Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ampla liberdade aos condenados

MÍDIA SEM MÁSCARA

É preciso que se diga, sem medo de ser tachado de populismo penal ou de parecer reacionário e careta, que não se permitirão testes de laboratório com a vida alheia; que é preciso construir um mundo em que sejam respeitados os direitos sobre a propriedade; que é sagrada a liberdade de ir e vir aos que aceitam o estado democrático de direito.
O Congresso Nacional enviou ao Presidente Lula um Projeto de Lei que alterava o Código de Processo Penal e a Lei de Execuções Penais. Pelo texto original, os condenados que viessem a cumprir a parte final das penas em liberdade "poderiam" ser submetidos à fiscalização por meio de monitoração eletrônica, desde que houvesse uma decisão fundamentada do juiz competente. O sistema rastreador, que teria o formato de uma pulseira ou tornozeleira, daria ao juiz o controle sobre a localização física do preso, uma garantia de cumprimento da obrigação de comparecer ao juízo para "informar e justificar suas atividades", já prevista em Lei.
O objetivo do monitoramento eletrônico era reduzir o alto índice de fugas nos regimes aberto e semiaberto, um dos pontos mais críticos da execução penal. As evasões, mais que demonstrar que os apenados reinseridos na sociedade não foram dissuadidos da prática criminosa enquanto estiveram reclusos, geram a necessidade de maior estrutura de policiamento uma vez que se juntam aos criminosos que nunca foram presos aqueles que simplesmente não cumpriram o restante de suas penas. Sob a ótica da comunidade, o rastreamento de presos poderia reduzir aquele sentimento de revolta ao se saber que o assassino ou estuprador, preso anteriormente, deveria estar sob acompanhamento do Estado até o fim da pena, mas foi posto em liberdade "desvigiada", tendo somente sua boa-vontade por controle e freio.
Porém, no último 15 de junho, o Presidente da Lula sancionou a Lei nº 12.258/2010 [i], com o veto à maioria dos dispositivos do Projeto de Lei original e restringindo o monitoramento eletrônico aos casos de saída autorizada e prisão domiciliar, situações que representam uma parcela ínfima dos casos. No que depender da Presidência da República, as progressões para os regimes aberto e semiaberto e a liberdade condicional continuarão sem qualquer garantia sobre seu efetivo cumprimento, transigindo com a liberdade dos que optam por viver sob o império da Lei e veem a ausência de controle como uma ameaça à justiça criminal.

Nas razões para o 
veto [ii], o Presidente Lula informa que o Projeto de Lei, na forma original, "aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso", além de "contrariar a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro".
Em apenas duas frases, o veto desconstrói totalmente a ideia original, sem dar qualquer explicação adicional acerca do que consistiria um "reajuste desejável" da população dos presídios, nem apontar as incompatibilidades do monitoramento eletrônico com o ordenamento jurídico pátrio. Analisando-se as breves razões apresentadas, constata-se que as ações de "retirar da prisão quem lá não deve estar" e "impedir o ingresso de quem não deva ser preso" redundam, ambas, no objetivo de não mais se promover prisões, ao mesmo tempo em que cuida do esvaziamento das penitenciárias. Aparentemente, para a Presidência da República, a imagem de uma prisão cheia é desagradável, um desvio estético incompatível com o ideário do governo, como se elas não estivessem assim em razão da necessidade de punição a crimes ocorridos no meio social.
Ignorando um fato do mundo real, a Presidência da República age como se o Projeto de Lei fosse dedicado à fase de apuração do crime. Mas seu tempo processual é o da execução penal, com disposições para apenados que têm sentenças definitivas e penas a cumprir. Pelas razões apresentadas, o veto pretende atribuir ao Projeto de Lei objetivos que ele nunca teve, pois não fazia parte de seu escopo a retirada do cárcere de quem lá não devesse estar, tampouco o de impedir a entrada na prisão de quem não o precisasse. Para encontrar a pertinência e a utilidade do Projeto de Lei, caberia ao redator do veto ter se perguntado se o monitoramento eletrônico retiraria o livre flanar de quem ainda deve à justiça criminal. E mais, se impediria que o preso fosse devolvido à sociedade sem garantias de que cumprirá o restante da pena, podendo evadir-se se assim entender.
Quanto ao argumento de que o monitoramento eletrônico fere o ordenamento jurídico, o que dizer da manutenção do instrumento para os casos de saída temporária e prisão domiciliar? Por qual razão o dispositivo de vigilância é adequado à prisão domiciliar e ao mesmo tempo é uma afronta ao regime semiaberto? Não seriam os dois regimes espécies de um mesmo gênero de penas, integrando uma mesma sistemática de execução penal? O argumento usado, pela sua generalidade, apenas denuncia a análise ligeira, e errada, de quem atendeu a propósitos velados ao deixar de criar um maior controle sobre os apenados.
Caso fosse feita uma análise mais cuidadosa, poder-se-ia constatar que o rastreamento de presos promoveria até mesmo um incremento no número de progressões de regime e de liberdades condicionais, pois daria ao juiz, pela primeira vez, a garantia de que a pena seria cumprida até o final, benefício que hoje está condicionado à boa vontade do apenado, sujeito que não chegou ali exatamente por sua capacidade colaborativa e seu engajamento cívico.
Até mesmo a questão dos custos foi subvertida, pois omitiram que a liberdade vigiada possibilitaria a eliminação das despesas com os albergues noturnos, hoje utilizados como pousada para os presos do regime semiaberto. Uma vez fechados os albergues, seria possível uma economia de verba que poderia, no decorrer do tempo, superar o custo inicial da implantação do sistema.
Sob qualquer ângulo que sejam analisadas, as justificativas do veto só fazem sentido se for feita a admissão prévia de que a privação da liberdade é algo a ser evitado pela política oficial de segurança, que, de resto, é uma política cara às ideologias de esquerda. Para esses, soi-disant progressistas, o homem é dotado de uma inclinação natural ao bem e ao justo, sendo a sociedade a responsável por sua corrupção. Desta falsa premissa, sustentam-se as muitas correntes de relativização das condutas criminosas, entre elas as que pregam o direito penal mínimo e a co-culpabilidade social. Estas teorias são em tudo concordantes com as declarações do Presidente Lula, que em mais de uma ocasião afirmou que "seu governo fez a opção de investir em educação os recursos antes usados para construir cadeias", ou quando disse "que é mais barato investir no ensino do que construir cadeias".
Mais que retórica populista inconsequente, há nas palavras do Presidente uma enunciação de princípios. Ora, quando o maior dignitário da República olha para estas duas necessidades do mundo real e as vê como excludentes uma da outra, ao optar por uma delas - a educação -, omite-se ante o dever de dar destino aos que não estão aptos ao convívio social. Perfazendo-se o caminho inverso desta premissa original, pode-se aferir o seu reflexo no âmbito de toda a segurança pública, pois que, não sendo possível o encarceramento dos comprovadamente incapazes de conviver em liberdade, já não se fazem necessárias as polícias, os órgãos acusadores, nem os juízes. Resta então, como forma de harmonização do sistema, a revogação das leis criminais, a despeito de continuarem existindo, no mundo dos fatos, as ofensas e os ofensores.
O veto ao Projeto de Lei do monitoramento eletrônico - que o Congresso, podendo afastar, sequer apreciou -, assim como as declarações presidenciais, evidenciam o tempo curioso em que vivemos. Num ritmo crescente dos índices de criminalidade, com vergonhosos 50.000 mil homicídios por ano, entende-se por bem eliminar qualquer óbice à ação delitiva dos presos que alcançaram algum estágio temporário de liberdade. Pior que isso, adota-se como paradigma a diminuição da população carcerária, como se isto pudesse ser resolvido com uma canetada (ou tesourada) de um político, e não estivesse o aprisionamento atrelado à prática do crime, resultado das escolhas pessoais do indivíduo.
Não olhar para este dado da realidade é deixar de promover o bem-estar da população brasileira, que cada vez mais vincula esta percepção à questão da segurança pública. Para se ter uma ideia, na mais recente pesquisa Ibope sobre as maiores preocupações do eleitor, a insegurança foi apontada como a segunda área mais problemática do país (42%), atrás apenas da saúde (66%). Em terceiro lugar, com forte dependência das ações de segurança, seguem as preocupações com o tráfico e o consumo de drogas (29%). A falta de emprego aparece em quarto lugar (29%) e a educação, que o Presidente entende como substituto adequado à construção de presídios, surge apenas em quinto lugar (27%). Extrai-se dos números que o Presidente Lula teria adotado uma política de maior promoção do bem-estar se houvesse privilegiado o aumento das vagas do sistema prisional. Parece que o paradigma nacional no quesito popularidade desta vez não combinou o discurso com a plateia. Caso tivesse perguntado, teria ouvido que "bandido bom é bandido preso".
O contraste entre as ações do governo federal (de que o veto é exemplo patente) e as aspirações do brasileiro comum revela que a política engajada dos que pretendem liderar as massas rumo a alvoreceres radiantes esbarra num obstáculo natural: a existência do estado de direito não prescinde do encarceramento dos que teimam em não reconhecê-lo.
Aceitando esta obviedade, os candidatos aos cargos políticos que estão na praça poderiam rejeitar os discursos etéreos que exaltam que "um novo mundo é possível", abandonar de vez os esforços em parecer politicamente correto aos olhos de uma minoria ideológica e começar a traçar programas de governo destinados ao amparo daquela maioria de brasileiros que precisa, imediatamente, e não amanhã, das garantias da ordem e da paz, promotoras universais do progresso material de uma nação.
Ao abdicar da sanha ideológica, poderia o nobre candidato (tornado limpo por força de Lei) começar por estudar o perfil da violência tendo por base o cruzamento da taxa de homicídios [iii] com a população carcerária [iv] de cada estado. Dentre as muitas análises possíveis, pode-se ver que no período de uma década (1997-2007), somente nove estados conseguiram reduzir o número de homicídio; dos nove, oito aparecessem entre as nove maiores taxas de encarceramento. Para comprovar a relação, na outra ponta dos índices de insegurança, as maiores altas na taxa de violência pertencem aos estados com as menores populações carcerárias. Transpondo as informações para um gráfico [v], surge incontrastável uma regra de ouro: "quanto mais se prende, menos se mata". É o caso do estado de São Paulo, que mesmo possuindo o maior adensamento demográfico nacional (fator dos mais sensíveis no estabelecimento da ordem) apresenta a terceira menor taxa de homicídios. A política de segurança de São Paulo - que possui 22% dos brasileiros e responde por 34% dos presos do país - permitiu ao estado a redução de 58% da taxa de homicídios, configurando a maior redução do índice em todo o Brasil. Para fins comparativos, no mesmo período, em Alagoas - com apenas 1,65% da população nacional e míseros 0,48% da população carcerária nacional - o número de homicídios cresceu 147%.
Em qualquer ambiente minimante racional, em que o combate ao crime e a educação das crianças não sejam vistas como políticas mutuamente excludentes, a relação direta entre o aumento do número de criminosos presos e a redução do número de homicídios seria a pedra de toque da segurança pública. E uma política que cuidasse de manter na cadeia os que infringissem os deveres de convívio em sociedade seria aclamada como "o" modelo a ser copiado. Neste lugar, uma lei que desse ao juiz a garantia de que os presos antecipadamente libertos permaneceriam sob os olhos atentos do Estado, evitando que retornassem ao mundo do crime sem qualquer controle, seria saudada como um instrumento moralizador do próprio sistema de progressão das penas e um eficiente mecanismo de combate à impunidade, esta chaga social que aterroriza os que optam por seguir as leis.
O quadro de calamidade que se encontra a segurança pública permite concluir que se precisa urgentemente de pessoas que demonstrem aos teóricos da liberdade incondicional que "reajuste da população carcerária" pode significar algo diverso da retirada de presos das cadeias e que a ausência de controles, pulseiras ou tornozeleiras, está alimentando um círculo nefasto de crimes. São indispensáveis os defensores do óbvio, que apontem somente existir superlotação de penitenciárias porque as temos em número insuficiente. É fundamental que os racionalistas façam o confronto dos ensaístas da questão penal, sempre prontos a sacar da algibeira uma ideia revolucionária - e mortal - para testar na comunidade que tanto dizem defender. Ainda há tempo de se trazer a lume as correlações ancestrais que sustentam que o trabalho é o maior redentor social, a ordem é instrumento de paz por excelência, a certeza da punição é inibidor da atividade delitiva e o respeito às leis é a mais democrática das instituições, pois que a todos baliza e iguala.
Enfim, ante a promoção de políticas falsamente libertárias, é preciso que se diga, sem medo de ser tachado de populismo penal ou de parecer reacionário e careta, que não se permitirão testes de laboratório com a vida alheia; que é preciso construir um mundo em que sejam respeitados os direitos sobre a propriedade; que é sagrada a liberdade de ir e vir aos que aceitam o estado democrático de direito; que é dever do Estado a construção de um ambiente de segurança, o que pode significar a necessidade de maior controle sobre os que a refutam; e, que para promover o bem-estar e a segurança dos que se esforçam por seguir as leis, pode ser indispensável, de vez em quando, que se exija dos apenados o uso de uma tornozeleira, constrangimento infinitamente menos gravoso que as ofensas que um dia praticaram.

Notas:
[i] Lei 12.258/10 disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12258.htm>. Acesso em 31 jul. 2010.
[ii] Veto à Lei 12,258/10 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Msg/VEP-310-10.htm. Acesso em 22 jul. 2010.
[iii] WAISELFISZ, J.J. Mapa da violência 2010: Anatomia dos Homicídios no Brasil - Sumário Executivo. Instituto SANGARI, São Paulo. Disponível em:<http://www.institutosangari.org.br/mapadaviolencia/>. Acesso em 29 jul. 2010.
[iv] Departamento Penitenciário Federal. Sistema Penitenciário no Brasil - Dados Consolidados. Ministério da Justiça, Distrito Federal. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRNN.htm >. Acesso em 29 jul. 2010.

Licurgo Nunes Neto, engenheiro eletricista e bacharel em direito pela UFRN, desempenha as funções de policial rodoviário federal no RN.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".