por Ron Paul, terça-feira, 21 de dezembro de 2010
N. do T.: o congressista americano Ron Paul, vigoroso seguidor da Escola Austríaca de Economia e incansável proponente da abolição do Banco Central americano (o Federal Reserve), foi recentemente nomeado chefe do subcomitê de política monetária do Congresso americano. O subcomitê possui jurisdição sobre política monetária, moeda, preços das commodities e assuntos relacionados ao Banco Central americano em geral.
Trata-se de um acontecimento e tanto, pois jamais um político seguidor da Escola Austríaca teve tanto poder de escrutínio sobre a maior instituição falsificadora do mundo — uma instituição cujas medidas afetam a moeda de absolutamente todos os países do mundo.
Veja sua entrevista logo abaixo.
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Conseguirá o Fed sobreviver aos ataques de Ron Paul?
Por Nin-Hai Tseng, repórter de economia e finanças da revista Fortune
Se há algo a ser dito sobre o Congressista americano Ron Paul, é que ele certamente é uma pessoa obstinada. E que aquele ardor que o ajudou a ganhar a reputação de ser o "republicano solitário" parece, ultimamente, estar gerando frutos.
O obstetra afável e de fala mansa é o representante do 14º Distrito do Texas desde 1977 e passou a maior parte de sua carreira política afirmando que o Banco Central americano é uma instituição maléfica para os EUA e para o mundo, além de ser excessivamente secreta. Ele não entende por que há um excesso de fé no dinheiro de papel, principalmente no dólar americano. Se Paul pudesse fazer as coisas do seu jeito, haveria um retorno ao padrão-ouro. Ele inclusive argumentou sua tese em seu livro, End the Fed.
Paul é um fiel adepto da Escola Austríaca de pensamento econômico — a qual diz que o governo não tem função alguma na regulação da economia. E, durante anos, ele sempre defendeu que o Congresso não incorresse em qualquer medida que não fosse explicitamente autorizada pela Constituição americana ou que ele visse como sendo gasto supérfluo, incluindo-se aí — como destacou um recente artigo do The New York Times — questões tão cerimoniais quanto honrar Madre Teresa com a Medalha de Ouro do Congresso.
Não há dúvidas de que as ideias de Ron Paul estão fora da corrente convencional e das margens pré-estabelecidas como aceitáveis para o debate. Em determinados momentos, suas ideias são incômodas e vistas como facilmente rejeitáveis sob o rótulo de 'retórica política extremista'. Mesmo alguns libertários nem sempre estão de acordo com o político texano.
Entretanto, recentemente as ideias de Paul estão ganhando a atenção que ele e seus defensores há muito esperavam. No início de dezembro, Paul foi escolhido para liderar o subcomitê de política monetária doméstica. Isso significa que ele irá ajudar a fiscalizar a instituição a que ele se opõe — o Banco Central americano —, bem como a moeda e o valor do dólar.
No mínimo, parece que a escolha veio no momento certo para solidificar as ideias que Paul vem defendendo há décadas. O apoio ao congressista aumentou consideravelmente com a ascensão do Tea Party, cujas frustrações com os pacotes de socorro do governo americano aos grandes bancos e às grandes empresas se alinham às ideias de Paul.
Encontrei-me com Paul para conversar com ele sobre sua nova função, sobre como o mundo poderia voltar ao padrão-ouro e sobre a eleição presidencial de 2012. A seguir, uma transcrição ligeiramente editada de nossa conversa.
Qual o problema com o Banco Central?
Um banco central faz um serviço que é impossível de ser feito. Portanto, não se trata de culpar uma única pessoa. O culpado não é apenas o atual presidente ou o presidente anterior. O principal problema é a pressuposição de que os burocratas da instituição podem saber ao certo qual deve ser a taxa de juros do momento, qual deve ser a oferta monetária, ou mesmo a suposição de que é possível ter preços estáveis ao mesmo tempo em que se imprime dinheiro. Há ainda o grande problema de se imaginar que o desemprego pode ser solucionado pela simples manipulação da oferta monetária.
O senhor acha que o país estaria melhor sem um Banco Central?
É claro. É melhor que não tenhamos depressões, inflação, caos econômico e todos os outros problemas por que passamos. Não teríamos esse sistema furtivo de financiamento de programas de um estado gigante. Seria impossível o estado financiar suas guerras e seus vários programas assistencialistas, coisas que apenas fazem com que o estado cresça ainda mais e torne as pessoas — ricos e pobres — dependentes do assistencialismo. Nada disso pode acontecer sem um banco central.
O que o senhor acha da última medida do Fed de começar a injetar US$ 600 bilhões de dólares na economia americana na esperança de estimular a recuperação por meio da compra de títulos de longo prazo em posse dos bancos?
É terrível. Eles nos jogaram nessa encrenca porque houve um afrouxamento monetário excessivo. Foi a contínua inflação da oferta monetária e taxas de juros artificialmente baixas que levaram os EUA à sua atual situação econômica — isso nos deu todas as bolhas por que passamos e você não pode resolver todos os problemas causados pela inflação simplesmente gerando mais inflação. Já tivemos a primeira rodada de afrouxamento monetário; estamos agora na segunda. Porém, dessa vez será sob a orquestra de Bernanke. Eles não falaram que houve afrouxamento monetário sob o comando de Greenspan, mas essencialmente houve a mesma coisa — uma maciça inflação da oferta monetária, com taxas de juros muito abaixo das que prevaleceriam no livre mercado.
Então como o senhor acha que seria a economia sem o Banco Central?
Provavelmente teríamos uma economia muito mais saudável — certamente, ela não seria tão frágil. Ninguém estaria se preocupando com taxas de câmbio e as pessoas não estariam comprando e vendendo moedas estrangeiras e gastando toda a sua energia elaborando estratégias para se defender da perda do poder de compra. Ademais, também não teríamos um arranjo em que o Banco Central cria dinheiro do nada e o dá de graça para os bancos, o que faz com que estes tenham bilhões de dólares de lucro sem ter produzido nada. E as pessoas mais pobres, que estão aposentadas e com renda fixa, não apenas não ganham nada, como também têm seu poder de compra corroído pela inflação. E, por causa dos ciclos econômicos que um banco central cria, as pessoas perdem seus empregos e, no caso americano, seus imóveis. Não teríamos nada disso sem um banco central.
Isso tudo foi muito claramente previsto pela teoria econômica da Escola Austríaca. Aconteceu como imaginado e tudo tem sido muito preocupante para o Fed, pois agora eles terão de reconhecer que suas teorias estão completamente erradas. E eles não farão isso elegantemente.
Como presidente do subcomitê do Congresso para supervisionar a política monetária, uma função que, dentre outras coisas, supervisiona o Banco Central, o senhor mencionou que irá renovar a pressão por uma auditoria completa do Fed. O que senhor espera lograr com isso?
Essa auditoria deixaria claro quem são os beneficiários das políticas do Banco Central. Eles divulgaram algumas informações recentemente, mas na verdade não disseram exatamente nada sobre para onde foi o dinheiro dos pacotes de socorro e que tipo de colateral o Banco Central recebeu dos bancos em troca desses resgates. As pessoas deste país merecem saber quem são os beneficiários e qual o orçamento deles. O que foi dado de graça pelo Banco Central é maior do que o Congresso, algo bastante incrível. O Banco Central opera sem restrições orçamentárias. Eles não precisam prestar contas a ninguém.
E quem o senhor acha que são os beneficiários?
Não sabemos exatamente, mas obviamente são os grandes bancos, as grandes empresas, os bancos centrais estrangeiros e os governos estrangeiros.
Como o senhor acha que essas grandes empresas se beneficiaram com o Banco Central?
Elas recebem dinheiro gratuito. Quero dizer, o Banco Central permite que elas sejam supridas de dinheiro em determinados momentos. O livre mercado teria feito com que a General Motors fosse à falência, assim como várias outras empresas que também receberam benefícios. Os bancos teriam de reavaliar seus ativos e as dívidas ruins teriam sido liquidadas. Ao invés disso, o que foi feito? Todos os derivativos impagáveis e todos os ativos ilíquidos foram jogados na conta dos pagadores de impostos. Ao invés de as pessoas que ganharam todo esse dinheiro na época da bonança sofrerem, elas foram socorridas; e as pessoas que ficaram com a conta da farra na mão são os cidadãos comuns, pagadores de impostos.
O senhor há muito tempo defende que o mundo retorne ao padrão-ouro. Que futuro o senhor vê para o dólar americano?
Com o tempo, o mundo abandonar o dólar. É por isso que os mercados financeiros estão tão turbulentos — eles não sabem o que fazer. O preço do ouro está subindo constantemente, assim como os preços das commodities. E a maioria das pessoas sabe que o mundo não continuará sendo otário a ponto de continuar aceitando nossos dólares eternamente. Quero dizer, se os EUA podem criar trilhões de dólares do nada e com isso achar que podem comprar bens e serviços para sempre... algum dia as pessoas inevitavelmente irão parar de participar desse esquema. E eu acho que já estamos começando a ver os sinais desse fenômeno.
Por outro lado, o euro não gera nenhuma confiança superior ao dólar. Todas as moedas são meros pedaços de papel. Assim, a única maneira de você medir o valor da moeda é utilizando algo que tem sido usado há 6.000 anos: o ouro. E tal medidor, obviamente, mostra que todas as moedas estão se enfraquecendo, o que significa que, em algum momento, as crises irão se intensificar. A mensuração, portanto, deve ser em termos do poder de compra da moeda.
Creio que o que vai acontecer é aquilo que aconteceu nos últimos 10 anos. As pessoas começarão a utilizar o ouro como dinheiro, trocando alguns de seus ativos de papel por ouro. O poder de compra do ouro vai subir e isso ocorrerá para todas as moedas, ainda que possa haver pequenas flutuações, como por exemplo o iene saindo-se melhor que o euro — esse tipo de coisa.
O senhor realmente acha que os EUA poderiam adotar o padrão-ouro? Como isso poderia acontecer na prática?
Não se trata apenas de uma confiança no padrão-ouro, mas sim da falta de confiança no dinheiro de papel e na insanidade que é você poder criar dinheiro literalmente do nada. Ao longo de toda a história, vimos que a moeda tem de ser um ativo real, seja ela prata ou ouro, dependendo da situação. As pessoas sempre querem algo de valor real.
Veja quantas pessoas possuem dinheiro aplicado em ETFs que representam ouro. Bilhões e bilhões de dólares. Eu sempre me considerei como estando no padrão-ouro. Comecei a estudar esse assunto na década de 1960, assim como as previsões de que o sistema de Bretton Woods não tinha como funcionar por muito tempo. Quando ele entrou em colapso em 1971, a coisa realmente ganhou minha atenção. Naquela época, você comprava ouro por US$ 35 a onça. Apliquei minhas reservas em ouro e digo apenas que não foi nada mal. As pessoas que, na mesma época, tivessem colocado uma pilha de papel-moeda dentro de um cofre teriam perdido até hoje aproximadamente 80% do seu poder de compra, ao passo que o poder de compra do ouro disparou.
Mas aí alguns diriam que o investimento em ouro também é uma bolha. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Elas podem achar isso, mas creio que são os títulos do governo que estão numa bolha, assim como o dólar. Mas não, não acredito que o ouro esteja numa bolha. Haverá correções, é claro — o ouro pode cair US$ 200 ou US$ 300 e isso não provaria nada.
Embora eu tenha escrito o livro chamado End the Fed [algo como Acabem com o Banco Central], eu não digo que o Banco Central deve ser abolido em um dia. Tudo o que eu defendo é que se obedeça a Constituição americana, que diz que apenas ouro e prata podem ser moeda de curso forçado. Temos uma multiplicidade de moedas sendo utilizadas ao redor do mundo a todo momento. Não há motivos para não termos um conjunto de moedas circulando livremente aqui dentro dos EUA. Portanto, deveríamos poder utilizar ouro e prata para poder pagar nossas dívidas. Hoje, se você fizer isso, será preso.
Como o senhor acha que a economia iria melhorar caso o padrão-ouro fosse adotado?
A transição é uma coisa um tanto complexa, porém se estivéssemos em um padrão-ouro a economia estaria muitas vezes mais robusta e não teríamos os ciclos econômicos. Não teríamos de passar por períodos de crescimento artificial seguidos de períodos de recessão. Os preços seriam relativamente estáveis, o poder de compra da sua moeda seria estável, o balanço de pagamentos se ajustaria automaticamente.
Ao longo do século, a oferta de ouro no mundo aumentou em uma média de 2 a 3% ao ano. Se mais pessoas passam a demandar ouro e não há um aumento da oferta do metal, isso faz com que o poder de compra do ouro aumente. E isso aumenta os incentivos para que as pessoas garimpem ouro. Portanto, tal arranjo vem funcionando há séculos, senão há milhares de anos.
O senhor que acabar com o Banco Central americano?
Bom, eu não espero que isso realmente venha a ocorrer. O Fed vai se acabar sozinho quando ele destruir o sistema monetário. Portanto, sim, eu aboliria o Fed, mas eu faria isso gradualmente e teria uma transição. Eu deixaria que as pessoas pudessem voluntariamente escolher a moeda que querem utilizar, tendo a liberdade de não utilizar uma moeda que está se depreciando. Apenas pense no quão terrível é o fato de que as pessoas ganham 1% em depósitos a prazo enquanto os bancos ganham dinheiro de graça e utilizam-no para comprar títulos do Tesouro a 3 ou 4%, tendo lucros de bilhões de dólares. Simplesmente não é um arranjo justo e as pessoas aqui nos EUA estão começando a acordar para isso.
O senhor é um grande entusiasta da Escola Austríaca de economia, a qual diz que o governo não deve regular a economia. Algumas pessoas dizem que foi a falta de regulamentação econômica que contribuiu para a crise financeira. O que o senhor diria quanto a isso?
Creio que houve na verdade um excesso de regulação. O que eles fizeram foi criar desequilíbrios mantendo taxas de juros artificialmente baixas, o que estimula endividamentos excessivos e investimentos errôneos. Por exemplo, o Fed manteve as taxas de juros artificialmente muito baixas, o que fez com que as construtoras construíssem muitos imóveis, pois o financiamento era farto. Como a demanda continuava aquecida em decorrência dos juros baixos para as hipotecas, os preços dos imóveis pareciam que iriam subir para sempre. Aí, para piorar, vem o congresso e aprova uma lei de ação afirmativa dizendo que você deve conceder empréstimos a todo tipo de pessoa, mesmo para aquelas que não possuem qualquer histórico de crédito. Até presidiários podiam se qualificar. Todos teriam o direito a um imóvel. Isso não é um excesso de regulação?
O senhor se candidatará a presidente em 2012?
É claro que sempre há essa hipótese. Provavelmente vai depender do meu humor em janeiro e fevereiro próximos. Ainda não me decidi. Há muitos apoiadores e entusiastas bastante ansiosos para que eu o faça. No momento, estou totalmente indeciso.
Parece que vários candidatos a presidente irão adotar uma posição neutra em certos tópicos mais sensíveis. O senhor em algum momento se caracterizaria a si próprio como extremista?
Não, eu acho que o arranjo que existe hoje é que é extremista. É algo completamente excêntrico. Eu quero apenas equilibrar o orçamento — não sei como isso pode ser considerado algo extremista. Eu quero um governo limitado, quero liberdades civis e quero trazer nossas tropas de volta pra casa.
Mas alguns diriam que abolir o Banco Central é um tanto extremista, o senhor não acha?
Não, eu acho que imprimir dinheiro é que é algo extremo e maluco. Creio que é uma obscenidade permitir que o Banco Central imprima US$ 3,3 trilhões e sequer nos diga onde foi parar esse dinheiro. Para mim, isso é que é extremo. E é em relação a isso que o povo americano está começando a despertar. O governo está totalmente fora de controle. É quanto a isso que eu creio que todo mundo dentro do movimento Tea Party concorda.
Ron Paul é médico e congressista republicano do Texas. Foi candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008. Seu website: http://www.campaignforliberty.com/
Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque
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