LUCIANO AYAN
Se existe o culto ao Estado, é preciso existir um culto aos homens que compõem este estado. Estes “iluminados” teriam superado as limitações humanas e então seriam maiores do que a mera vontade humana. Enfim, o Estado ao representar o bem comum de uma maneira absoluta e onipresente, dependeria de que o ser humano pudesse fazer, enfim, esta “diferença”.
Recentemente devorei o livro “As Religiões Políticas”, de Eric Voegelin. Esta é daquelas obras que se lê em uma tarde. E foi o que fiz. Em uma tarde consumi as menos de 100 páginas da obra, que melhor seria categorizada como um ensaio.
Uma leitura bastante interessante, agradável, e que foi censurada na época de seu lançamento, em 1938, na Alemanha Nazista. O nazismo, aliás, era uma das religiões políticas denunciadas por Voegelin.
Voegelin nos relembra do culto ao Sol pelos egípcios, pela ocasião do culto de Akhenaton, com os reis das primeiras dinastias sendo considerados enviados diretos do deus-Sol Horus. Logo, o culto seria ao rei, representante do Estado. Todos os futuros reis recebiam, aliás, a mesma aura divina, pois eram os representantes maiores do Estado.
Em toda a análise de Voegelin, que vai desde a época do culto de Akhenaton até a Alemanha Nazista, passando pela União Soviética dos tempos do marxismo, o culto à personalidade dos líderes do Estado era evidente, pois tudo era derivado do raciocínio de que o representante do Estado era mais do que um homem. Para Voegelin, esse culto ao Estado, portanto, definiria uma religião política.
Existe, no entanto, uma diferença entre a conceituação feita por Voegelin e John Gray, que tratou do assunto nas obras “Cachorros de Palha” e “Missa Negra”. Gray focou no culto da salvação, que também é um componente de todas as religiões políticas.
A diferença é que Gray não faz o rastreamento para a época dos faraós. Ele entende que a religião política é um restolho do cristianismo, envolvendo a salvação, e a noção de que haverá um fim da história, na qual todos os “pecados” serão expurgados e enfim virá a felicidade absoluta. Ou seja, uma versão do paraíso do cristianismo, mas a ocorrer em Terra.
Gray também nos alerta para o componente de catarse, que seria um apocalipse antes do final a história, e, após este apocalipse, ocorreria a salvação.
Diferentemente de ambos, Olavo de Carvalho jamais usou o termo religião política, mas tratou como mentalidade revolucionária uma faceta da mente humana que inverte a percepção do tempo, achando que a utopia futura é inexorável, enquanto que o passado pode ser alterado para se adequar a esta realidade.
A visão de Olavo, inspirada mais por Voegelin (de outras obras) do que por Gray, explica o motivo pelo qual os esquerdistas subvertem todos os padrões da moral, pois todos os seus atos são julgados por esse futuro maravilhoso. Sendo assim, estas pessoas consideram que tudo pode ser realizado em nome deste futuro, dando respaldo para quaisquer barbáries.
Em minha abordagem, unifico todos estes pontos de vista para criar uma coesão, para que possamos estudar a religião política como um fenômeno, que está presente em várias culturas.
Note que todos estes componentes podem ser elementos que CATEGORIZAM as religiões políticas. A meu ver, qualquer religião política tem todos os componentes anteriores, de modo que teríamos uma avaliação mais robusta se avaliássemos estas religiões políticas quando encontrarmos essa combinação associada de componentes. Caso apenas um ou outro item seja retirado, teríamos uma variação moderada da religião política.
Crença no Estado, no governo global, na ditadura do proletariado, qualquer um destes associado a sensação de que haverá um fim para a história, e que este futuro será inevitável, além de ocorrer em geral após uma situação de colapso (para a catarse). A junção destes fatores configuram uma religião política.
Só que minha análise não se contenta em estudar os componentes, mas a origem destes componentes. E o componente unificador, que gera os sub-componentes citados anteriormente, é a crença no homem.
Vejamos. Se existe o culto ao Estado, é preciso existir um culto aos homens que compõem este estado. Estes “iluminados” teriam superado as limitações humanas e então seriam maiores do que a mera vontade humana. Enfim, o Estado ao representar o bem comum de uma maneira absoluta e onipresente, dependeria de que o ser humano pudesse fazer, enfim, esta “diferença”.
A noção de fim da história, tratada muito bem por Gray, novamente é resultante de uma alegada capacidade humana de criar um cenário onde todas as infelicidades terão passado. As contingências humanas estariam superadas para se chegar a este estágio.
Em suma, se os cristãos acreditam que um Deus pode estabelecer um paraíso, para os religiosos políticos são os homens que podem criar este paraíso. A diferença, como já mencionado anteriormente, é que o paraíso das religiões políticas ocorre em Terra.
A questão da inexorabilidade deste futuro, conforme tratada por Olavo, seria apenas a ampliação da crença em que o futuro de fato ocorrerá. Quer dizer, a fé no homem não é apenas uma alta confiança, mas uma certeza absoluta.
Por este motivo, estudarmos a origem da crença no homem, junto com os fatores que habilitam esta crença, nos faria criar um campo de estudo fascinante, mais até do que o estudo das religiões tradicionais.
Se para Dawkins, Deus é um delírio, para mim, a crença no homem é um delírio muito mais perigoso. Um motivo a mais para definirmos a urgência de um estudo sobre as religiões políticas.
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