Os tiranos, com algumas exceções, também são vítimas de um clichê, a saber: começam a ser destruídos por seus próprios aliados. Enquanto as circunstâncias conspiram a favor de seus superpoderes, são tratados como deuses. Seus adoradores, no entanto, conhecem os pés de barro dos ídolos. A eles se associam porque estão defendendo seus próprios interesses.
O problema é quando o maluco realmente acredita ser Deus e começa a tomar atitudes destrambelhadas até segundo os critérios já bastante lassos de sua turma. Acontece sempre. Tiranos são necessariamente paranóicos e têm uma mentalidade essencialmente conspiratória. E, como Saturno naquele famoso quadro (acima) de Goya, engolem os próprios filhos. Como na mitologia, chega a hora da revolta.
Como vocês já viram, um grupo de ex-aliados de Chávez pediu a sua renúncia em carta aberta. Segundo seus signatários, eles querem “evitar maiores males e desgraças ao país”. Integram o grupo, intitulado Pólo Constitucional, entre outros, Raúl Isaías Baduel, ex-ministro da Defesa; Luis Alfonso Dávila, ex-ministro de Relações Exteriores; Herman Escarrá, um dos redatores da atual Constituição, e até dois comandantes militares que tentaram, em companhia de Chávez, dar um golpe de estado em 1992: Yoel Acosta e Jesús Urdaneta.
O documento aponta as dificuldades por que passa o país — falta de água, de energia, insegurança pública — e aponta a “escandalosa corrupção”. Afirma o texto, referindo-se diretamente a Chávez:
“Todos os seus argumentos para chegar ao poder hoje o ilegitimam. O povo sofre com a insegurança, com menos liberdade e menos segurança jurídica e social; aprofunda-se a pobreza de nossa gente. Os serviços públicos — água, eletricidade e serviços urbanos — são um caos. A improdutividade conduz à escassez de alimentos; as obras de infra-estrutura do país estão deterioradas por falta de manutenção; a economia vive uma de suas crises mais profundas, apesar da abundância de petróleo (…). A corrupção, que constitui o estigma moral de um governo e foi bandeira de sua proposta política, causa hoje o enriquecimento ilícito mais obsceno que o país jamais presenciou. Funcionários, familiares e personagens conhecidas como “os boliburgueses” [burgueses bolivarianos] saquearam governos, ministérios, prefeituras e empresas estatais”.
Nem a oposição conseguiram ser tão dura com o bandido.
Sabem o que isso significa? Que Chávez está mais perto ainda daquele destino que prevejo para ele — ser pendurado em praça pública. Isso se o cabrón não sair correndo. Seus antigos aliados querem, desde já, deixar clara a dissidência para vir a compor, no futuro, com um governo anti-Chávez. Sabem que a atual oposição vai considerar essa aliança importante para derrotar finalmente o tirano.
O processo, que já tinha começado, avança mais depressa do que se imaginava.
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