12/06/2010
Quem escreve este artigo gosta de futebol, é torcedor do Internacional (cada um com os seus problemas, não é mesmo?), vibra com a seleção brasileira e estará na frente da "telinha" (já nem tão telinha assim, admita-se) em todas as partidas da Copa que puder assistir. Portanto, não me acusem de abordar este tema na mesma perspectiva de quem seja contra desfile de escola de samba porque não gosta de samba nem de desfile. Não é o meu caso. Não sou contra a Copa do Mundo. Sou contra a realização da Copa do Mundo na África do Sul. E no Brasil.
"Let it be!". Pois que seja, respondeu o bispo anglicano Desmond Tutu, meses atrás, quando lhe perguntaram se a dezena de estádios caríssimos que seu país estava construindo para acolher os jogos não iria redundar numa manada de "white elephants", que se tornaria, logo ali adiante, objeto da mais infrutuosa apreciação. A pergunta fazia todo sentido e a resposta do bispo é a cara do Terceiro Mundo. Let it be! A FIFA impõe aos países eleitos para acolher seu empreendimento exigências que só se cumprem despejando bilhões de dólares nas betoneiras das construtoras e nos altos fornos das siderúrgicas. Se fosse bom negócio, não faltariam empreendedores interessados em bancar a festa porque sobra no mundo dinheiro com tesão para o crescei e multiplicai-vos. O evento da FIFA, no entanto, precisa dos governos em virtude da insaciável atração que essas instituições têm por negócios que fecham no vermelho. A entidade promotora reserva-se o filé: os direitos de transmissão e os patrocínios oficiais, que negocia e protege com todo rigor. Na África do Sul chegou a processar uma fabriqueta de pirulitos que envolveu o sofisticado produto num papel onde se via uma bola de futebol, a bandeira do país e o número 2010.
Nada contra a FIFA, porém. Ela tem todo o direito de zelar pelos seus interesses e o futebol mundial precisa da entidade. Meu problema é com os países pobres que se oferecem de pato a ganso para sediar o principal evento do futebol mundial. E jogam bilhões e bilhões de dólares na fogueira das vaidades nacionais, no picadeiro do circo, em busca de uma vitrina tão iluminada quanto fugaz, para inglês ver. A África do Sul é um país com indicadores sociais aviltantes. Seu índice de mortalidade infantil consegue ser o dobro do brasileiro. A expectativa de vida não chega a 50 anos. E está custeando um dos dois mais onerosos shows do planeta para que eu assista em casa, de graça, com todos os requintes da mídia eletrônica. Bom para mim, mas não tão bom assim para os sul-africanos.
Ao ver as muitas matérias sobre a África do Sul (parecida com nosso país em tantos aspectos!) veio-me à mente a situação dos que vivem da aparência, ostentam o que não podem custear e trocam minutos de aprovação social pela rotina das ações de cobrança. "Casaco de veludo e fundilhos de fora", dizia-se lá na minha Fronteira.
Construam-se os Coliseus. Venha o circo. E mande-se a imensa conta para os pobres e deserdados, através dos muitos caminhos inventados pelos peritos na velha arte de lhes transferir tais custos mediante impostos caros e serviços deficientes.
* Percival Puggina (65) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezena de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo e de Cuba, a tragédia da utopia.
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