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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Lição de diplomacia

DIÁRIO DO COMÉRCIO


O serviço diplomático americano em Honduras odiava Micheletti desde muito antes do "golpe", e estava pronto a tomar posição contra ele em qualquer circunstância.
Olavo de Carvalho - 25/4/2011 - 19h35



Reuters/Tomas Bravo
Micheletti, para o serviço diplomático americano, era um homem com sede de poder.
As mensagens confidenciais da embaixada americana sobre a queda do presidente hondurenho Manuel Zelaya, recentemente reveladas pelo Wikileaks, são um resumo didático de como funciona a política externa dos EUA hoje em dia.

Desde os primeiros momentos o embaixador, Hugo Llorens, toma partido em favor de Zelaya: "Os militares, a Suprema Corte e o Congresso nacional conspiraram em 28 de junho (2009) naquilo que foi um golpe inconstitucional e ilegal contra o Executivo. Na nossa perspectiva, não há dúvida de que a ascensão de Roberto Micheletti ao poder foi ilegítima."

Já conhecemos essa lógica. Se o presidente removido do cargo por uma decisão conjunta da Suprema Corte e do Congresso é de direita, seu impeachment é uma decisão legal irretocável. Se é de esquerda, é golpe de Estado. Pouco importa que em seguida venham eleições regulares e os supostos golpistas entreguem pacificamente o poder ao presidente eleito, como aconteceu em Honduras. Golpe de Estado é, e golpe de Estado será eternamente.
Mas, no caso, houve um detalhe a mais. O serviço diplomático americano em Honduras já odiava Roberto Micheletti desde muito antes do "golpe", e já estava preparado para tomar posição contra ele qualquer que fosse o curso posterior dos acontecimentos.

Qual o problema com Micheletti? Em mensagem confidencial assinada em 20 de agosto de 2008, o subchefe da missão diplomática americana em Tegucigalpa, Simon Henshaw, acusava-o daquilo que, aos olhos do Departamento de Estado, é o mais imperdoável dos crimes: ser "um rábido anticomunista" (v. http://www.hondurasweekly.com/international/3552-wikileaks-micheletti-made-pact-with-zelaya-on-alba). 

Dificilmente, na mídia e no establishment americano, alguém escreve a palavra "anticommunist" sem fazê-la anteceder do adjetivo "rabid", que quer dizer hidrófobo, infectado de raiva canina, extremista, demente perigoso, pronto a matar pessoas a dentadas em nome de abomináveis crenças reacionárias. O efeito do rótulo incansavelmente repetido é infalível. Todos os anticomunistas são rábidos, tal é a crença geral. Babam, rosnam e dilaceram suas vítimas num paroxismo de ódio insano. Os comunistas, não. Não existe no vocabulário das altas esferas a expressão "rabid communist". Eles mataram 140 milhões de civis com uma serenidade imperturbável, movidos pelo puro amor à humanidade, sem derramar uma só gota de saliva. Aliás, para que saliva, no meio de tanto sangue?

Reuters/Edgard Garrido
E o peso da influência do país foi em favor de Zelaya, apoiado por narcotraficantes.
Não obstante explicasse a conduta do então presidente da Assembléia Nacional hondurenha pelas chamas da paixão ideológica que o consumia, Henshaw, sem notar aí a mínima contradição, qualificava-o, por outro lado, como um oportunista ambicioso sem convicão própria, ávido apenas de poder, pronto a todas as concessões, inclusive aos comunistas, caso fossem do seu interesse. Micheletti, segundo Henshaw, estaria até mesmo disposto a apoiar a proposta chavista da Alternativa Bolivariana para a América Latina (ALBA) se isso lhe rendesse alguns votos. Estranha hidrofobia, essa, cujos sintomas recuavam ante o mero pensamento de vantagens hipotéticas.
Mas Henshaw não parava por aí. Micheletti, segundo ele, era tão leviano que, por qualquer vantagem, abdicaria não somente de suas convicções, mas do último resíduo de honra pessoal:  "Ele é sequioso de poder, e seu desejo de tornar-se presidente é supremo. Ele viu sua candidatura e seus números nas pesquisas escapulirem de suas mãos e parece estar tão desesperado que incluiria até narcotraficantes e outros corruptos na sua chapa, só para conseguir dinheiro e apoio." Já viram um fanático menos fanático?

Curiosamente, nem Henshaw nem seu chefe, Hugo Llorens, pareciam enxergar nada de imoral em condenar um homem pela conjeturação imaginária de possíveis delitos futuros, e dar respaldo a outro a despeito de delitos então já cometidos e bem comprovados.

Àquela altura, Manuel Zelaya já estava, como continuou estando ao longo da crise, bem garantido pelo apoio do Foro de São Paulo, a coordenação estratégica do comunismo latino-americano, organização em cuja liderança brilhavam, ao lado do nosso então presidente Lula, os líderes das Farc, senhores absolutos do narcotráfico no continente. 

Henshaw e Llorens, com toda a evidência, são homens desprovidos de sã consciência moral, incapazes de julgar as coisas com equanimidade e senso das proporções. Intoxicados pelo preconceito irracional contra todo anticomunismo e pela idealização bocó da esquerda mundial, dois vícios endêmicos nas esferas chiques da vida americana, jogaram todo o peso da influência do seu país em favor de um bandido apoiado por narcotraficantes, assassinos e sequestradores, enlameando ao mesmo tempo a reputação de um inocente contra o qual nada sabiam além daquilo que conjeturavam em fantasia.
Roberto Micheletti, junto com mais algumas pessoas que nada tiveram a ver com os acontecimentos e cujo único crime é serem seus amigos e parentes, está até agora proibido de entrar nos EUA, que recebem Hugo Chávez e Mahmud Ahmadinejad de braços abertos.

Que ganhou a nação americana com isso? Ganhou o desprezo dos anticomunistas e a ira dos comunistas, sempre orgulhosos de sua ingratidão para com os "companheiros de viagem" dos quais só conseguem arrancar uma parte, não a totalidade do que desejam. Por não terem reconduzido Zelaya à presidência por um ato de força (todas as intervenções imperialistas são iguais, mas algumas são mais iguais que as outras) e por haverem se contentado em aceitar o resultado das eleições, que aliás levaram ao poder um virtual protetor de Zelaya, os EUA foram acusados, por toda a esquerda latino-americana, de cumplicidade com o "golpe de Estado".

Comunista é assim: se você lhe oferece uma mão, tem de lhe dar as duas, mais os pés, a cabeça, o coração, a alma, a bolsa e a vida, caso contrário ele vai afogar você num mar de cusparadas. Ser comunista é rentável, mas o emprego de companheiro de viagem deveria pagar adicional de insalubridade.

Henshaw e Llorens fizeram jus ao dinheiro que recebem do contribuinte americano, trabalhando em favor do mal e da mentira e jogando todo mundo contra o seu país? Não sei, nem me cabe responder. Não sou um contribuinte americano. O dinheiro não é meu.

Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de Filosofia

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".