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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

DOIS CONCEITOS DE LIBERDADE

Fonte: HEITOR DE PAOLA


Dois Conceitos de Liberdade


CASIMIRO DE PINA




Nasceu em Riga, na Letónia, nos inícios do séc. XX. Mas era britânico por convicção.


Quando eclodiu a célebre “Revolução Russa”, em 1917, era ainda bastante jovem, mas a sua família foi marcada pelos dramáticos acontecimentos, que viriam a ter uma forte influência no seu percurso intelectual e na sua formação.


A experiência totalitária, com a tirania do Partido Único (guardião do “interesse geral”) e a sua demoníaca pretensão de “engenharia social”, numa efervescência utópica delirante, iria marcá-lo decisivamente.


Falo de Sir Isaiah Berlin, um dos maiores pensadores políticos da época contemporânea e um defensor qualificado da liberdade e dos seus pressupostos ético-filosóficos.


A reflexão de Berlin é, a um tempo, suave e fascinante.


Conhecedor profundo da História das Ideias, Berlin escolheu alguns pensadores como pontos de referência, construindo um diálogo versátil com certos “adversários da liberdade”, entre os quais Jean-Jacques Rousseau, Hegel e Marx, sem esquecer Maquiavel, Herder, Vico ou mesmo Schiller.


A sua obra é um daqueles milagres que marca, para sempre, toda uma cultura ecivilização.


Qualquer debate instruído sobre as democracias constitucionais tem de passar, pois, sob pena de um retrocesso intolerável, pelo “planeta Berlin” e pelos seus contributos seminais.


É impossível resumir, num simples artigo de jornal, uma obra tão elegante e tão complexa. Mas creio que o contributo fundamental de Isaiah Berlin, em termos de ideias políticas, foi a definição (ou o aprofundamento) dos chamados “dois conceitos de liberdade”. A partir dele, esta distinção tornou-se canónica na filosofia política ocidental.


Nunca mais me esqueço de um alerta fundamental que li, há uns anos atrás, em Berlin: ser livre é “ser alguém e não ninguém”. Trata-se de uma resistência moral contra a massificação e o colectivismo. Foi o Cristianismo que descobriu a Pessoa nessa dimensão única, enquanto imago Dei e projecto irrepetível na sua intocável dignidade.


A Tradição da Liberdade, de que Berlin é um representante destacado, arranca justamente desse pressuposto Cristão, hoje tão esquecido pelas correntes “pós-modernas” e relativistas.


Basta revisitar os Federalist Papers ou ler a Declaração de Independência norte-americana, de 1776, para se ter a devida noção das coisas e da verdade.


Quais são, então, os “dois conceitos de liberdade”? A resposta é relativamente simples: a liberdade negativa e a liberdade positiva.


Por “liberdade negativa” entendia Berlin a ausência de constrangimentos, ou seja, uma esfera[i] de actuação em que o indivíduo vê-se livre de qualquer coacção ou restrição externa. Corresponde, basicamente, à concepção liberal clássica. Trata-se das “liberdades civis”, ou, na terminologia das modernas constituições, dos “direitos, liberdades e garantias”.


Stuart Mill, em 1860, não estava longe disso, quando falou, no seu clássico On Liberty, do “reconhecimento de certas imunidades” – “[…] called political liberties or rights, which it was to be regarded as a breach of duty in the ruler to infringe, and which, if he did infringe, specific resistance, or general rebellion, was held to be justifiable”.


É flagrante a semelhança entre esta passagem de Mill e o art. 19.º da actual Constituição da República de Cabo Verde: “É reconhecido a todos os cidadãos o direito de não obedecer a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão ilícita, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”.


Por sua vez, a “liberdade positiva” corresponderia aos chamados “direitos sociais”. Requer-se, neste caso, uma actividade prestadora do Estado, para que o indivíduo possa concretizar, na prática, a sua autonomia pessoal.


Se um rapaz pobre de aldeia não puder frequentar uma escola, onde possainstruir-se e preparar o futuro, a sua “liberdade de aprender” perde todo o significado.


As duas liberdades são, deste modo, complementares, mas Berlin, como um bom liberal, dava primazia à primeira.


É que o agigantamento do Estado, em nome do “bem-estar”, pode levar à supressão de “círculos” crescentes de liberdade e à instauração de políticasassistencialistas, com todos os vícios que isto acarreta.


O défice público e o aumento do desemprego estão normalmente associados a esse tipo de políticas.


O ideal, num Estado democrático, é que haja a máxima liberdade possível, salvaguardando-se, para tal, a iniciativa privada e o espírito de inovação. Schumpeter explicou, com brilho, como se processa a imponente “destruição criativa”.


Sem isso, não há progresso tecnológico nem autêntica realização humana. Mas tem de haver, também, um “chão comum de cidadania” (João Carlos Espada), sendo lícita a intervenção do Estado para proteger aqueles que realmentenecessitam.


O sentimento de compaixão é um traço marcante na filosofia moral de Adam Smith.


Contudo, a intervenção estatal há-de ser complementar e subsidiária, sem pôr em causa a prioridade da sociedade civil, tal como tem sido propugnado, por exemplo, pela Doutrina Social da Igreja, desde 1891.


Isaiah Berlin, um gentleman, não desprezava o valor da solidariedade. A sua concepção de liberdade só é compreensível, aliás, ao lado de um outro conceito que ele estimava bastante: o “pluralismo ético”. O mundo é composto por vários valores e não se pode sacrificar um em detrimento dos restantes.


J. C. Espada, numa bela síntese, recordou-nos as palavras sábias de Isaiah Berlin:


“‘Liberdade é liberdade, não é igualdade, ou equidade, ou justiça, ou cultura, ou felicidade humana, ou uma consciência tranquila’. Esta é uma das muitas célebres passagens do mais famoso ensaio de Isaiah Berlin (1909-1997), ‘Two Concepts of Liberty’. O texto serviu de base a uma conferência em Oxford, em 1958. Ainda hoje continua a ser discutido, objecto de estudo, tema de livros e dissertações académicas” (http://www.ionline.pt/conteudo/12722-isaiah-berlin-liberdade-e-pluralismo).


Os valores convivem, portanto, numa tensão precária e difícil.


O equilíbrio, atrevo-me a acrescentar, só é alcançável pelo diálogo democrático, através das leis e da prática jurisprudencial, convocando, naturalmente, um “modelo de argumentação” razoável, no quadro dos princípios constitucionais e de uma como que “tradição de compromisso”, que, aliás, é dinâmica e passível deactualização em cada momento histórico.


Mas é fundamental ler Isaiah Berlin e discutir os seus ensinamentos.


Se o dr. José Maria Neves[ii] tivesse lido Berlin, jamais diria que a liberdade remonta a…Amílcar Cabral!


Compreenderia a diferença entre Soberania e Liberdade, sendo esta última profundamente tributária do chamado “governo limitado”, peça central no pensamento anglo-americano.


Cabral[iii], admirador de Lenine, o “pai fundador” dos bolcheviques, defendia uma “democracia revolucionária” que nada tinha a ver com isso. No plano jurídico-político, Amílcar nunca se afastou da “vodka” marxista-leninista.


A afirmação de Neves não é, porém, um disparate isolado. É, mais do que isso, um resquício da cultura totalitária, que paira, como uma nuvem negra, sobre a jovem democracia cabo-verdiana.


Até quando?

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".