Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Irmãos gêmeos

ESTADÃO

Denis Lerrer Rosenfield


Imaginem a seguinte cena: Lula, embevecido, fotografando Pinochet. O ditador, sorridente, apreciando aquela atitude de um amigo de longa data, que o faz retratar, para a história, em diferentes perspectivas. O fotógrafo-presidente, transbordando de emoção, chega a afirmar que “ele está pronto para assumir o papel que tem (no Chile) e na história”. Qual seria o seu papel? Certamente seria o de um ditador sanguinário que não mediu meios para exercer o seu poder e eliminar as diferentes formas de oposição. Suas ações constituíram um flagrante desrespeito aos direitos humanos, entendidos universalmente, e não particular e setorialmente, como é o caso hoje no Brasil. O seu papel seria também o de ter montado um governo imune às vicissitudes democráticas e ávido, hoje se sabe, de seu próprio enriquecimento, a expensas dos recursos públicos.

A cena, que pode parecer inverossímil, é, no entanto, extremamente veraz. A troca de personagens, Fidel por Pinochet, mostra apenas a afinidade entre dois ditadores. Mais do que isso, ela mostra também, do ponto de vista dos princípios, a afinidade entre duas concepções políticas, a comunista e a nazi-fascista, que se concretizaram em duas conhecidas formas de totalitarismo no século 20. Os dois ditadores são rebentos de formas de poder que se traduziram pela eliminação física de milhões de pessoas, em maneiras de perversão da natureza humana que, até hoje, assombram os que se debruçam sobre os fatos. Os seqüestros das Farc e a narcoguerrilha se situam igualmente nessa mesma linha de filiação, naquilo que Hugo Chávez, com outras palavras, chama de “concepção bolivariana”. Alguns não aprendem com a História, pois sua visão continua enraizada na irracionalidade de crenças imunes a qualquer questionamento.

O problema ganha maior alcance porque a atitude de Lula não é somente individual, mas expressa a concepção de toda uma esquerda que se encanta ainda com a experiência totalitária, embora procure apresentá-la sob o manto da justiça social, do socialismo, da solidariedade, da utopia ou que nome se queira dar a tal deturpação dos fatos. O nazismo tornou-se um nome feio, algo que deve ser evitado, com razão, a todo custo. Há leis que proíbem, inclusive, publicações que façam a sua defesa, por evidentes questões de preconceito racial e pela violência explícita contida em sua concepção. A experiência comunista e socialista em geral, no entanto, é apresentada como uma obra de redenção da humanidade, tendo cometido erros que seriam, porém, sanáveis. Meros erros de percurso.

Seria interessante perguntar aos milhões de mortos, se isso fosse possível, dos campos de concentração e extermínio da União Soviética, da China maoísta, o que significou para eles a redenção da humanidade e a concretização da “utopia”. Seria interessante perguntar à metade da população do Camboja que foi literalmente exterminada pelos Khmers Vermelhos, que chamavam seus assassinatos coletivos de obras de reeducação dos seus “cidadãos”. Seria importante interrogar os que padecem a “humanidade” nas masmorras de Fidel e os familiares dos que foram por ele e por seus “companheiros” eliminados. Seria longa a lista de todos os feitos dos redentores da humanidade, que, no entanto, sempre tiveram ao seu lado intelectuais que defendiam as suas posições, tudo atribuindo a falsidades construídas pelo “imperialismo”, hoje “neoliberalismo”. Quando os fatos romperam as barragens ideológicas, os honestos abdicaram de suas convicções, os papagaios de pirata, contudo, continuaram repetindo e defendendo as mesmas formulações, com o uso das mesmas artimanhas, sempre em nome da “solidariedade social”.

O Brasil apresenta um déficit de idéias, talvez o mais importante dos seus déficits, que o impede de progredir, pois idéias anacrônicas e atrasadas continuam pautando boa parte de suas decisões. Uma comissão governamental, em nome de uma luta “histórica”, ascende, por exemplo, Lamarca, um comunista-socialista, assassino frio, ao cargo retroativo de general, com os proventos correspondentes. Che Guevara é um ícone da esquerda e dos movimentos ditos sociais em geral. Comunistas como Niemeyer são louvados em suas idéias. Se tivesse chegado ao poder, teria sido obrigado a construir moradias padronizadas, verdadeiros caixões, que até hoje “embelezam” aqueles países. A sorte de Niemeyer foi não ter sido arquiteto num país comunista. Nunca se teria ouvido falar dele.

Os que lutaram por implantar o totalitarismo no País, no período dito de guerrilha no regime militar, são agora, ao completo arrepio dos fatos, apresentados como “democratas”, como se em algum momento seu objetivo tivesse sido a democracia. O que os diferenciava era apenas o tipo de totalitarismo, se na linha soviética, maoísta, albanesa, castrista ou outra. Que sejam hoje apresentados como heróis, com direito a recompensas, exibe somente o atraso e - diria - a má-fé desta esquerda, que continua idolatrando os que tantos prejuízos causaram à humanidade, aos direitos humanos em sua verdadeira acepção.

Não é, portanto, casual nem acidental a postura alegre de Lula ao fotografar o também satisfeito ditador cubano. Suas trocas de amabilidades e de cortesia são símbolos de um grande problema brasileiro não resolvido, o de como tratar a experiência totalitária do século 20. A foto de Lula com Fidel, dita para a posteridade, deveria fazer parte, parafraseando Borges, de uma história universal da infâmia. Ela deveria escandalizar. Nosso presidente, no entanto, não fez por menos. Considerou que o papel desse rebento da democracia totalitária deve ser situado na perspectiva de toda a humanidade. Confusão atroz de idéias que mostra uma incompreensão e uma cegueira brutais em relação aos irmãos gêmeos que são os totalitarismos de “esquerda” e de “direita”. É a falência mesma de todo esse setor da esquerda! 

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. 
E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

2 comentários:

Anônimo disse...

Cavaleiro, que saudade de trocar idéias com o senhor. Leio diariamente seu blog com muito carinho, mas pouco tenho comentado. Estou em fase de muita reflexão e aprendizado. A eleição de Obama me deixou um pouco sem jogo de cintura. Eu, que não sei inglês, tenho até lido em inglês para acompanhar as barbaridades. Como os outros artigos de seu blog, este também é excelente. Aliás, foi o contato com os autores presentes no seu blog que me deixou assim "meditabunda". Época difícil...

Cavaleiro do Templo disse...



Enviei teu comentário para alguns autores dos artigos que publico, a "culpa"- rsrsr - é deles.

Abração

Cavaleiro do Templo

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".