por Geraldo Luís Lino em 7 de julho de 2010
Um dos maiores prejuízos que a histeria sobre a suposta influência humana no clima global tem causado é a exacerbação dos debates entre os defensores e os críticos dessa hipótese, que tem colocado uns e outros em campos opostos e quase inconciliáveis. Os resultados são divergências e altercações que, frequentemente, descambam para o lado pessoal e dificultam ou até impedem sinergias potencialmente proveitosas para o preenchimento das muitas lacunas que persistem no conhecimento da dinâmica climática e o esclarecimento público sobre o assunto. Com desagradável recorrência, interesses pessoais relacionados a uma visão estreita da defesa de carreiras e reputações acadêmicas, linhas de pesquisa (e as verbas correspondentes), à vaidade de integrar uma área científica elevada ao estrelato global ou até mesmo à dificuldade de admitir contestações que constituem um dos pilares do processo científico (todo cientista que se preza deve ser um cético permanente quanto ao estado da arte da ciência), fazem com que os questionamentos à visão alarmista popularmente difundida sobre o tema sejam recebidos como críticas pessoais e provoquem reações correspondentes.
Tive uma oportunidade de experimentar esse fato na 2ª. Conferência dos Países de Língua Portuguesa sobre Mudanças Globais e Desastres Naturais, realizada no Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 21-23 de junho últimos. Participei do evento como convidado para uma palestra e uma mesa redonda sobre o tema das mudanças climáticas.
Dei à palestra o título “Mudanças climáticas: fatos e factóides”, que, admito, era um tanto provocativo para uma plateia acadêmica, mas refletia plenamente a minha intenção: contrapor, aos pobres argumentos geralmente utilizados para atribuir à ação humana as variações climáticas dos últimos 150 anos, as evidências científicas que demonstram de forma insofismável que elas têm amplitudes e velocidades de variação muito menores que as drásticas oscilações de temperaturas, concentrações de gases de efeito estufa e níveis do mar verificados nas escalas histórica e geológica.
Com dados oriundos de pesquisas diversas publicadas na literatura científica de primeira linha, mostrei, entre outros itens, que:
- em 90% da história geológica do planeta, as temperaturas atmosféricas foram superiores às atuais; em compensação, 90% do Quaternário (os últimos 2,6 milhões de anos) se passaram em condições glaciais, com temperaturas bastante inferiores às atuais e capas de gelo de até 4 km de espessura cobrindo grande parte do Hemisfério Norte;
- na maior parte da história geológica, as concentrações do vilipendiado dióxido de carbono (CO2) foram de 5-15 vezes superiores às atuais; de fato, apenas na transição entre os períodos Carbonífero e Permiano, há cerca de 300 milhões de anos, houve níveis tão baixos de CO2 como no Quaternário;
- dentro do Quaternário, os níveis do mar oscilaram entre 130 metros abaixo e 4-6 metros acima dos atuais, variações controladas basicamente pelos ciclos de glaciação e degelo;
- o Quaternário é o período de mais drásticas e rápidas flutuações climáticas da história da Terra, o que significa que esta é a condição que o gênero Homo tem enfrentado em toda a sua existência;
- nos últimos 800.000 anos, a Terra tem experimentado ciclos de glaciação e degelo a intervalos bastante regulares de cerca de 100.000 anos; foram oito eras glaciais de cerca de 90.000 anos separadas por períodos interglaciais mais quentes, com duração da ordem de 10.000-12.000 anos; o presente interglacial, chamado Holoceno, já dura cerca de 12.500 anos e as evidências sugerem que será sucedido por uma nova glaciação, cujo início, não obstante, é impossível de ser prognosticado;
- é irracional se tentar mudar toda a base energética da economia mundial, que depende em mais de 80% dos combustíveis fósseis – petróleo, gás natural e carvão mineral –, por conta da presente e inusitada histeria com uma ligeira elevação dos termômetros (0,8 oC entre 1850 e 2000, perfeitamente explicável dentro dos ciclos climáticos observados no Holoceno);
- o que se precisa quanto à dinâmica climática é afastar o catastrofismo e buscar o seu melhor entendimento como um sistema complexo, caótico e não linear, para estarmos em condições de aumentar a resiliência da Humanidade diante de quaisquer condições climáticas futuras, sejam para aquecimento ou um mais provável resfriamento.
Acima de tudo, enfatizei repetidas vezes a inexistência de quaisquer evidências científicas concretas que fundamentem a hipótese “antropogênica”, que se baseia principalmente em projeções de modelos matemáticos que, embora sejam ferramentas científicas úteis, estão muito longe de simular adequadamente a complexa dinâmica climática e, portanto, não devem ser usados para fundamentar decisões políticas de alcance global, como as pretendidas restrições ao uso de combustíveis fósseis.
Minha palestra foi seguida pela professora Maria Gertrudes Justi, pesquisadora e educadora da maior seriedade e dedicação, que já foi presidenta da Sociedade Brasileira de Meteorologia e atualmente coordena o Grupo de Estudos, Previsões e Análises Climáticas da UFRJ e integra o Laboratório de Prognósticos em Meteorologia, que faz previsões operacionais e temporais para o estado do Rio de Janeiro – que era o tema da sua intervenção. Algo contrariada com minhas críticas aos climatologistas que confiam mais nos modelos que nas observações do mundo real (“Qualquer estudante de Geologia conhece essas variações climáticas extremas do passado geológico”, dissera eu), ela me disse, em tom jocoso: “Acho que os geólogos andam meio carentes nessa história.” E afirmou que teria preparado outra palestra se soubesse antecipadamente do tema da minha, comentário que repetiu durante a mesma, na qual contestou alguns dos meus argumentos e saiu em defesa da classe, apresentando aos geólogos presentes o repto de dizer se conheciam os princípios básicos dos modelos meteorológicos. Bem, não se tratava de uma contestação precisa em relação ao que eu havia dito, mas, paciência, faz parte do debate.
Porém, o curioso foi que o seu slide final continha observações que poderiam perfeitamente ser utilizadas por mim, inclusive, uma advertência contra o alarmismo infundado, que, segundo ela, é desmobilizador de esforços sérios para o enfrentamento dos problemas causados pelas mudanças climáticas – afirmativa que subscrevo totalmente. Quando ela desceu, sentei-me ao seu lado e observei-lhe tal fato. Na troca de ideias que se seguiu, as convergências foram muito maiores que as divergências, tendo ela admitido que os geólogos estavam certos em afirmar que a dinâmica climática precisa ser estudada a longo prazo.
Um dos pontos que discutimos foi o desvio de prioridades orientadas para a alegada comprovação da influência humana no clima, inclusive em termos orçamentários, que relega a um plano secundário outras iniciativas de importância bem maior para a sociedade. Um exemplo é a falta de um radar meteorológico adequado para o Rio de Janeiro, lamentada por ela na palestra, que muito poderia contribuir para minimizar os danos de eventos extremos como as enchentes de abril último (mas não faltam recursos para caríssimos supercomputadores destinados à modelagem climática).
A palestrante seguinte foi Maria Vale Real, da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, que discorreu sobre os planos estaduais de adaptação às mudanças climáticas, em grande medida baseados no uso dos créditos de carbono, instrumentos especulativos que eu havia rotulado como “futuros de fumaça”. Em dado momento, me citando diretamente, ela observou que o montante citado na minha palestra (130 bilhões de dólares em 2009) não correspondia à realidade, pelo menos à escala local. Como eu havia especificado que aqueles eram números globais, não me considerei contestado.
Por sua vez, o professor João Wagner Castro, chefe do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional, mostrou os resultados das pesquisas realizadas pelo seu grupo sobre as variações do nível do mar no Holoceno, ao longo de toda a costa brasileira. Os números são inequívocos, mostrando que há cerca de 5000-6000 anos eles eram de 3-4 m superiores aos atuais (idênticos aos registrados em outras partes do planeta, como eu havia demonstrado antes) – o que impossibilita atribuir à Humanidade a elevação média de cerca de 0,2 m observada desde meados do século XIX. Igualmente, mas usando de mais diplomacia que eu, ele criticou as tentativas de se considerar o tema como um “consenso” acabado e de se rotular como “politicamente incorretos” os questionamentos ao alarmismo climático.
Entretanto, a reação mais inflamada veio do prof. Manuel da Câmara, da Universidade de Lisboa, durante a mesa redonda. Sentado ao meu lado e desfiando sarcasmos, sugeriu sete motivos para que ninguém ficasse para assistir a sua palestra da tarde: porque ele era português; adepto do método científico; um cientista com numerosos trabalhos publicados em revistas de ponta; orientador de vários mestres e doutores; conhecia pessoalmente alguns dos cientistas criticados por mim; havia trabalhado com cientistas do Centro de Pesquisas Climáticas da Universidade de East Anglia (o centro do escândalo “Climagate”); e havia estudado nos sempre suspeitos EUA (entrando no clima, sugeri-lhe incluir os 7x0 que a seleção portuguesa aplicara na véspera à Coreia do Norte, na Copa do Mundo).
Depois de expor os seus motivos, o professor acusou-me de apresentar-me como cientista e de não ter feito ciência, mas a mesma ideologia que eu criticara como sendo uma das motivadoras do catastrofismo climático. Evidentemente, sempre enfatizo em minhas exposições que, apesar de ter a formação científica de geólogo, nunca desenvolvi atividades científicas profissionais, o que também havia deixado claro na palestra. Não obstante, a irritação do professor o fez atribuir-me exatamente o oposto do que eu havia dito.
Em minha réplica, ressaltei que minhas críticas às distorções que têm cercado as discussões climáticas não deveriam ser tomadas como criticas ou ofensas pessoais, e desculpei-me se alguém havia se sentido ofendido por elas. Mas insisti em que, por sua importância para os destinos da Humanidade, o assunto deveria ser devolvido ao terreno da ciência sólida, a dos fatos observados, contra a dos prognósticos baseados em modelos matemáticos sem comprovação no mundo real.
À tarde, na palestra do professor, sentei-me na primeira fila para acompanhar a sua interessante exposição sobre o uso de modelos matemáticos para prognósticos probabilísticos de incêndios florestais em Portugal. Demonstrando ainda não ter digerido a minha palestra, em vários momentos ele se dirigiu a mim, com expressões do tipo “como o Geraldo deve saber”, “o Geraldo certamente sabe” e outras do gênero. Ao final, não chegamos propriamente a fumar o cachimbo da paz, mas creio que ele acabou apreciando a pergunta que lhe fiz sobre o uso que as autoridades lusas faziam do seu trabalho (lá como cá, o entrosamento academia-governo deixa bastante a desejar).
Na mesma sessão, falou o Dr. Pedro Leite da Silva Dias, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), um dos principais defensores brasileiros da tese “antropogênica”. Na palestra, repleta de dados interessantes, ele admitiu com honestidade as limitações dos modelos matemáticos do clima e as incertezas dos cenários futuros, embora com a ressalva de que será preciso avaliar politicamente se os riscos justificariam a falta de ações para coibir as emissões de CO2. Nela, constatei que também poderia utilizar grande parte dos seus slides para justificar os meus pontos de vista opostos.
Apesar de não ter sido a primeira vez em que me deparei com tais fatos, saí do Roxinho (como é chamado o auditório do Instituto de Geociências desde os meus tempos de graduação, na década de 1970) pensando nesse insidioso fenômeno que transforma em antagonistas pessoas majoritariamente sérias e honestas, que, com suas próprias motivações, acertos e equívocos, consideram atuar a serviço da ciência, do bem comum e do progresso da Humanidade como um todo. Evidentemente, existem oportunistas, farsantes e vigaristas nesse meio, e deixei claro que indivíduos como o Dr. Michael Mann, líder da equipe que fraudou o famigerado gráfico do “taco de hóquei”, não merecem outra qualificação. Outros profissionais podem relegar as suas convicções – e dúvidas – científicas a um plano inferior em relação a eventuais vantagens decorrentes da facilidade de obtenção de recursos para o financiamento de pesquisas orientadas para os impactos humanos no clima. Mas as reações inflamadas às críticas ao “aquecimentismo” são uma constante quase universal entre os defensores do CO2 como o principal condicionante da dinâmica climática, mesmo quando motivadas tão somente pela crença no acerto de uma linha de pensamento.
Em alguns anos, será deveras interessante avaliar o desfecho desse equivalente contemporâneo do tristemente célebre “caso Lysenko”, quando a ideologia retardou por quase meio século o avanço das ciências biológicas na antiga URSS, na medida em que o edifício artificial do “aquecimentismo” desmoronar de vez e ceder novamente à ciência sólida dos fatos comprovados a primazia nos estudos climáticos e, ao bom senso, o direcionamento das políticas públicas.
O autor é Geólogo, diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e autor do livro A fraude do aquecimento global: como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial (Capax Dei, 2009); geraldo@msia.org.br
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