MÍDIA A MAIS
18 | 07 | 2012
Percival Puggina
Por: Maria Júlia Ferraz
Percival Puggina é escritor e um atento observador e comentarista de prementes questões nacionais no campo político e cultural, há decadas participando de debates, palestras, programas de televisão e rádio, expondo de forma clara e aguda suas opiniões. Autor de livros como Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, escreve ainda para dezenas de jornais, blogs e sites em todo o país, sempre com coragem e inteligência.
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M@M -A que o senhor atribui a inexistência de partidos oposicionistas no país, o que favorece uma espécie de corrida adesista em época de eleições? O fato de o Estado ser tão grande no Brasil contribui de alguma forma para isso?
Percival Puggina: A conjugação de várias regras e práticas decorrentes do nosso processo institucional acabaram por produzir o que você descreve. Refiro-me a um pluripartidarismo sem limites (há muito mais partidos do que ideias no mercado eleitoral), à cada vez mais poderosa representatividade política dos grupos de interesse nos parlamentos como consequência do voto proporcional (esses grupos são constituídos para realizar negócios que só se fazem com o governo), e às práticas de "aliciamento para o aparelhamento" que caracterizam o lulismo (graças às quais só não está no governo quem não quer).
M@M -Como é possível enfrentar a agenda socialista que em maior ou menor escala permeia todo o aspecto político-cultural nacional?
PP - Até os anos 1980, esse foco de resistência esteve situado nas escolas e universidades confessionais. As elites brasileiras eram formadas na sã filosofia. E essa boa formação ganhava expressão na cultura, na mídia, na opinião pública. A Teologia da Libertação furou o caso do Barco de Pedro e quem mostrasse a água entrando era visto como "homem de pouca fé". Como resultado, em todo o país, hoje, a doutrina a que por mais tempo esteve exposto quem entrar no curso fundamental e sair com canudo na mão de uma universidade brasileira, privada laica, privada "confessional", ou pública, terá sido, fatalmente, a doutrina marxista. Portanto, sem uma boa vitória eleitoral no arco do centro para a direita no plano político e sem uma virada histórica nas tendências da CNBB e da Igreja no Brasil não é de se ter esperança em qualquer reversão dessa agenda socialista, materialista e moralmente relativista.
M@M -O senhor concorda que o Brasil deixou de ter um catolicismo autêntico? Por essa perspectiva, o que seria mais nocivo para a Igreja Católica: a Teologia da Libertação ou os padres animadores de auditório?
PP - Sem dúvida, a TL. Ninguém consegue ser mais ferrenhamente comunista do que um adepto dessa teologia porque ele se vê como um comunista com a graça de Deus. Enfeixa-se nele a convergência de dois atos de fé: a fé no filósofo e a fé em Deus. O adepto da TL está convencido de que o Espírito Santo veio em Pentecostes para cantar parabéns e comer bolo. Para tudo que realmente importa, na perspectiva da TL, o Paráclito veio, para valer, no dia em que Marx leu Hegel.
M@M -A que o senhor atribui o avanço de propostas como o aborto livre, patrulhamento de opiniões contrárias ao movimento homossexual, reformas no código penal que favorecem a criminalidade e outras medidas “progressistas”?
PP - Se buscarmos, em qualquer dessas pautas, as necessárias relações de causa e efeito, perceberemos que elas resultam incompreensíveis. O véu só se afasta quando se admite que não estamos diante de pautas reivindicatórias, mas de um jogo pelo poder. São temas da política muito mais do que dos costumes. Fazem parte das estratégias de aparelhamento da sociedade, de entrincheiramento. Como católico que sempre denunciou e combateu a relação promíscua entre os propagadores de tais práticas e ponderáveis setores da igreja no Brasil, entristece-me ver o mal feito e o silêncio relapso de tantos e tantos bispos ante uma relação nefasta à sua missão pastoral. No enfrentamento da avalanche do relativismo moral e da permissividade há maior segurança e determinação entre os evangélicos do que entre os católicos. A CNBB, desde os anos 1960, vem colaborando com os inimigos da Igreja e colocando inconcebíveis afinidades ideológicas acima da sua efetiva missão. Por exemplo: a candidata Dilma diz que não vai empenhar-se em favor do aborto... e eles acreditam.
M@M -Observando o cenário nacional, há a impressão que o brasileiro não tem o menor interesse em política, submetendo-se docilmente a políticos corruptos e a agendas que são claramente contrárias aos seus interesses mais importantes, bastando uma prosperidade material frágil para que esse quadro se acentue ainda mais. O senhor também tem essa impressão? Como seria sua análise sobre essas questões?
PP - Assistimos nas últimas décadas um acelerado processo de massificação da sociedade. Ora, uma sociedade de massa vai para onde a mídia a conduz. A mídia brasileira é esquizofrênica. No plano do comando das empresas de comunicação só pensa em faturamento. Nas redações só pensa em fazer a cabeça das pessoas para o ideário esquerdista. A manipulação é evidente. Foi preciso uma década inteira de petismo para que alguns espíritos se abrissem para algumas dúvidas razoáveis a respeito da santidade e sabedoria das esquerdas nacionais. O grande dano do lulismo não foi haver corrompido profundamente as instituições, mas haver corrompido o próprio eleitorado, levando-o para o mesmo realismo cínico que caracteriza o grande líder político brasileiro deste século.
M@M -Qual seria o melhor caminho para enfrentar o quadro de decomposição política e moral nacional?
PP - Eu acredito numa hipótese que não desejo (uma crise econômica que desacredite e desestabilize o governo) e uma hipótese mais provável de ampliação do impacto político das redes sociais e do webjornalismo. Levará muito tempo.
M@M -O senhor concorda com a visão de que o Brasil, na verdade, vive uma democracia fantasiosa que esconde interesses de grandes grupos econômicos, amplamente satisfeitos por políticos que, durante décadas, se apresentaram como porta-vozes da moral e da ética, mas que na prática são ainda piores que os patrimonialistas e corruptos tradicionais?
PP - Eu acredito que o Brasil acreditou, durante muito tempo, que a esquerda era o estuário dos bons e que a direita era a usina das maldades. Acredito que o brasileiro médio acreditou nisso, mesmo sendo, ele mesmo, um conservador em tudo que realmente importa. E acredito que agora a década petista corrompeu parcela significativa da sociedade. Comprou-a com dinheiro, carisma e conversa fiada.
M@M -Ainda sobre a política no Brasil: seria fundamental primeiro existir uma sólida formação de quadros, com forte base cultural, para só então ser travada uma disputa política, ou é necessário primeiro vencer a disputa política para só então começar a trabalhar a questão cultural, combatendo os princípios coletivistas que permeiam a política nacional e legitimam desmandos? É possível fazer as duas coisas ao mesmo tempo?
PP - A guerra cultural já leva mais de meio século. Não participar dela seria cumplicidade com o suicídio de uma nação. Faltam-nos meios para equilibrar a disputa, mas não podemos ceder território ao inimigo. Ao mesmo tempo, precisamos formar quadros dentro dos diversos partidos, inclusive nos de centro-esquerda. O que torna a tarefa instrumental através dos partidos mais difícil é a falta de poder de sedução dessas agremiações. Elas não parecem e não são mesmo confiáveis. Estão todas requerendo um indispensável processo de conquista por novas e melhores lideranças.
M@M -Aristóteles afirmava que o "homem é um animal político". No Brasil, a política é constantemente associada à corrupção, ao enriquecimento ilícito e à impunidade, o que gera grande rejeição dos brasileiros para o debate político. Em contrapartida, é comum verificar entre os brasileiros a expectativa que o Estado cumpra determinados papeis que seriam próprios do indivíduo, principalmente em aspectos assistencialistas ou na almejada estabilidade na carreira através de concursos públicos. Como explicar essas posturas tão divergentes e tão complementares do brasileiro? De onde vem a ausência de políticos assumidamente direitistas no Brasil?
PP - Você aponta para um fenômeno cultural. De fato o brasileiro médio pensa assim. Veja o caso do Paraguai. Mesmo quem não tinha apreço pelo presidente Lugo custou a aceitar que sua demissão tivesse sido constitucional. Quando ficou claro que a Constituição permitia a adoção da medita tomada pelo parlamento paraguaio, passou-se a dizer que foi tudo muito rápido, como se isso fosse suficiente para caracterizar um golpe e não uma medida para assegurar a paz interna do país (dessem 20 dias a Lugo e haveria uma convulsão interna, fronteiras fechadas e uma reprodução das patacoadas hondurenhas). Pois bem, para nós, os parlamentos não têm valor algum. No Brasil real, o coração da política bate no Palácio do Planalto. Mas quando se fala em corrupção, olha-se para o parlamento, onde nem dinheiro há para uma corrupção que mereça manchete. O brasileiro não quer saber. Ele precisa dessa relação filial que mantém com o Estado. Como lhe faltam meios para se afirmar e desenvolver, ele se sente dependente do Estado. Sempre há a possibilidade de algum benefício na ponta da relação de trocas da política. O brasileiro crê que acaba recebendo do Estado mais do que dá ao Estado. E isso só seria verdade se o Brasil fosse um paraíso e não um inferno fiscal.
M@M -O senhor gostaria de expor algum ponto de vista que não foi abordado nas perguntas anteriores?
PP - Sim. Primeiro, quero afirmar minha sólida convicção de que as coisas, no Brasil, podem melhorar um pouco ou piorar um pouco. Mas só vão melhorar, mesmo, mediante uma boa reforma institucional aplicada a este modelo ficha-suja, irrecuperável que adotamos. Depois, parabenizar-te pelas instigantes perguntas que me propuseste. Foi muito prazerosa a oportunidade de as responder.
Um comentário:
Obrigada por divulgar a entrevista!
Atenciosamente,
Maria Júlia
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