15 de dezembro de 2011 | 3h 06 Notícia
BEIRUTE - O Estado de S.Paulo
Esquema revelado. Com a venda de instituição, balanços provaram intrincado esquema de lavagem de dinheiro global que, aparentemente, permitiu ao grupo xiita movimentar enormes somas de dinheiro legalmente no sistema financeiro internacional
Dados de contabilidade liberados após a venda do Banco Libanês-Canadense para a filial libanesa do Société Générale e uma investigação do governo americano revelaram métodos clandestinos utilizados pelo grupo radical xiita Hezbollah para financiar suas operações. O banco é acusado de lavar dinheiro do tráfico de cocaína e manter relações com a milícia, considerada pelos EUA um grupo terrorista.
Os balanços forneceram provas de um intrincado esquema de lavagem de dinheiro global, com o banco como seu centro e que parece ter permitido ao Hezbollah movimentar enormes somas de dinheiro legalmente dentro do sistema financeiro, apesar das sanções estabelecidas com o objetivo de enfraquecê-lo economicamente.
Além disso, uma investigação da agência antidrogas do governo americano (DEA) esclareceu quais são as fontes de dinheiro do movimento xiita. Enquanto os departamentos de polícia em todo o mundo acreditavam que o Hezbollah era um beneficiário passivo de contribuições feitas por partidários do movimento envolvidos com o tráfico internacional de drogas, as agências de inteligência de diversos países apontavam para o envolvimento direto das autoridades do alto escalão do Hezbollah no comércio da cocaína na América do Sul.
Na terça-feira, promotores federais na Virgínia anunciaram o indiciamento de um homem acusado de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro para narcotraficantes colombianos e para a gangue mexicana Los Zetas.
Esse envolvimento do Hezbollah com lavagem de dinheiro do narcotráfico também reflete as mudanças políticas e militares no Líbano e no Oriente Médio. Segundo analistas de inteligência americanos, o grupo recebia cerca de US$ 200 milhões ao ano do Irã e uma verba adicional da Síria. Mas esse apoio diminuiu em razão das sanções internacionais a Teerã e das revoltas populares contra Bashar Assad.
As necessidades financeiras do movimento libanês, no entanto, aumentaram à medida que ele obteve mais legitimidade depois da guerra de 2006 com Israel. O Hezbollah expandiu seu portfólio de atividades políticas e sociais, e, com isso, passou a depender cada vez mais das atividades criminosas - especialmente do comércio de cocaína na América do Sul.
"A capacidade de grupos terroristas como o Hezbollah de se inserir no fluxo de financiamento criminoso mundial é o novo desafio que surgiu após o 11 de Setembro", diz Derek Maltz, da DEA, que monitorou a investigação do departamento sobre o banco libanês.
O esquema. Autoridades do Tesouro americano descobriram que gerentes do banco ajudaram diversos correntistas a gerir um esquema de lavagem de dinheiro da droga, mesclando esses valores com recursos obtidos com a venda na África de carros usados comprados nos EUA. Uma parte dos lucros ia para o Hezbollah, alegação que o grupo contesta.
Auditores encarregados de examinar os livros contábeis após a venda do banco descobriram quase 200 contas suspeitas de ligações com o Hezbollah e os clássicos sinais de lavagem de dinheiro.
No total, centenas de milhões de dólares por ano foram depositados nessas contas, mantidas especialmente por empresários muçulmanos xiitas em países da África Ocidental onde é comum o contrabando de drogas, muitos deles partidários do Hezbollah. Como fachada, eles trabalhavam com diamantes, cosméticos e frango congelado. Por meio dessas empresas, o Hezbollah movimentava todo o tipo de fundo suspeito, em seu próprio nome ou de outros. O sistema permitia ao Hezbollah ocultar as fontes da sua riqueza, mas também seu envolvimento numa série de empreendimentos empresariais.
Entre eles um negócio realizado no ano passado que envolveu talvez o maior contrato de compra de terras na história do Líbano, no valor de US$ 240 milhões, com a aquisição de 300 hectares de terra virgem que faz frente para o Mediterrâneo na região de Chouf.
O negócio se inseria em um padrão, bastante controvertido neste país instável em termos religiosos, em que empresas ligadas ao Hezbollah compravam terrenos militarmente estratégicos em áreas cristãs, ajudando o movimento a fortalecer, silenciosamente, sua hegemonia geopolítica.
'Perseguição'. Numa entrevista recente em sua casa em Taybeh, ao norte da fronteira com Israel, o principal estrategista político e membro do Parlamento do Hezbollah, Ali Fayyad, negou que sua organização estava por trás da compra do terreno de Chouf, ou qualquer outra compra de terra.
Ele rejeitou as alegações dos EUA de envolvimento com o tráfico de drogas dizendo que se tratava de "propaganda" com motivações políticas. "Não temos nenhuma ligação com o Banco Libanês-Canadense", declarou o político. "Os EUA estavam simplesmente perseguindo empresários xiitas inocentescomo uma maneira de nos punir porque vencemos a batalha com Israel."
Para os EUA, desmantelar o banco foi parte de uma estratégia que vem sendo adotada, de utilizar armas financeiras para combater o terrorismo global. / THE NEW YORK TIMES
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