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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A importância de ser gentleman

DICTA & CONTRADICTA

por Bruno Garschagen

Dados técnicos: João Carlos Espada, Liberdade e responsabilidade pessoal – 25 anos de crônicas. Princípia, 2008, 512 págs.

É particularmente interessante o percurso intelectual daqueles que se deixaram seduzir pela Medusa Revolucionária e, depois, conseguiram ter uma formação política individual livre das contingências históricas. Em Portugal, muitos jovens foram corrompidos pelos ideais de esquerda como reação ao salazarismo. Alguns continuam sob o feitiço da górgone. Outros conseguiram despetrificar o cérebro. Em Liberdade e responsabilidade pessoal – 25 anos de crônicas, coletânea de artigos publicados em jornais de Lisboa, o professor João Carlos Espada esquadrinha de forma notável sua guinada do maoísmo para o liberalismo anglo-saxônico.

Doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, Espada selecionou textos que revelam a vivacidade do intelectual combinada com o entusiasmo pela ação política. É a história viva de um homem de idéias que reagiu às circunstâncias para depois, livre do arbítrio detonador, lapidar seu espírito e agir segundo sua consciência. Se, como desejava Cícero, a virtude afirma-se por completo na prática, convertendo em atos as palavras aprendidas nas escolas, Espada manteve-se na ação política: é consultor para Assuntos Políticos do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.

Três pontos me parecem substantivos na obra que percorre um amplo espectro de idéias, problemas e uma extraordinária disposição desabrida (open mind) pelas conjecturas e refutações. Primeiro, a conversão ideológica; segundo, a abordagem religiosa; terceiro, a abnegada disposição com o intuito de promover uma educação para a gentlemanship.

Os três tópicos formam a unidade que alicerça o pensamento de João Carlos Espada: a democracia liberal promove a liberdade e garante o respeito pelos diferentes modos de vida, cuja base filosófica é o conceito de sentido moral elaborado pelos moral philosophers da Grã Bretanha do século XVIII: a inclinação da natureza humana para fellow feeling (Adam Smith) ou para disinterested fellow-feeling (David Hume). É o sentido que permeia a abordagem religiosa do professor, para quem o diálogo entre a fé e a razão é mais do que uma mera possibilidade: “está no cerne do Cristianismo e exprime o encontro entre a fé bíblica e a filosofia grega”. O diálogo e o direito de usufruir e de manifestar a fé individual exigem um ambiente de liberdade, “a de viver e deixar viver”.

Eric Voegelin, que detectou a continuidade sistemática da “deformação proposicional dos símbolos dos filósofos e profetas” pela ideologia doutrinária (Reflexões autobiográficas), rejeitou o marxismo após estudar economia, teoria econômica e os ensaios de Max Weber. João Carlos Espada descobriu o “embuste intelectual do marxismo”, que o cooptara quando tinha 15 anos (1970), ao estudar as obras de Ralf Dahrendorf, Raymond Aron e Joseph Schumpeter. A ruptura definitiva aconteceu com a leitura das obras de Karl Popper, de quem foi amigo e por quem foi aconselhado a estudar em Oxford e, depois, lecionar nos Estados Unidos. As duas experiências são um upgrade notável no espírito do homem, o que permitiu à sua paixão anglo-americana se transformar em amor.

O sentido liberal de dever absorvido durante a experiência em Oxford incutiu no professor aquele código de conduta interior característico da antiga sociedade inglesa. A tradicional mensagem britânica “viver e morrer como um gentleman, se possível” é uma declaração de princípios. Oriunda do legado moral secularizado do wesleyanismo (reforma evangélica no interior da Igreja da Inglaterra promovida por John Wesley no século XVIII), o gentlemanship é o “sentimento individual de dever, o impulso pessoal para praticar o bem e tentar praticá-lo”, uma nobreza de caráter estimulada e exercida numa civilização liberal de boas maneiras e estrito autocontrole. Citando Edmund Burke, um gigante como Winston Churchill assevera: “o rei pode fazer um nobre, mas não um gentleman“.

A idéia de gentlemanship está ligada ao valor da religião no comportamento ético e moral dos ingleses e dos americanos (coexistência da liberdade com a ordem civil), fundamentos tão caros ao professor, autor de mais de uma dezena de livros, membro do Conselho Editorial da revista Journal of Democracy e presidente da seção portuguesa da International Churchill Society. Espada sustenta o elemento fundador do liberalismo: a convicção judaico-cristã “de que existe uma lei moral mais alta que não depende dos poderes de plantão”, lei que “está inscrita no coração de todos” os indivíduos e “onde a consciência individual impele os homens a formular juízos morais assentes na distinção entre o bem e o mal”.

Uma sociedade civilizada se constrói e se mantém pelo estímulo e exercício de um sentido de dever e de educação que, segundo o professor, estabelecem uma conversação com as vozes do passado (greco-romanas e judaico-cristãs) e se assentam no reconhecimento de uma hierarquia objetiva de valores e comportamentos. Liberdade e responsabilidade pessoal é um contributo notável à defesa das liberdades individuais, à celebração ardorosa do conhecimento e à difusão de um conceito pedagógico invulgar: educar para a gentlemanship.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".