Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro concede Medalha Tiradentes a Olavo de Carvalho. Aqui.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

O LEGADO DE CERVANTES

NIVALDO CORDEIRO


O LEGADO DE CERVANTES
15 de julho de 2010


Se é imensa a contribuição de Miguel de Cervantes à filosofia política, ao destrinchar o mecanismo da Segunda Realidade revolucionária, típica dos tempos modernos, penso que esta contribuição específica se restringe mais ao campo da psicologia coletiva do que propriamente ao âmbito da política. É certo que esse mecanismo psicológico terá o poder de descrever tudo o que se passou desde o século XVI e seu poder explicativo se prolonga até os nossos dias. É impossível compreender os acontecimentos, nacionais e mundiais, sem ter à mão a genial descoberta cervantina.

Bem que se diga que a questão da loucura estava na ordem do dia no Renascimento. Erasmo explorou o tema em obra genial (ELOGIO À LOUCURA). Shakespeare terá em vários personagens a manifestação de loucura. Mas apenas Cervantes transformará a observação no prognóstico dos tempos que virão. Ortega y Gasset, em ensaio genial (IDEAS Y CREENCIAS), irá associar a modernidade à razão (físico-matemática assim como às de Estado, desconhecida esta na Idade Média), em substituição à fé em Deus dos tempos medievais. Não há dúvida de que a loucura coletiva será filha dessa hipertrofia da razão, elevada à condição de deusa por ocasião da Revolução Francesa.

Qual é a filosofia política estampada por Cervantes no Dom Quixote? Penso que em três momentos temos o tema abordado de forma saliente. O primeiro é quando, no capítulo XXII do Primeiro Livro, o Cavaleiro da Triste Figura liberta os condenados às galés. Ali estava a escória da sociedade, os criminosos mais perigosos. Eram doze e esse número não ao acaso equivale ao número dos apóstolos de Cristo. A modernidade escravizou de forma mais vil a fé cristã. A moral cristã passa a ser tida como o comportamento anti-social por excelência, contra a qual se insurgem todas as revoluções, a começar pela protestante. Ao largo da questão religiosa, todavia, convém ter em conta a biografia do próprio Cervantes, várias vezes jogado nos cárceres imundos do Estado espanhol por crimes que não cometeu.

Quixote pergunta a Sancho, ao ver os condenados conduzidos por soldados: “Como gente forzada? Esposible que El Rey haga fuerza a ninguna gente?” Quixote fica inconformado com a situação de que gente pudesse ser levada contra sua própria vontade e dá seu brado de liberdade: “...aquí encaja la ejecución de mi oficio: desfazer fuerzas e socorrer y acudir a los miserables”. Ato contínuo, partiu para libertar os prisioneiros.
Sem dúvida estamos aqui diante da perspectiva radicalmente cristã do direito, contrária à ordem estatal da modernidade. Cervantes anteviu o que viria nos séculos posteriores: hoje as multidões estão sendo encarceradas em proporções nunca vistas. Não custa lembrar que o Estado da Flórida, nos EUA, já chegou ao limite de ter dentro das prisões 5% de sua população masculina adulta. Os negros, tomados individualmente, já são 15% dos homens adultos feitos prisioneiros. É a hora do cavaleiro andante passearpelas terras do Tio Sam.

Outro momento importante da obra no tocante à ciência política está no capítulo LX do Segundo Livro, quando Dom Quixote e Sancho Pança são feitos prisioneiros do bando de Roque Guinart. O cavaleiro constatou que, mesmo numa sociedade constituída por delinqüentes, a justiça distributiva, nos termos aristotélicos ou do direito romano (geométrica, “dar a cada um o que é seu”), precisa prevalecer, sob pena de se dissolver o núcleo social. Não é privilégio de uma sociedade política institucionalmente organizada praticar tal distribuição do direito, que é “natural”. O direito depende da força, mas não tem nela sua fonte. A reflexão cervantina serve para nos alertar da necessidade e dos limites da ação dos operadores do direito. Em resumo, do Estado e seu direito não depende a liberdade enquanto tal.

Por último, depois de viver as aventuras na corte do duque, Dom Quixote parte e profere as magníficas palavras, uma ode à liberdade (capítulo LVIII do Segundo Livro): “La liberdad, Sancho, es uno de los más preciosos dones que los hombres dieron los céus; com ella no poeden igualarse los tesoros que encierra laterra ni el mar encubre; por la liberdad así como por la honra se puede y debe aventurar la vida; y, porlo contrario, el cautiverio es el mayor mal que pode venir a los hombres.”

A mania moderna de ligar a liberdade ao poder de Estado pode ser, e parece de fato, sua grande armadilha. Quanto mais se clama pela lei do Estado, mais se reduz a liberdade e mais o gigante, como os moinhos de vento, torna-se o seu contrário e leva toda a gente presa como remadores cativos às galés, nas nossas modernas prisões.

Retirar o encanto do ente estatal agigantado será a grande obra de Cervantes, o seu legado. É preciso novamente meditar sobre as páginas imortais do Cavaleiro da Triste Figura. Se olharmos bem veremos que o Estado moderno, ao contrário daquele idealizado por Santo Agostinho, compele os homens ao mal e torna os vícios práticas forçadas, por curso legal.

Nenhum comentário:

wibiya widget

A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
"Para conseguir sua maturidade o homem necessita de um certo equilíbrio entre estas três coisas: talento, educação e experiência." (De civ Dei 11,25)
Cuidado com seus pensamentos: eles se transformam em palavras. Cuidado com suas palavras: elas se transformam em ação. Cuidado com suas ações: elas se transformam em hábitos. Cuidado com seus atos: eles moldam seu caráter.
Cuidado com seu caráter: ele controla seu destino.
A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".