Nivaldo Cordeiro, Economista, 24/09/2008
“Se a canoa não virar, eu chego lá.”
Emilinha Borba
Se o negócio era tão bom, porque não foi tentado antes? A velha pergunta que os caipiras do interior se faziam cabe como uma luva para se tentar entender a maneira como o governo Bush está tentando enfrentar a crise que se instalou nos últimos dias. A solução aventada é uma só: estatização das perdas. Ora, se era assim tão fácil, porque a ciência econômica e a ciência política não reconhecem como legítima e necessária uma ação assim? Certo, o marxismo e o keynesianismo é que propõem essas ações, mas as pessoas sensatas, no poder, ignoram-nas enquanto podem. São os falsos ramos da ciência. Nos momentos de crise é que esses facilitários são considerados e implementados, em total perda da razão.
A história econômica desde o século XX tem sido esse duelo entre a racionalidade e a suposta facilidade proposta pela estatização. A cada crise – incluindo aquela de 1929, paradigma da crise atual – o que temos visto é o paulatino agigantamento do Estado, pelo lado da receita, da despesa e da regulação da vida prática. É como se nos momentos de crise a ciência perdesse relevância, entrando em seu lugar o sonho gnóstico de que é possível a salvação nesse mundo.
Numa palavra, é como se fosse dado ao homem, usando o instrumento do Estado, a capacidade de eliminar os riscos e os perigos da existência. O Estado e sua enorme burocracia propõem-se a reinventar a realidade, supostamente produzindo uma saída pela esquerda, de forma indolor. O máximo que têm conseguido é adiar os ajustes.
Há décadas a mágica da expansão econômica impulsionada pela inflação foi apresentada como algo normal e desejável. Os preços dos imóveis e dos ativos em geral foram inflando, até contaminar as commodities (o preço estratosférico do petróleo é apenas o rebento mais visível do processo). Chegado o momento do ajuste, vez que a expansão inflacionária tem limites claros, vem a burocracia estatal propor mais do mesmo: mais inflação em troca do adiamento e mesmo a superção indolor da crise. É claro que não vai dar certo, não pode dar certo. Se o negócio era tão bom, porque não foi tentado antes? Porque é irracional e imoral a ação de salvamento. Simples assim.
O problema é que as sociedades de massas atuais estão viciadas em chamar o Estado como se fosse uma panacéia, sempre que a situação fica crítica.
O novo Baal está sempre disponível e sua burocracia fica permanentemente produzindo fórmulas teóricas de auto-justificação, supostamente científicas, para fazer seu próprio agigantamento. Foi assim que adentramos ao século XXI, com as economias cobrando algo em torno de 40% do PIB em impostos, exceto a norte-americana, que usa mais do que ninguém da válvula do endividamento público e da emissão inflacionária para a cobertura do déficit estatal gigantesco. A presente crise é aguda porque está impondo o reconhecimento de que a realidade do gasto público nos EUA é muito grave e que o atual nível de déficit é insustentável.
Uma das conseqüências inevitáveis da crise será a elevação dos impostos. É possível que nos próximos anos a taxa de tributação dos EUA seja alinhada com aquela verificada na União Européia.
Obviamente que a crise tem conseqüências reais, além daquelas verificadas na esfera econômica. A fragilidade estratégica é uma delas. Hoje a saúde financeira dos EUA depende da boa vontade de inimigos como a China e a Rússia, detentores de grandes superávits em dólares. Esses países podem ser cooperativos, mas agora depende deles o que vai acontecer. Se finanças podem ser usadas como arma de guerra, nunca a conjuntura foi tão propícia para um conflito assim.
O Ocidente nunca se encontrou em fragilidade tão grande.
Na prática, o que se verifica é a interdependência. Uma eventual derrocada da economia doméstica dos EUA é literalmente a derrocada do mundo. Todos perderiam. A pergunta é: valeria a pena acabar com o reinado estratégico dos EUA, mesmo ao preço de alguns anos de grave crise? Talvez valha, tudo é uma questão da análise de quem sairá vencedor dessa suposta guerra. O fato real é que algo assim tornou-se possível e bem próximo de todos. Ninguém escaparia da catástrofe de uma derrocada econômica, com todas as implicações e conseqüências previsíveis, inclusive no plano militar.
Em conclusão, pode-se dizer que a saída irracional das limitações da realidade econômica – inflação e mais estatização – são simples torniquetes para estancar hemorragias grandes. Não resolvem o problema. Torniquetes não servem para curar a sangria de um membro amputado. É aguardar os próximos movimentos, que os R$ 700 bilhões do Bush ainda ficaram no plano das intenções. Tempos de grandes perigos.
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