Marxismo, Direito e Sociedade
Debate: OLAVO DE CARVALHO e ALAOR CAFFÉ ALVES
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 19 de novembro de 2003.
Trecho que entra em detalhes do assunto que o Nivaldo nos traz:
Revolução Francesa – burocracia virtual, a classe revolucionária
Desde o reinado de Luís XIV se começa a formar, para fins militares, um princípio de organização burocrática estatal. Aos poucos essa organização burocrática vai tirando da aristocracia feudal as funções locais que elas exerciam (por exemplo, tribunais, juiz de paz, coleta de impostos etc.) e passando para a burocracia. É evidente que os aristocratas perdiam a sua função sem perder a sua quota dos impostos, criando então uma classe ociosa imensa, contra a qual se volta, com toda justiça, a Revolução Francesa dois séculos depois. Mas ao mesmo tempo que se forma a burocracia estatal, para preenchê-la é necessário ter funcionários preparados. Para ter funcionários preparados, é preciso haver uma expansão do ensino. Então cria-se, para uma multidão de pessoas de todas as origens sociais mais pobres, desde a pequena burguesia até os camponeses, uma promessa de subir na vida através do funcionalismo público. Este é um fenômeno inédito na História. E acontece que o funcionalismo público cresce, a burocracia cresce, e junto com ela cresce o ensino. Mas, naturalmente, o número de candidatos cresce formidavelmente mais. E com isso se cria uma legião de pessoas que têm alguma instrução e que aspiram ao cargo público e não o têm. É a esta classe que eu chamo a burocracia virtual .
Se você estudar a história de todas as revoluções (Revolução Francesa, Revolução Russa, Revolução Chinesa etc.) não através de impressões gerais e nomes de classes – gêneros universais como burguesia e proletariado – mas se você for vendo uma a uma a origem social dos líderes, era a esta classe que pertenciam. Esta é a classe revolucionária. Mais ainda: todas as revoluções que ela fez foram sempre em proveito próprio. Quem sai ganhando com as revoluções não é o proletariado e também não é a classe capitalista. É a burocracia virtual, que sempre legisla em causa própria, segundo a norma que foi assim enunciada pelo próprio Trotsky: “O encarregado da distribuição jamais se esquecerá de distribuir a si próprio em primeiro lugar.” Isto é norma, e é por isso que esses países onde o Estado não deixa a economia à sua própria mercê, onde a economia é controlada, são os mais pobres e os que têm os mais altos índices de corrupção. Isto é necessariamente assim, e não há solução enquanto o poder da burocracia, sobretudo da burocracia virtual, não for quebrado.
A burocarcia virtual no Brasil e a ideologização dos alunos
Numa pesquisa feita entre universitários brasileiros dois anos atrás, verificou-se que menos de 2% deles queriam ser empresários depois de formar-se. Todos queriam um emprego. De cara eu fico espantado, porque eu sempre ouvi dizer que a Universidade faz parte do aparelho ideológico da burguesia para formar a classe dominante, e de repente nós descobrimos que todos eles querem ser empregados. Que tipo de empregado? Não é necessário dizer. Então, isto quer dizer que vocês são burocratas virtuais, esperando para transformar-se em burocratas reais. Portanto, são por excelência a população da qual o movimento político revolucionário colhe os agentes de transformação social. Porque, evidentemente, não há lugar para os burocratas virtuais em nenhuma sociedade; só haverá lugar quando eles estiverem no poder. Ora, tomam o poder acreditando que vão pôr fim às injustiças. Uns acreditam, outros são mais cínicos e sabem que não.
Acabar com a desigualdade? Só aumentando-a ainda mais, muito mais, é lógico...
... para intervir numa briga entre o mais forte que oprime o menos forte, eu tenho de ser necessariamente mais forte que os dois. Isto quer dizer quequalquer intervenção política que vise a diminuir a desigualdade econômica tem de fazê-lo necessariamente aumentando a desigualdade política, portanto concentrando o poder político. Isto é uma regra jamais desmentida em qualquer processo revolucionário violento ou pacífico do mundo. Então, eu vou ter de concentrar o poder; concentra o poder, concentra o quê? O controle.
Por outro lado, se eu concentro o poder político, do que é que vive o poder político? O poder político não custa dinheiro? ... Isso quer dizer que se há uma concentração do poder político, há necessariamente uma concentração ainda maior do poder econômico.
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