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segunda-feira, 21 de julho de 2008

O JUSTICEIRO

Do portal do NIVALDO CORDEIRO
17/07/2008


O juiz Fausto Martin de Sanctis publicou, no Estadão de hoje, artigo a pedido do jornal respondendo à pergunta: “Houve abuso de autoridade na Operação Satiagraha?” Ele não precisaria dar-se ao trabalho de escrever o texto para sabermos a sua opinião. Mas o interessante não é a opinião, mas sim, o texto. Um caso para estudo. Vemos aqui o retrato em branco e preto de uma mente fora da realidade, alucinada, completamente desconectada dos propósitos que se esperam de um magistrado. Estamos diante não de um simples juiz, mas de alguém que se julga um justiceiro, em cruzada – veja a expressão usada por ele mesmo, meu caro leitor – contra aqueles que ele considera malfeitores sociais. Cruzada é uma expressão milenarista consagrada para designar expedições punitivas de caráter religioso, grandiosas, destinadas a extirpar o mal do mundo. Uma alucinação perigosa.

Em artigo anterior mostrei que a nominada operação tornou-se um sintoma de um projeto de Estado policial que está em curso no Brasil, seja por ser da vontade do partido governante, seja porque as idéias desse partido governante tomaram conta das mentes de vastos segmentos dos agentes públicos. Não se teria chegado a esse estado de coisas sem que mentes deformadas não tivessem ocupado os postos de mando. Escrevi anteriormente também dizendo que, quem manda no mundo é quem manda na polícia. Deveria ter completado: na polícia, na Justiça e sobretudo na deformação, ou formação, das mentes daqueles que deveriam constituir a elite egrégia da sociedade. A maneira com que supostamente os crimes estão sendo combatidos reforça a impressão de que na verdade o que temos é uma caçada deliberada aos ricos, aos empresários, aos inimigos declarados daqueles que beberam em Karl Marx a sua ideologia de ódio social invejoso. Nada mais nada menos é o que temos: a revolução social em processo, já avançado, da qual a dita operação é um sintoma acabado.

O juiz declarou em seu artigo: “Que bom poder dizer a si e ao mundo que se vive em pleno exercício das liberdades de um Estado verdadeiramente de Direito, no qual valores supremos como segurança, bem-estar, igualdade e justiça inserem-se numa sociedade fraterna e pluralista”. Ora, um Estado de Direito respeita por princípio duas coisas fundamentais: a presunção da inocência até julgamento definitivo da Justiça e o amplo direito de defesa dos eventualmente acusados. Tivemos, no episódio, a ausência dos dois requisitos. Vimos autoridade da maior envergadura no poder de Estado, como o ministro da Justiça, Tarso Genro, opinar peremptoriamente sobre a culpabilidade de Daniel Dantas sem nem mesmo esperar o relatório das investigações dos policiais a ele subordinados. Um pré-julgamento, portanto, um justiçamento, um linchamento. O oposto do Estado de Direito.

O juiz de Sanctis sem cerimônia declara que se pauta não pela realidade, quer dizer, sequer pelo marco legal, mas por uma segunda realidade que ele considera a mais perfeita e digna de ser o parâmetro de sua ação. Nas suas palavras: “A busca do ideal afigura-se uma cruzada perseguida por todos, cada qual no âmbito de sua atuação, e demanda atitudes que não podem se amesquinhar em meros protestos verbais passageiros”. Vemos aqui a declaração de um messianismo perigoso e completamente deslocado em uma pessoa investida da responsabilidade da magistratura. Não satisfeito, completou: “Por outro lado, não se trata de estar além do bem e do mal ou de luta contra este. Em outro diapasão, ‘essência’, aquilo que representa a expressão de seu melhor como ser humano como postura global”. A essência de um juiz deveria ser a lei, a qual foi completamente esquecida no episódio. A lei deverá brotar como Atenas da cabeça do Zeus tupiniquim.

Na seqüência, procura justificar as suas afirmações anteriores: “Ora, o ideal da vida em liberdade de todos não deveria sofrer limitação, mas esta se fundamenta no caso em que são colocados em xeque os valores já citados que propiciam uma vida tranqüila a pessoas de bem e verdadeiras”. A retórica é vazia, claudicante. O que significa a expressão “pessoas verdadeiras”? Por acaso há pessoas “falsas”, fantasmas vagando sobre a terra, não pessoas? Podemos até mesmo tentar uma exegese da expressão e concluir que alguém que não seja do substrato inferior da sociedade poderia ser considerado uma “não pessoa” e portanto sujeita à sanha justiceira do julgador. A igualdade de Rousseau é o que de fato está na cabeça do juiz de Sanctis, aquela grande mentira filosófica que tem ceifado a liberdade e a vida de milhões de pessoas desde que foi impressa. A idéia inebriante que leva os revolucionários ao caminho da perdição, levando com eles seus contemporâneos.

Vemos que é Rousseau quem está, qual um incubo maligno, na cabeça do articulista: “Lamentavelmente, não se tem notícia de sociedade que tivesse chegado a tamanho grau de evolução, salvo raras intactas tribos indígenas que, de primitivo, pode-se tão-somente invocar alguns instrumentos e objetos inerentes, mas que em verdade representam grandeza do ser: pureza, honestidade e amor. Quanta sofisticação!” Esse trecho expressa a mais pura alucinação do justiceiro, o endosso objetivo à pueril idealização do bom selvagem. A pureza referida, como a honestidade e o amor são aqueles exaltados pelos jacobinos franceses, à frente Robespierre. A história mostra o rio de sangue que transbordou desde então. Que sofisticação poderia haver em uma sociedade neolítica? É uma ofensa à inteligência.

O justiceiro esquece que a antropologia já demonstrou que essa caricatura de bom selvagem nunca existiu. Quanto mais regredimos na régua do tempo, mais o homem torna-se animalesco: canibal, grosseiro, estúpido, violento, perverso. Bondade é sinônimo de civilização e a máxima bondade está expressa nos valores da civilização judaico-cristã. Somente na alucinada segunda realidade loucamente criada dos revolucionários é que se consegue a metamorfose do selvagem em civilizado, passando-se a se enxergar cada um pelo seu avesso. É a mais completa loucura.

Continua o texto: “Esse mundo ideal, que por todos é perseguido, por vezes é subitamente interrompido com os acontecimentos "normais" da vida de uma sociedade contemporânea que se concebeu na busca incessante de um bem-estar abstrato, que, de fato, entristece mais do que engrandece.A terra limpa e abençoada da liberdade é, pois, tomada por alguns que aspiram a uma felicidade fictícia e construída a partir da desgraça ou menosprezo alheio”. Qual o mundo ideal? Aquele vivido pelas “raras intactas tribos indígenas”. Deus nos acuda!

Aí vemos a essência do argumento, dois pesos e duas medidas: “A adoção, sopesada, de determinadas formas de restrição do direito de ir e vir não significa repúdio aos valores supremos da sociedade, mas forma de resgate dos primeiros para a salvaguarda de um momento, quando não da própria existência do modelo social eleito. Viver em paz e livre requer muitas vezes dos que se esquecem dos preceitos sociais legítimos a resposta estatal. Não se pode rivalizar com as pessoas de bem”. Quem são, para de Sanctis, as pessoas de bem? Aqueles que se igualam aos bons selvagens, os revolucionários e aqueles para quem eles se pretendem agentes políticos, o proletariado. Os demais são considerados culpados por definição, antes de qualquer julgamento.

Segue o texto do artigo: “As custódias cautelares (legalmente previstas) decorrem, apesar da excepcionalidade, do destemor e desrespeito às instituições regularmente constituídas no país, para que as atividades de persecução estatal tenham seu curso natural. Por vezes, urge garantir de forma veloz o resultado da investigação criminal, pela necessidade da audiência imediata dos investigados, para que seja possível confrontar com a prova já produzida ou a produzir, evitando-se destruição ou manipulação dos indícios existentes, em prejuízo da busca da verdade”. Pressa para fazer Justiça? Uma inovação perigosíssima. Pressa é para justiceiros, que de juízes tornam-se também carrascos de suas sentenças vingadoras. A pressa judicial é incompatível com o preceito da livre e ampla defesa dos acusados.

Uma defesa irrestrita do Big Brother: “Naturais também são os mecanismos hoje existentes de combate à macrocriminalidade que instrumentalizam o processo penal como a interceptação telefônica, de dados, a quebra dos sigilos bancário e fiscal etc., institutos, aliás, utilizados por todos os países responsáveis e civilizados.A sociedade contemporânea não pode dispensar, lamentavelmente, os mecanismos citados (verdadeiramente eficazes) para lidar com a criminalidade citada, a fim de continuar perseguindo ou tentando perseguir a mesma pureza, honestidade e amor dos nossos nativos (os índios)”. Sabemos muito bem onde vai dar essa ciosa vigilância estatal: na ditadura legal, como estamos a ver na Venezuela. Completou: "A reflexão verdadeira de tais instrumentos processuais (investigações policiais, interceptações telefônicas etc) não pode ir ao encontro deste povo, feliz, é certo, mas muito injustiçado, merecendo urgentemente resgatar sua auto-estima". Os fins justificam os meios.

Aqui o artigo se torna uma missiva ao Congresso Nacional: "Senhores legisladores, mantenham-se, por favor, fiéis a nós mesmos (brasileiros comuns, simples, espontâneos, criativos, musicais e transcendentes), 'com a lei, pela lei e dentro da lei, porque fora da lei não há salvação' (Rui Barbosa de Oliveira), mas com a lei penal ou processual penal verdadeiramente legítima para um Estado de Direito". De Sancti sabe que não é um brasileiro comum, é um juiz, um membro da elite do Estado. A identificação com o povo miúdo é o ardil sofístico típico de quem está com a mente tomada pela idéia revolucionária.

"Com certeza, e somente de tal forma (não há outra), um grande êxito advirá e as pessoas poderão se orgulhar e reconhecer novamente neste país uma terra limpa e abençoada". Poderíamos completar, como nos piores enredos dos filmes de ficção científica: "Tudo para sua segurança e bem-estar".

Confesso a você, meu caro leitor, que estou amedrontado. Não é para menos.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".