SÉCULO DIÁRIO
A Verdi Construções, que é suspeita de executar obras superfaturadas, já ergueu 12 unidades prisionais no ES; o ex-governador Hartung incentivou os contratos sem licitação
José Rabelo
09/09/2012 11:45 - Atualizado em 10/09/2012 09:14
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O relatório conclusivo da Operação Pixote, entregue ao Ministério Público Estadual na última quinta-feira (6) pela força-tarefa que investiga o esquema de corrupção montado no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), confirmou que, além da participação da ex-diretora-presidente da autarquia, Silvana Gallina, no esquema, o secretário de Justiça Ângelo Roncalli também tinha pleno conhecimento dos contratos fraudulentos firmados entre o Iases e Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social (Acadis), comandada pelo colombiano Gerardo Mondragón que, assim como Gallina, continua preso.
Não bastasse o escândalo no Iases, que a partir do relatório da Polícia Civil envolve o secretário definitivamente no esquema de corrupção, Roncalli também terá que dar explicações sobre os indícios de irregularidades nos contratos firmados entre a Secretaria de Justiça (Sejus) e a Verdi Construções, que fez 12 unidades prisionais no Espírito Santo, todas sem licitação. Outro que deveria começar a se explicar é o ex-governador Paulo Hartung. Mentor do plano de construir "presídios instântaneos" sem licitação, foi ele quem deu autorização para Roncalli pôr em pratica o projeto de construção das unidades. Mesmo porque, o secretário não teria autonomia de tocar, sem o aval do então governador, um projeto que consumiu perto de um bilhão de reais.
De acordo com reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, na última terça-feira (4), o Ministério da Justiça mandou os governadores de oito estados, que receberam recursos da União para construção de unidades prisionais, suspenderem os contratos com a Verdi Construções. O Espírito Santo é um dos estados que receberam repasses do programa do governo federal este ano. O programa prevê a liberação de R$ 1,1 bilhão para construção e reforma de presídios nesses estados.
Com base em estudos do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, foram constatadas irregularidades na construção de duas unidades em Santa Catarina. As paredes dos presídios construídas pela Verdi, segundo o laudo da PF, eram vulneráveis a um simples golpe de marreta. Ou seja, o material utilizado na obra não corresponde ao descrito no memorial do projeto. Em outras palavras, a Verdi estava vendendo “gato por lebre” e, provavelmente, quem estava comprando, sabia.
Além da fragilidade das estruturas prisionais, que põem em risco a segurança das unidades, a irregularidade abriu precedente para o Ministério da Justiça suspeitar que haja indícios de superfaturamento e direcionamento de contratos. Em junho, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) suspendeu o repasse de R$ 176 milhões aos estados, do montante previsto de R$ 1,1 bilhão.
As irregularidades constatadas nos presídios de Santa Catarina construídos pela Verdi são gravíssimas. Segundo a reportagem do jornal paulista, paredes que deveriam ter, de acordo com o descritivo do projeto, 7,5 cm, tinham apenas 3,5 cm. Mesmo os 7,5 cm, que não foram executados na obra, são considerados muito abaixo do recomendado pelos especialistas, que sugerem paredes de concreto com espessura de pelo menos 15 cm.
A distorção abre margem para deduzir que a empresa gastou muito menos que o previsto. Ou seja, a diferença entre o valor pago e o gasto foi para o bolso de alguém.
No Espírito Santo, o então governador Paulo Hartung deu carta branca para o secretário de Justiça Ângelo Roncalli construir unidades prisionais sem licitação. Cerca de 90% presídios e unidades de internação de adolescentes do Iases, construídas de 2006 para cá, foram feitas basicamente por duas empresas: Verdi Construções e DM Construtora.
Somente a Verdi construiu 12 unidades prisionais no Espírito Santo até janeiro deste ano. A empresa fez unidades para adultos e também adolescentes. Prevaleceram os contratos sem licitação, todos intermediados por Roncalli e Silvana Gallina.
Em 2010, último ano do governo Hartung, os números mostram que Roncalli e Gallina se apressaram para pôr as obras em andamento. Só com o Iases a Verdi faturou R$ 24,8 milhões para construir unidades, todas sem licitação.
Já com a Sejus o montante foi impressionante. O secretário Ângelo Roncalli pagou à empresa especializada em construir “paredes finas” mais de R$ 111 milhões no último ano do governo Hartung.
Em 2009 não foi diferente. Os contratos se sustentavam na inexigibilidade de licitação. Veja o texto que se repetiu várias vezes no Diário Oficial do Estado nos últimos anos: “AVISO DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO A SECRETARIA DE ESTADO DA JUSTIÇA- SEJUS, torna público que ratificanos termos do art. 26, da Lei nº 8.666/93, o Parecer, expedido pela Procuradoria Geral do Estado, nos autos de nº 46262180, embasado no art. 25 do mesmo estatuto legal, referente à inexigibilidade do procedimento licitatório para contratação da empresa Verdi Construções Ltda, para execução por empreitada integral da obra da Penitenciária Feminina [Cariacica]- valor de R$ 16.553.559,02 (dezesseis milhões, quinhentos e cinqüenta e três mil, quinhentos e cinqüenta e nove reais e dois centavos), de acordo com a proposta de serviço que consta do processo supramencionado. Vitória, 15 de setembro de 2009. ÂNGELO RONCALLIDE RAMOS BARROS - Secretário de Estado da Justiça”.
Roncalli e Gallina justificavam a inexigibilidade de licitação com base no fato de a Verdi Construções ser a única empresa no País a dominar a tecnologia Siscopen - sistema de construção pré-moldada. O secretário também alegava que essa era a única maneira de resolver o problema do déficit de vagas no sistema a curto prazo.
Embora o secretário de Justiça tenha ignorado as matérias de Século Diário que apontavam indícios de irregularidades na contratação das duas empreiteiras (Verdi e DM), as evidências agora indicam que a Verdi, diferentemente do que sustentou Roncalli, não era exclusiva na construção pré-moldada. Mais grave, os fatos revelados pela PF põem em suspeição a construção das unidades capixabas que, a exemplo das prisões catarinenses, podem estar vulneráveis a fugas.
Em outros estados as irregularidades estão sendo investigadas pelo Ministério Público Federal. No Paraná, o MPF expediu em março deste ano recomendação à Secretária Estadual de Justiça e Cidadania para que todas as obras de reforma, ampliação e construção de unidades prisionais realizadas com recursos públicos federais oriundos do Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional sejam precedidas de procedimento licitatório.
O MPF alerta que a prática tem sido recorrente em vários estados brasileiros que, ilegalmente, tem contratado sem licitação a empresa Verdi Construções, que tem sede no Rio Grande do Sul, por suposta inexigibilidade de licitação. Entretanto, tal justificativa é infundada por não deter essa empresa exclusividade no sistema de módulos, que é o executado em suas obras.
A corrupção desvelada no Iases e a confirmação do envolvimento do secretário no esquema obrigam o Ministério Público Estadual a investigar os contratos firmados entre a Sejus e a DM Construtora e Verdi Construções.
As autoridades capixabas também deveriam investigar os contratos entre a Sejus e as empresas terceirizadas que fazem a administração de unidades prisionais no Estado. A terceirização do sistema prisional articulada por Roncalli na Sejus foi entregue a coronéis reformados que prestam consultoria às empresas que administram cinco penitenciárias e dois Centros de Detenção Provisória (CDPs). Todos os coronéis, não por coincidência, ocuparam altos cargos nas secretarias de Justiça e Segurança, de subsecretário a secretário, antes de receberem, como uma espécie de recompensa, o controle das unidades.
Já passa da hora também das autoridades investigarem os contratos firmados entre a Sejus-Iases e as empresas de fornecimento de alimentação (as famosas marmitex) para as unidades adultos e adolescentes do sistema de privação de liberdade.
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