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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Reconheço, a culpa é toda minha

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO
Olavo de Carvalho - 1/2/2010 - 21h38



Se eu escrevesse de maneira complicada e obscura, se me abstivesse de usar certos truques pedagógicos para despertar a intuição no leitor, nem o mais presunçoso dos imbecis julgaria me compreender.

Recebi outro dia mais um rosário de queixas contra a minha pessoa e os meus escritos, onde o remetente acreditara encontrar provas inequívocas da minha maldade, prepotência e demoníaca soberba, além de uma infinidade de erros lógicos, factuais, morais e gramaticais que, se comprovados, bastariam para fazer de mim um forte candidato a ministro da Cultura do governo Dilma Roussef.


Como em geral acontece nesse gênero de mensagens, porém, os erros que o sujeito me imputava eram apenas aparências de erro nascidas de uma leitura mal feita, se não de uma percepção estruturalmente deformada, o efeito mais geral e permanente daquilo que no Brasil se chama, por motivos insondáveis, "educação".


Só para dar um exemplo, o cidadão se dera o trabalho de revirar o Google para saber quantas vezes eu repetira tal ou qual termo técnico, expressão latina ou alusão literária e daí concluir, por um salto lógico imensurável, que eu não tinha o direito de acusar os esquerdistas de escreverem todos da mesma maneira, com cacoetes de linguagem que os identificam à distância. Em suma, ele confundia aquele conjunto de cacoetes personalizados, que assinala a presença de um estilo, com a perfeita falta de estilo que se observa na repetição coletiva de cacoetes uniformes.


Felizmente, o signatário estava tão brabo comigo que prometia não ler nenhuma resposta que eu lhe enviasse, o que me eximia de tentar destrinchar uma por uma– como se isto fosse possível! –as suas prodigiosas confusões mentais. Gratíssimo por essa gentileza, contentei-me em enviar-lhe o breve conselho de que parasse de se masturbar diante da minha imagem, e dei o caso por encerrado.


No entanto, depois, refletindo mais longamente, descobri por baixo dos erros aparentes denunciados pela criatura alguns vícios reais da minha escrita, que dão margem a equívocos sem fim quando caem ante os olhos de leitores ineptos ou maliciosos, sem contar os ineptos e maliciosos.


O mais letal desses vícios é cortejar os leitores em geral, e os mais burros em especial, mediante uma falsa impressão de simplicidade e clareza, buscada com as mais lindas intenções didáticas mas que, no fim das contas, induz o primeiro recém-chegado a crer que tudo compreendeu à primeira vista – senão a imaginar que apreendeu o conjunto inteiro do meu pensamento pela leitura de algumas amostras casuais –, e a reagir de pronto mediante alguma opinião fácil, já imunizada no berço contra aquela exigente confrontação de hipóteses que é a única via para se chegar à verdade, tanto na interpretação dos fatos quanto das palavras.


A clareza, dizia Ortega y Gasset, é a cortesia do filósofo. Iludido por essa promessa barata de fazer de mim um tipinho simpático aos olhos do mundo, acabei por esquecer que "cortesia" vem da mesma raiz de "cortejar" e "cortesão", e que o conselho do grande prosador espanhol ameaçava jogar-me, das alturas espirituais em que eu acreditava mover-me, ao fundo do mais abjeto e imperdoável puxa-saquismo literário: a prática de um estilo tão sedutoramente claro e límpido que faz o leitor imbecil sentir-se inteligente ao ponto de querer puxar discussão comigo antes de ter tido sequer o fugaz impulso de discutir consigo mesmo.


Esse efeito é inevitável desde o momento em que se adote aquele estilo, pois a coisa mais impossível para o imbecil é discutir consigo mesmo, em voz baixa, sem o apoio de um interlocutor de carne e osso: defrontado com alguma afirmação que lhe soe estranha ou desconfortável, esse tipo de leitor não resistirá à comichão de impor à força as funções de interlocutor real, e não simplesmente mental, ao infeliz autor daquilo que acaba de ler.


É assim que acabo me tornando para uma categoria de leitores – mais numerosa no Brasil do que em qualquer parte do mundo –, naquilo que em psicoterapia se chama ego auxiliar, uma boa alma encarregada de completar no mundo físico, para maior clareza, os pensamentos que o paciente, por si, não tem energia para pensar por inteiro nem coragem bastante para admitir que os pensou. Contando comigo para o desempenho desse trabalhoso ofício no seu teatrinho mental, o cidadão me envia os mais toscos pensamentos semipensados, forçando-me a acabar de pensá-los e a compreendê-lo melhor do que ele próprio se compreendeu.


Ao contrário, porém, do que acontece nas psicoterapias propriamente ditas, onde o sujeito sabe que foi lá para que o ajudem a pensar em voz alta, os remetentes dessas deformidades não têm a menor idéia de que estão me pedindo socorro terapêutico. Em vez disso, enviam-me aqueles rabiscos de pensamentos possíveis como se não fossem apenas materiais brutos para uma possível elaboração interior e sim idéias já maduras e firmes, claras e bem definidas, prontas a ser discutidas, provadas ou refutadas.

Pior ainda, quanto mais intenso o seu desconforto interior, quanto mais agitada a sua confusão de imagens e sensações, quanto mais aguda a sua impossibilidade de pensar, tanto mais o desgraçado interpreta esses sentimentos como se fossem expressões formais de uma discordância intelectual, e tanto mais ousado e desafiador é o tom em que me escreve. O sentimento que essas mensagens me infundem é de uma comicidade triste, em que o deslocamento radical entre as palavras ditas e a situação psicológica de onde emergem, ou, dito de outro modo, entre consciência e realidade, raia a loucura pura e simples, sem chegar a ser loucura em sentido clínico, detendo-se naquele perigoso meio-termo que é a loucura socialmente legitimada como normalidade.

A culpa, reconheço, é minha. Se eu escrevesse de maneira complicada e obscura, se pelo menos me abstivesse de usar certos truques pedagógicos para despertar a intuição no leitor, nem o mais presunçoso dos imbecis julgaria me compreender: todos se recolheriam àquele silêncio humilde que, a longo prazo, pode ser propício a um esforço de meditação. Mas também não posso me acusar além da medida justa. Se infundo nos imbecis uma confusão de sentimentos, provocando situações que acabam por ser incômodas para mim mesmo, o fato é que não fui eu quem povoou dessas criaturas esta parte do mundo, nem lhes ordenei que crescessem e se multiplicassem. Isto é mérito exclusivo do establishment educacional, ou dele em cumplicidade com a mídia, os políticos e os "formadores de opinião" em geral.


Olavo de Carvalho é ensaista, jornalista e professor de Filosofia

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
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A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".