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quarta-feira, 11 de julho de 2012

Fernando Pessoa, a Era da Gnose, e o problema da modernidade

 

MÍDIA SEM MÁSCARA

ESCRITO POR ORLANDO BRAGA | 10 JULHO 2012
ARTIGOS - CULTURA

A capacidade do homem comum e vulgar, em geral, de discernir o futuro mais próximo por intermédio da intuição de “probabilidades pesadas”, não existe no gnóstico devido a uma fé metastática que o possui e controla.

Ao estudar os textos em prosa publicados de Fernando Pessoa — porque eu não os li, apenas: estudei-os, literalmente —, cheguei à conclusão de que não concordo com a mundividência dele em mais de 50%, embora também reconheça que ele foi mudando substancialmente de opinião à medida que avançava na idade, e não posso deixar de lhe reconhecer muita originalidade e mesmo genialidade na forma como construiu o seus raciocínios, mesmo que, a espaços, ideologicamente opostos entre si.

E mesmo com a formação do partido de Hitler na década de 1920, e com a sua ascensão ao poder a partir do início da década de 1930, Fernando Pessoa — que faleceu em 1935 — não conseguiu prever ou intuir o horror da II Guerra Mundial que teve o seu início em 1939 [apenas quatro anos após a sua morte]. E mais: Fernando Pessoa, que criticou duramente D. Manuel I pela expulsão dos judeus, e sendo ele próprio descendente de judeus, sempre foi um germanófilo de boa cepa, defendendo por exemplo a posição dos alemães na I Guerra Mundial. O que diria Fernando Pessoa dos seus ilustres alemães se pudesse ter assistido ao horror do holocausto nazi?

O caso de Fernando Pessoa e a sua relação próxima com os alemães é sintomático da dificuldade de alguém, vivendo as circunstâncias do seu presente, poder prever sequer o futuro mais imediato. Karl Popper fala-nos nas “possibilidades pesadas” de acontecimentos futuros, comparando-as com a probabilidade quase certa de nos sair um determinado número em um jogo de dados viciado: se o peso de um dos lados dos dados estiver viciado com chumbo, a “probabilidade pesada” é a que o número viciado nos calhe sistematicamente em sorte.

Mas Fernando Pessoa não conseguiu intuir qualquer “probabilidade pesada” em relação à capacidade dos seus admiráveis alemães em exterminar os seus queridos judeus: morreu convencido de que o partido nazi alemão seria apenas uma insignificante corruptela germânica de Mussolini. E a razão pela qual Fernando Pessoa não conseguiu intuir um futuro tão próximo do seu presente, prende-se com a sua fé metastática gnóstica — a Gnose. Fernando Pessoa era um gnóstico.

Um gnóstico não é alguém que não tenha um senso firme da realidade. Pelo contrário, no caso de Pessoa, ele tinha um conhecimento imenso da História, e fazia análises políticas do seu presente muito bem fundamentadas e com um raro sentido crítico. O problema de Fernando Pessoa não era o passado e o presente, que ele conhecia muito bem: o problema dele era o futuro e a sua obsessão com o futuro.

E é com o futuro que os gnósticos se enredam e se vêem com “os burros na água”, porque perderam o sentido do senso-comum do homem vulgar. A capacidade do homem comum e vulgar, em geral, de discernir o futuro mais próximo por intermédio da intuição de “probabilidades pesadas”, não existe no gnóstico devido a uma fé metastática que o possui e controla.

Com o advento da revolução francesa e do Positivismo, entramos todos na Era da Gnose, o tempo de predomino cultural e social dos novos gnósticos, em que se misturou a Gnose da antiguidade tardia, com a nova Gnose cientificista. É assim, por exemplo, que Fernando Pessoa consegue ser um acérrimo defensor da ciência positivista e, simultaneamente, anunciar o seu místico apoio à maçonaria, por um lado, e por outro lado defender a veracidade absoluta das profecias do Bandarra e de Nostradamus — para além de se dizer, ele próprio, membro da Ordem dos Templários que, como sabemos, foi o esteio medieval da maçonaria operativa.

Portanto, a Gnose é no presente, como foi no passado, a confirmação absoluta do poder que Prometeu concedeu ao Homem.

No plano da ciência moderna, a Gnose passa pela afirmação da validade do cientismo. E na tipologia da religião moderna, a Gnose passa, por um lado, pela preponderância quase absoluta da imanência [seja nas religiões políticas, como por exemplo o marxismo, seja na imanência da Cabala ou do ocultismo, teosófico ou outro], herdada da tradição gnóstica antiga ou adotada pelos Templários; e, por outro lado, passa pela validação de uma visão maniqueísta do mundo — maniqueísmo entendido no sentido da religião de Mani, em que o Bem e o Mal são duas forças equivalentes — que adoptou de Heraclito a complementaridade dos opostos. Tudo isto se pode verificar, com uma cristalina clareza, nos textos em prosa de Fernando Pessoa.

A partir do momento em que o gnóstico moderno — seja ele cientista ou um místico imanente [o que em termos da Gnose vai dar no mesmo] — encara o futuro a partir de uma perspectiva prometeica — segundo o conceito de Protágoras do “homem como medida de todas as coisas” — e imanente — na medida em que prepondera nele o determinismo absoluto em relação à realidade, ou o absolutismo tirânico do Destino segundo Fernando Pessoa —, a sua capacidade natural de intuir o futuro próximo das “probabilidades pesadas” fica altamente comprometida. E esta é uma das razões, por exemplo, por que a maçonaria [imanência] tem falhado rotundamente em quase todas as “apostas de futuro” que fez no século XX.

O século XX pode ser classificado como a Era em que as apostas dos gnósticos modernos no futuro redundaram em hecatombes humanitárias indizíveis. Tentando “forçar” o futuro em determinado sentido, os eventos entraram em retroacção, e a imprevisibilidade que é característica do futuro traiu os sonhos e as utopias traduzidos pela fé metastática dos novos gnósticos, com consequências catastróficas para a humanidade.

Corolário: o problema do nosso tempo, e da nossa crise, não é só de 2008: o problema vem de trás, dos Idos do século XVII. E enquanto não tivermos todos, embora obviamente uns mais do que outros, consciência do problema complexo que nos trouxe a Nova Gnose, não iremos sair do delírio interpretativo colectivo que obnubila o espírito do Homem moderno.


Orlando Braga
edita o blog Espectivas.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".