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Sábado, 17 de abril de 2010
Por Adriano Benayon
Em junho de 2008, nº 43, A Nova Democracia publicou o artigo de minha autoria, “Perdas com o serviço da dívida”. Mostrei então que a União, despendeu de 1988 a 2007, R$ 4,5 trilhões no serviço das dívidas interna e externa, em valor atualizado a preços de 2007, por juros, encargos e amortizações, não contadas a rolagens. A fonte dos dados, em preços correntes, é a SIAFI, STN (Secretaria do Tesouro Nacional, despesas da União por grupo).
Acrescentando a despesa de 2008 e 2009, e atualizando tudo em preços de dezembro de 2009, o gasto acumulado, de 1988 a 2009, com o serviço da dívida ascendeu a R$ 5,7 trilhões.
Note-se a assustadora velocidade de crescimento desse serviço, que já havia sido recorde em 2007 com R$ 244 bilhões. A elevação foi de 15% de 2007 para 2008 (R$ 280 bilhões) e de 35% de 2008 para 2009 (R$ 380 bilhões), em preços correntes.
Pergunto: quem teve aumentos anuais nesses percentuais sendo assalariado ou como empresário pequeno ou médio? A propósito, eu havia esquecido de fazer a mesma pergunta no artigo do mês passado, “Brincando à beira do abismo”, A Nova Democracia nº 63, março de 2010, em que descrevi a ininterrupta escalada dos lucros dos bancos em atividade no Brasil, de 1995 a 2010.
Bancos, juros, SELIC
Não é difícil explicar a coincidência entre o aumento dos lucros dos bancos e o aumento dos gastos da União com a dívida pública federal. De fato, há um elo entre as duas coisas: as taxas de juros, no Brasil as mais altas do mundo, como é notório.
A fim de colaborar com a CPI, cujo corpo técnico procura suscitar a instalação de comissão permanente na Câmara dos Deputados para realizar a auditoria da dívida, o Engenheiro Luiz Cordioli fez exaustivo levantamento das operações de títulos do Tesouro com taxa SELIC, de 1986 a 2009. Suas tabelas apontam conclusões estarrecedoras, como esta: a aplicação de uma unidade de moeda em junho de 1986 à taxa SELIC resultaria no fantástico número de 14,45 bilhões. Claro que raros se beneficiaram sempre da SELIC, que superava a taxa de inflação, mesmo quando esta era estratosférica. Muitos, muitíssimos, muitas vezes, foram lesados, como os confiscados pelo Plano Collor e os prejudicados pelos demais planos, a cada troca de moeda.
Não que os bancos só obtenham lucros aplicando, em títulos da dívida pública e para ganho próprio, o dinheiro que as pessoas neles depositam. Também auferem muito, sugando diretamente as pessoas físicas e jurídicas que deles precisam para tomar créditos, pois nesse caso as taxas são astronômicas, como, por exemplo, no cheque especial.
Estados e municípios
Falando em juros dessa ordem, por incrível que pareça, os Estados e os municípios pagam à União juros extorsivos, ainda mais altos que os propiciados aos aplicadores financeiros bafejados pela generosidade (com o dinheiro alheio) do Banco Central e do COPOM (Comitê de Política Monetária, controlado pelo Banco Central).
O contador João Pedro Casarotto expôs, na CPI em curso na Câmara dos Deputados, os diversos ônus que incidem sobre as dívidas dos estados e municípios. Entre esses está a correção monetária por meio do IGP-DI, que tem superado em muito os índices de preços ao consumidor. Vale citar este flash do resultado disso:
“Em valores de dezembro de 2008, os Estados receberam R$ 184,98 bi, pagaram R$ 119,49 bi e ainda estão devendo R$ 320,25 bi. Um formidável subsídio dos Estados para a União de R$ 254,76 bilhões, o que se explica por ter o Governo Federal da época tratado o empréstimo como ...reles operação bancária comercial.”
A “renegociação” das dívidas dos estados e municípios (1997/1998) é uma das incontáveis bombas destruidoras, de efeito retardado, deixadas no País pela famigerada administração tucana, por ordem do FMI, Banco Mundial et caterva (i.e., bancos estrangeiros ditos credores). Na ocasião, as dívidas estaduais foram assumidas pela União.
As múltiplas sangrias
Resumindo a dinâmica da agiotagem, o povo brasileiro é extorquido diretamente pelos juros quando toma empréstimos, usa cheque especial ou qualquer outra forma de credito, e indiretamente, pagando impostos cuja arrecadação escorre pelo ralo da dívida pública nos três níveis da Federação.
Por cúmulo, mesmo com a altíssima carga tributária, equivalente a 35,8% do PIB (era de 23,7% em 1989, tendo aumentado 51%), os brasileiros não contam com serviços públicos dignos desse nome, não só porque os ainda providos, em tese, pelo Estado têm caído em qualidade, mas também porque parte substancial deles foi privatizada.
Essa é outra bomba destruidora, montada pela tucanagem e mantida pelos petistas, não menos hipócritas. A privatização resultou em que se adicionem à carga tributária imposta pelo setor público as tarifas abusivas, e sempre em aumento, cobradas pelas empresas transnacionais que se apropriaram das concessões. Essas concessionárias quase nada investem; fazem, em geral, cair ainda mais a qualidade dos serviços; e devastam recursos naturais inestimáveis, como acontece com a água.
A água, por demais abundante no Brasil, vem sendo crescentemente fornecida por transnacionais, como Suez, Nestlé e Coca-Cola. Além disso, engarrafada com a adição de químicos e desmineralizada para ser vendida à população, que deveria desfrutar de água natural, saudável, e de graça. Ademais, as transnacionais do setor, que se vêm expandindo por grande número de cidades, fazem esgotar e deteriorar os lençóis freáticos. Para controlar a água, prometem investir em saneamento, e não o fazem.
Não bastasse a exação através dos juros do crédito (1), a dos impostos pagos aos governos federal, estadual e municipal (2), a das tarifas dos serviços públicos (3), há ainda a dos preços de oligopólio dos bens e serviços pagos às empresas ditas produtivas, das quais as principais estão, hoje, quase todas, sob controle estrangeiro (4).
Um dos exemplos mais acintosos desse deboche são os preços dos automóveis: o consumidor brasileiro paga pelo mesmo carro - fabricado no Brasil - o dobro do preço dele no exterior, por exemplo, na Argentina e no México. Essa diferença de 100% corresponde, quase toda, a lucros dos oligopólios, aumentados pelas inúmeras isenções e vantagens à exportação dadas pelo “governo”, sem falar nos subsídios à produção, inclusive taxas de juros favoráveis por conta do BNDES.
Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de “Globalização versus Desenvolvimento”, editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.br
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