Baltasar Garzón e o presidente eleito Santos
Eduardo Mackenzie
Que estranho soa a proposta do presidente eleito Juan Manuel Santos ao juiz Baltazar Garzón, de convertê-lo em seu “assessor” em matéria judicial. Eleito pelo povo uribista, Santos quer ser orientado pelo juiz que politizou a justiça espanhola, que mais criticou o presidente Álvaro Uribe e que mais detesta os militares colombianos?
Em 1998, Baltasar Garzón tornou-se célebre por haver assinado uma ordem de captura contra o general Pinochet. Hoje, Garzón é conhecido também por estar enlameado em três processos que poderiam tirá-lo definitivamente do poder judicial ele está suspenso de suas funções até que esses julgamentos se celebrem.
Antes de cair em desgraça, Baltasar Garzón se postulava para investigar delitos em muitos países, inclusive onde isso não era possível, pois ele era um adepto da doutrina da “competência internacional”. Na Colômbia ele não investigou nada, porém interveio sim em muitos temas. Garzón era um convidado assíduo do ex Procurador Geral, Mario Iguarán. Garzón participou de diligências judiciais colombianas, como a exumação de cadáveres, vítimas de para-militares, em agosto de 2008. Viu-se Baltasar Garzón discutir com grupos indígenas no sul do país. Ele criticou acerbamente a lei Justiça e Paz e inclusive insultou as atuações do presidente Uribe. Em abril de 2009, Baltasar Garzón exigiu, por exemplo, o regresso à Colômbia dos 14 para-militares extraditados aos Estados Unidos. Com que direito? Sob o mandato de quem? Ninguém sabe...
Entretanto, o vaidoso juiz desejava a liberdade condicional, em Madri, de María Remedios García Albert, cognome “Soraya” ou “Irene”, que é acusada pela Polícia colombiana de colaborar com as FARC na Espanha.
Conforme um sólido critério de Direito Internacional, a jurisdição universal só pode ser aplicada quando os tribunais onde ocorrem os fatos negam-se a investigar e sancionar os supostos culpáveis. O Parlamento espanhol assim o entende e por isso fixou limites à atuação dos juízes nesse campo. Baltasar Garzón se enfureceu diante disso, pois isso malograva a jurisdição que ele acreditava ter sobre a Colômbia.
Esse foi o começo da derrubada de seu prestígio, porém a solicitação que acaba de lhe fazer o presidente eleito da Colômbia poderia pô-lo de novo na pista.
A investigação que Baltasar Garzón tentou fazer do franquismo, o que rompia um consenso nacional ratificado pelo Parlamento espanhol em 1977, acabou em uma acusação por prevaricato e uso abusivo de bens públicos. Acusam-no de ter ignorado a lei de anistia desse ano e de haver utilizado a memória histórica para aumentar seu ego. Depois, foi aberto um segundo sumario por dinheiro que ele recebeu do banco Santander, por umas conferências que proferiu em Nova York em 2005 e 2006. A denúncia é de corrupção. A acusação diz que ele arquivou ilegalmente um processo de Emilio Botin, presidente do Grupo Santander.
O terceiro processo, o affair Gürtel, um caso de corrupção presumível, não é menos grave pois é por violação do direito ao devido processo. Garzón é acusado de haver “grampeado”, ou escutado ilegalmente, as conversações entre alguns culpados na prisão e seus advogados.
Em 2002, antes que o presidente Uribe chegasse ao poder, o juiz Garzón decidiu que o sistema judicial colombiano era defeituoso. Estávamos, porém, longe do desmantelo judicial atual, gerado pela curiosa rebelião da Corte Suprema de Justiça contra o poder executivo. Baltasar Garzón sugeriu, todavia, que a solução era abrir as portas à Corte Penal Internacional (CPI), pois ela “complementará” o sistema colombiano porque é, segundo ele, “uma instância a mais contra a impunidade”. Disse isto em 20 de maio desse ano, em um foro em Calli, dias depois da atroz matança em Bojayá, onde 119 civis inocentes morreram pela ação das FARC. Baltasar Garzón teve que admitir nesse dia que as FARC e as AUC (Autodefensas Unidas de Colombia) deveriam ser incluídas na lista de organizações terroristas da União Européia (EU).
Entretanto, oito anos mais tarde, os discípulos do juiz Garzón mostraram que em matéria de equilíbrio judicial e de luta contra a impunidade, eles não podem dar lições a ninguém: o assunto da para-política foi hipertrofiado e o da FARC-política, não menos terrível, foi deixado para as próximas gerações. Hoje, os acusados de ter vínculos com as FARC estão sendo absolvidos discretamente após investigações sumárias.
Baltasar Garzón é visto como a eminência parda da politização da justiça em vários países. Os italianos sabem algo a respeito. Na Espanha, nem se fala. Elegeu Hernández, ex-vogal do Conselho Geral do Poder Judiciário, que lamenta-se de ver como alguns juízes são agora não apenas militantes “senão cripto-militantes e furiosos ativistas políticos”, fez revelações sobre o velho caso dos GAL, instruído no momento por Garzón. Este, diz Hernández, utilizou esse expediente como arma contra o socialista Felipe González, por não haver cedido a seu desejo de nomeá-lo como ministro do Interior.
Muito mais recentemente, os esforços de Garzón para obter uma nomeação alta na Audiência Nacional, ou no Tribunal Internacional de Haya, fracassaram: seus colegas não o apoiaram. Nem os de direita nem os de esquerda. Amargo regresso de pêndulo que confirmou os rancores desses dois setores pelo particular protagonismo do juiz de instrução.
Porém, as ligações de Garzón com o mundo midiático continuam vigentes. Quando a Audiência Nacional o suspendeu, o juiz pediu ajuda ao grupo Prisa. Ninguém ali havia esquecido do seu desempenho ante o conflito dos decodificadores do Canal Plus, o que custou o posto ao juiz Javier Gómez de Liaño.
Por isso é que o diário El País, de Madri, e a Cadena Ser se mobilizam nestes dias em defesa de Garzón, com artigos onde ele é mostrado como uma vítima do “fascismo” e do “franquismo”?
Uns dias antes da suspensão, o CGPJ pediu permissão a Garzón para ir a Haya, por sete meses, como consultor e conselheiro de Luis Moreno Ocampo, o procurador da CPI.
A imprensa afirma que instâncias próximas a Rodríguez Zapatero haviam oferecido a Garzón afastar-se de Madri enquanto passa a tormenta, e aceitar ser magistrado de ligação em um país da América hispânica (Colômbia ou México). Garzón pediu para sê-lo “para todo o continente”, disse um meio de comunicação. O pedido de sinecura que ele fez ao presidente Santos tem algo a ver com os planos da Moncloa?
O que os cidadãos colombianos podem esperar do juiz Baltasar Garzón, se ele chegar a ser nomeado como assessor do presidente Santos? Um aconselhamento equilibrado, racional, não ideologicamente motivado? Garzón mostrou ser incapaz de respeitar certos equilíbrios. Como ele poderia contribuir para a serenidade e a ponderação que o poder judiciário colombiano tanto necessita nestes momentos de grande agitação, do “choque de trens” e de outras desgraças, como os processos iníquos do Palácio de Justiça, as excarcerações escandalosas de horríveis delinqüentes, e as ameaças apenas veladas de futuros processos infames contra o presidente Uribe, os ex-ministros e os altos comandos militares?
Quem pode acreditar que trazer o juiz Garzón, concessão evidente à claque que hoje dirige a CSJ, fará com que esta renuncie a suas “conquistas” e planos, e a suas febris aspirações de consolidar um governo dos juízes?
O presidente eleito Juan Manuel Santos já deve ter in pectore respostas para tudo isso. Entretanto, até não conhecer sua análise, não podemos sair de nosso legítimo assombro.
Tradução: Graça Salgueiro
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