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terça-feira, 26 de abril de 2011

Cultura sem Limites: entrevista com Nivaldo Cordeiro

BRUNO GARCHAGEM
TERÇA-FEIRA, 5 DE ABRIL DE 2011




Nivaldo Cordeiro tem se notabilizado nos últimos anos na internet por aquilo que pensa e pela forma como expõe em textos e comentários em vídeo suas ideias sobre política, filosofia, economia e religião. O seu site pessoal permite vislumbrar a dimensão da sua ambição intelectual e os cursos que vem ministrando são a materialização pedagógica desse mergulho pessoal na mais elevada tradição cultural.

É dentro dessa perspectiva que irá ministrar nos próximos dias 2, 9, 16 e 23 de maio o curso O demônio da vocação: O Fausto de Goethe, que será, segundo Nivaldo, "uma análise da obra Fausto abordando sua importância para compreender a modernidade, através da ciência política e da filosofia". O curso faz parte do ciclo Cultura sem Limites, fruto de uma parceria entre Martim Vasquez da Cunha com a Livraria Cultura. Aqui você pode ler a entrevista que fiz com o Martim.

Para compreender a dimensão, o enquadramento e o objetivo do curso fiz algumas perguntas por e-mail ao Nivaldo, que gentilmente as respondeu na entrevista reproduzida abaixo:

Garschagen - Por que escolheste Fausto, de Goethe, para, a partir desse livro, elaborar uma compreensão da modernidade? Gostaria, ainda, que você explicasse o conceito de modernidade com que está a trabalhar para saber exatamente qual o período histórico que deseja escrutinar. 
Nivaldo Cordeiro - Venho de uma longa jornada de auto-aprendizado que se prolonga por duas décadas. Minha formação é em ciência econômica e aos 26 anos (estou com 52) eu larguei o curso de doutoramento que fazia na FGV de São Paulo, por absoluto desalento com o que estudava. Eu percebia a superficialidade e a insuficiência do que aprendia. O tédio me varava a alma. Então simplesmente abandonei tudo e fui ler aquilo que me caiu nas mãos. Lembro perfeitamente que foi o momento em que descobri a obra de Carl Jung, o psicólogo, de quem logrei ler toda a obra. Jung me abriu as portas para a realidade da alma, eu que era um ateu militante. E quem lê Jung se interessa imediatamente por Goethe, de quem li logo a seguir o Fausto. Tudo isso de forma privada, solitária, na agonia das muitas perguntas sem respostas. É claro que pouco proveito tirei daquela leitura inicial despreparada. Embora a tradução da Jenny Segall estivesse disponível, não tínhamos a excelente edição que a Editora 34 nos colocou à disposição em 2007, ricamente acrescida com as notas de Marcus Vinícius Mazzari, que permitem a um leitor iniciante se colocar dentro da obra com grande facilidade, para além da linguagem arcaica e da construção hermética dos seus versos. Mais recentemente eu venho de um esforço de leitura de grandes obras, que eu associei a cursos do projeto que Martim Vasques da Cunha tem oferecido em boa hora para os paulistanos. Fiz um mergulho na ciência política num curso que chamei de Estado Total, focado essencialmente em Maquiavel. Depois estudei o conceito de Direito Natural, também oferecido na forma de curso, que permitiu mostrar em que consiste essencialmente a diferença entre o que é moderno e o que é a tradição. Mais recentemente enfrentei o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, um momento sublime de minha consciência intelectual. Escolher Goethe para a nova jornada foi um passo lógico e um antigo anseio que sempre tive, eu que sempre vi no grande escritor alemão um Everest a ser escalado.

O Fausto é todo simbolismo e uma leitura puramente literária, que será necessariamente laudatória, pois o livro é um monumento às Letras, não dá conta de explanar toda sua expressividade. Porque o Fausto é a obra da vida de Goethe e com ela se confunde. Ali é o grande épico que condensa o problema do mal, seja no âmbito teológico, seja no âmbito filosófico. A geração de Goethe foi a que caiu definitivamente no desalento espiritual, com a tragédia do terremoto de Lisboa, quando ele tinha então sete anos. O pano de fundo são os dois séculos anteriores, desde Lutero, o cisma cristão, as guerras religiosas, o Renascimento e o fascínio pela antiguidade clássica (o classicismo é o apogeu desse processo), em que Aristóteles e Platão deram lugar a Epicuro e Zenon, principalmente, mas não apenas. A questão do mal é o centro do poema. Harold Bloom afirma que, junto com Shelley, Goethe é o grande cantor do microcosmo, simbolizado pelo pentagrama, tão caro às escolas de maçonaria que então floresciam. Escrito ao longo dos 60 anos de vida adulta do autor, claro que a perspectiva mudou ao longo do tempo e o desfecho da obra está descolado do seu corpo porque eu entendo que o Goethe dos últimos anos não era o mesmo da juventude e maturidade. O final “católico” mostra isso e é incoerente com toda narrativa. Goethe acabou por destronar o mal e afirmar o bem, num paradoxo sensacional.

Goethe começou a escrever no final do período gótico e praticamente fundou o romantismo alemão. Aliás, o romantismo alemão é o único que se tornou universal, graças ao gigantismo de Goethe, segundo muitos comentadores. Sua vida rica e seu gênio deram-lhe condições de ver o que se passava à sua volta, de mergulhar nas loucuras do seu tempo, das sociedades secretas, dos cultuadores de seitas satânicas, dos destruidores do cristianismo. O modernismo é tudo isso, é sobretudo a substituição dos valores cristãos por outros, recuperados da antiguidade sofista ou criados pelo voluntarismo moderno. A crença no homem, em substituição à crença em Deus, eis o modernismo. 

Essencialmente, a diferença da modernidade para a tradição está demonstrada na concepção do Direito Natural. Para a tradição a fonte do Direito é transcendente. Para os modernos é imanente. Fundada nesse eixo vem a teoria política, do Estado, do sistema legal, da representação. Tudo novidade, tudo estranho ao mundo que era a Europa até o século XV. Goethe, como homem de gênio que era, no final não endossou as loucuras modernas. Ficou contra a Revolução Francesa. Era nostálgico da ordem medieval. Embora embarcasse nas besteiras teóricas que colocavam os germânicos no centro da história européia (o Fausto relata isso, na união do personagem com a Helena mitológica), ao fim e ao cabo Goethe curvou-se à importância histórica do cristianismo. O “demônio” do norte Mefistófeles só faz sentido quando visto de uma perspectiva cristã, meridional. Não é uma criação autóctone dos germanos. Por detrás desse germanismo temos o racismo em potência, que irá explodir no século XX. 

Garschagen - O Iluminismo alemão (Aufklärung) no século XVIII, período de formação e da publicação da primeira grande obra de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther, é bastante diferente do Iluminismo continental francês, tanto pela configuração política da Alemanha (divisão em pequenos estados, muitos dos quais governados por déspotas) quanto pelo aspecto social (inexistência de um fosso social a distinguir a classe média da Aristocracia, como na França) e pelo background cultural (a linguagem literária predominante era o Latim, o que impediu a difusão de obras do Iluminismo continental). Também não havia na Alemanha, a exemplo da França, o descontentamento popular em relação à religião e à Igreja, o que fez com que o Iluminismo Alemão não submetesse a religião a equivalente escrutínio realizado pelos Iluministas franceses. Apesar disso, Goethe foi uma das figuras de destaque do movimento Sturm und Drang, grupo de jovens intelectuais alemães inspirados por Rosseau, especificamente na ênfase na emoção e na reação contra o otimismo.

Você acha que, considerando essa diversidade de estímulos intelectuais sobre Goethe para a posterior elaboração do Fausto (publicado em 1808, a primeira parte, e 1832, a segunda parte) e as contingências especificas da época, é possível encontrar na obra lições para analisar a modernidade? Que lições são essas? 

Nivaldo Cordeiro - O fato de na Alemanha não ter havido coisas como vimos na Revolução Francesa não minimiza o ativismo anti-cristão. Ao contrário, houve todo um esforço para apagar a importância da herança recebida do Império Romano e, em seu lugar, colocar os supostos grandes valores alemães. Goethe embarca nessa também, como disse. O poema reflete esse anseio de ligar diretamente a antiguidade clássica com as raízes germânicas, como se fosse possível apagar Roma e Cristo da história da Europa. O negócio foi doentio nesse nível. Por isso entendo que Goethe é uma mistura de profeta hebreu com Sófocles. Tempestade e Ímpeto dá cor a essa ânsia juvenil pelo germanismo. Mas o gênio de Goethe estava além do paroquialismo e do modismo. Werther ainda é o livro mais editado de todos os tempos. Essa tentativa de segmentar o Iluminismo me desagrada. Ele forma um todo. Determinou o descenso civilizacional e moral em que estamos metidos.

Garschagen - De que forma você avalia a influência de Fausto na cultura européia nos séculos seguintes ao seu lançamento? O que restou neste século XXI? 
Nivaldo Cordeiro - Profunda. Todos os grandes autores tiveram que lê-lo e copiá-lo, mas nem todos tiveram a sua envergadura e o seu bom senso para perceber as tolices do tempo. Nietzsche é um deles, levou Goethe às últimas conseqüências, de forma unilateral. Zaratustra é seu Mefistófeles. Thomas Mann, autor que quero estudar no segundo semestre, é outro. Nosso Machado de Assis teve no alemão (e no Cervantes, claro) seu modelo. E Guimarães Rosa, nosso grande épico, é seu descendente direto. Aliás, explorar Goethe e Thomas Mann agora é preparação para o projeto que tenho de, em 2012, me dedicar integralmente ao Grande Sertão, Veredas.

Outro que lia Goethe com devoção era Karl Marx. Especialmente nos Manuscritos Econômicos-filosóficos, mas também em O Capital, está lá o impávido Goethe. O comunismo é filho de Mefistófeles também. Não custa notar o paradoxo de que os nazistas também o eram. A ambigüidade da obra de Goethe é superlativa. 

Goethe é o profeta do que veio no século XX. Os versos dedicados a Lord Byron, na figura do personagem Eufórion, são arrebatadores e, se lidos com cuidado, refletem a personalidade doentia de Hitler. Aliás, os nazistas gostavam de ler Goethe, embora seu final lhes desagradasse muitíssimo. Fausto só entregou a alma quando realizou sua obra de colonização, de domínio da natureza, o verdadeiro espírito moderno. Para tanto, acontece o sacrifício de Filemon e Baucis, um dos crimes de sua coleção. Quando vi o vazamento radioativo de Fukushima, causado por um terremoto, não pude deixar de me lembrar vivamente dessa passagem. O agricultor japonês, cuja família tem cultivado uma propriedade desde o século XVI e que está impedido de vender sua produção por causa do acidente, encarnou de forma emblemática o destino do homem sacrificado pelas coisas da modernidade.

Garschagen - O que você verdadeiramente espera dos alunos ao ministrar um curso como esse? 
Nivaldo Cordeiro - Curiosidade intelectual, abertura da alma para os fossos profundos da nossa psique e da nossa história, anseio para descobrir o que é essencial em uma obra de grande envergadura universal. O curso é um convite a iniciar uma leitura madura do Fausto. Fiquei muito contente por já ver matriculados no curso inúmeros alunos que me têm acompanhado desde os cursos anteriores. É gratificante e me permitirá dar o sentido de continuidade ao esforço de apreender as coisas de nosso tempo. 

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".