Do portal da GAZETA MERCANTIL
23 de Setembro de 2008
Em outubro de 2003, o país foi confrontado com a anatomia de uma delinqüência que, praticada 15 anos antes pelo deputado constituinte Nelson Jobim, assumiu dimensões bem mais perturbadoras ao ser revelada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim.
Com a naturalidade de quem está explicando por que prefere chimarrão a café, o parlamentar gaúcho encarregado de redigir o texto definitivo da Constituição de 1988 confessou ter infiltrado dois artigos que não foram sequer examinados pelo plenário. Se o país tivesse juízo, a reação indignada generalizada obrigaria Jobim a devolver a toga, identificar os textos contrabandeados, pedir perdão ao povo em geral e a seus eleitores em particular, voltar aos pampas e ali esperar a intimação judicial. Mas o Brasil não faz sentido.
Como pôde ter sido ministro da Justiça quem faz uma coisa dessas?, berrariam milhões de suecos. Como pode alguém assim ser vice-presidente do tribunal que decide o que é ou não constitucional?, urrariam incontáveis finlandeses. Os balidos franzinos do rebanho confirmaram que o Brasil é o único país com hímen complacente. Três dias depois de se tornar réu confesso, Jobim voltou espontaneamente ao tema, para explicar que não agira sozinho.
As infiltrações ilegais, esclareceu, haviam sido encomendadas pelo deputado Ulysses Guimarães, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte morto no começo dos anos 90. Ulysses não pôde comentar a versão que o reduziu a mandante do crime de falsificação de documento público. Sem testemunhas por perto, Jobim seguiu adiante.
Instalado pouco depois na presidência do STF, cuidou com muito zelo do escândalo do mensalão, virou amigo de Lula e, logo, ministro da Defesa. Se jamais coubera em si mesmo, Jobim não caberia num cargo só. Em um ano, acumulou sucessivamente as funções de general da selva na Amazônia, almirante e timoneiro de submarino nuclear na França e na Rússia, brigadeiro vitorioso no combate ao apagão e pacificador do Exército.
É muita coisa.
A solução é acabar com o sigilo da fonte, prescreveu Jobim. A notícia não ajuda a nação? Cobre-se de quem pecou a origem do pecado. Por enquanto, não parecem em perigo nem o segredo do confessionário nem o sigilo profissional invocado pelo criminalista Jobim para esconder o que ouviu dos clientes bandidos. Ao menos na primeira etapa, só o sigilo da fonte está na mira do homem que guardava segredos por 15 anos. Jobim pareceria mais convincente se, antes de qualquer outro, quebrasse o próprio sigilo. E contasse quais são os artigos que estupraram a Constituição.
Um livro indispensável
"O País dos Petralhas" confirma: não há outro polemista tão talentoso, inventivo, culto, corajoso, bom de raciocínio e bom de mira quanto o jornalista Reinaldo Azevedo, comandante do blog mais freqüentado do Brasil. Quem não tiver lido até o fim do mês essa coletânea de textos exemplares não merece passar de ano. Nem o direito de sonhar com a salvação.
E-mail: augusto@jb.com.br
(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 8)(Augusto Nunes)
Nenhum comentário:
Postar um comentário