uníssomo, alardeavam a condição de esquerdistas como o seu mais elevado título de glória. Tão perfeita homogeneidade ideológica, que nem mesmo os militares tinham ousado impor ao cenário político nacional, só se vira, antes, nas eleições soviéticas ou chinesas, mas a "grande mídia" inteira fez questão de abafar a estranheza do fenômeno e, com aquela mistura de cinismo e estupidez genuína que tão bem a caracteriza, celebrou o pleito como uma apoteose da democracia.

Em 2006, o candidato tido como de direita por seu adversário rejeitava esse rótulo e, provando-se bom menino, evitava qualquer demonstração de anti-esquerdismo, por tímida que fosse. O simples fato de que ele tampouco se declarasse esquerdista foi aceito universalmente como prova cabal de "pluralismo". Quod erat demonstrandum.

Finalmente, em 2010, chegamos ao ponto em que todas as precauções retóricas já se revelam desnecessárias: o próprio presidente da República sente-se à vontade para proclamar a completa ausência de direitistas entre os candidatos à sucessão como sinal de perfeição democrática. A democracia, segundo S. Excia. e a unanimidade das mentes iluminadas que nos guiam consiste, portanto, numa assembléia de esquerdistas que se xingam uns aos outros de direitistas. That’s all.

Que mais se poderia desejar? Toda aspiração diversa é extremismo, saudades da ditadura, racismo, fanatismo genocida ou, como na velha União Soviética, sintoma de desequilíbrio mental. Um momento. Eu disse "aspiração"? Não é preciso nem isso. Basta que você, sem nenhuma divergência ideológica, se sinta um pouco incomodado com a aliança PT-Farc, e todo o repertório dos insultos autoprobantes será despejado sobre a sua cabeça, sem que lhe reste, diante de tão irrespondíveis argumentos, senão o último recurso dos bate-bocas infantis: macaquear a ofensa, chamar o acusador de direitista.

Se a administração estatal logrou controlar a economia ao ponto de emitir notas fiscais antes que algum comerciante tenha a ousadia de fazê-lo, o aparato político-ideológico da esquerda conseguiu dominar tão bem o universo mental da nacionalidade que já ninguém, dentro do território pátrio, pode desviar-se um só milímetro da semântica oficial – ou ao menos não pode fazê-lo sem o sentimento constrangedor de ter cometido uma gafe imperdoável, talvez um crime hediondo.

Para maior felicidade geral, o fato de que esse estado de coisas coincida, no tempo, com a prosperidade dos grandes grupos econômicos que têm negócios com o governo é festejado como prova de sucesso do capitalismo nacional, embora, na ciência econômica e no são entendimento humano, ele defina precisamente o socialismo. Mas os brasileiros já se habituaram tão confortavelmente a chamar as coisas pelos nomes inversos que já nem reparam nesse detalhe.

Por exemplo: decorridos vinte anos da fundação do Foro de São Paulo, o fato de que esse monstrengo domine uma dúzia de países e ocupe a presidência da OEA é evidência irrefutável de que ele é apenas um bando de velhinhos saudosistas, sem força ou periculosidade que mereçam atenção. Experimente lançar dúvida sobre essa certeza augusta num encontro de empresários, e aguente, se puder, os olhares de desprezo.

Nada, nenhuma demonstração lógica, evidência factual ou desgraça espetacular – nem mesmo a tragédia rotineira dos cinqüenta mil brasileiros assassinados por ano – parece capaz de despertar as nossas classes rechonchudas do seu otimismo beócio, sustentado nos quatro pilares da ortodoxia elegante, quatro fórmulas infalíveis que a tudo respondem como se tivessem saído fresquinhas da oficina literária de Bouvard e Pécuchet:

1. "Lula mudou."
2. "O comunismo acabou."
3. "Direita e esquerda não existem."
4. "Você quer voltar aos tempos da Guerra Fria."

Quem, diante de tamanha sapiência, ousaria discutir?

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

Um comentário:

Mauro Viñas disse...

Muito lúcidas as quatro conclusões do articulista. Realmente o Lula mudou muito e ninguém mais deseja a guerra fria de volta. O comunismo também, felizmente, é uma praga que não voltará jamais. Parabéns, Dr. Olavo. Concordo em gênero, grau e número como senhor.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".