por Daniel Pipes em 24 de junho de 2010
Como todo teatro islamista-esquerdista focado em deslegitimar Israel, a flotilha “Liberte Gaza” [ou “Gaza Livre”] patrocinada pela Turquia, no final de maio, foi tediosamente repetitiva. Como uma ilustração de que os israelenses não entendem o tipo de guerra que precisam lutar agora, o resultado foi sombriamente previsível. Mas como uma declaração das políticas turcas e como augúrio do futuro do movimento islamista, estava repleta de significado e novidades.
Algumas informações históricas: após aproximadamente 150 anos de tímidas tentativas de se modernizar, o Império Otomano finalmente entrou em colapso em 1923, substituído pela dinâmica, e de orientação ocidental, República da Turquia que foi fundada e dominada por um antigo general otomano, Kemal Atatürk. Nos seguintes quinze anos, até sua morte em 1938, Artatürk impôs um programa de ocidentalização tão rígido que uma vez sugeriu substituir os tapetes nas mesquitas por assentos de igrejas. Mesmo que a Turquia seja praticamente cem por cento muçulmana, ele insistiu numa estrutura de Estado puramente secular.
Atatürk nunca conseguiu fazer com que toda população turca compartilhasse de sua visão e com o tempo sua república laica precisou crescentemente se acomodar a sentimentos muçulmanos pios. Mesmo assim, a ordem de Atatürk persistiu nos anos 90, resguardada pelo corpo de oficiais militares, que teve como prioridade manter sua memória viva e seu secularismo enraizado.
A primeira vez que os islamistas conseguiram representação parlamentar foi no início dos anos 70, quando seu líder Necmettin Erbakan já tinha servido três vezes como vice primeiro ministro de seu país. Como os principais partidos políticos turcos enfraqueceram sua legitimidade entre uma mistura vergonhosa de egoísmo e corrupção, Erbakan conseguiu se eleger primeiro ministro por um ano, 1996-1997, até que os militares se reafirmaram e o removeram.
Alguns dos seguidores de Erbakan mais ágeis e ambiciosos, liderados por Recep Tayyip Erdoğan, em agosto de 2001, formaram um novo partido político islamista, o Adalet vê Kalkinma Partisi ou AKP. Pouco mais de um ano depois, este partido conseguiu a significativa margem de 34 por cento de uma pluralidade de votos e devido à excentricidade do sistema eleitoral turco, dominaram o parlamento com 66 por cento dos assentos.
Erdoğan se tornou primeiro ministro e, com uma amostra de um bom governo, o AKP conseguiu um aumento substancial de votos e a reeleição de 2007. Com um novo mandato e com os militares crescentemente em segundo plano, prosseguiu agressivamente na elaboração de teorias conspiratórias falsas, multou um crítico de sua política em 2,5 bilhões de dólares, filmou o líder oposicionista em uma situação sexual comprometedora, e agora planeja alterar a constituição.
A política externa, nas mãos do Ministro de Relações Exteriores Ahmet Davutoğlu, que tem aspirações de que a Turquia recupere sua antiga posição de liderança no Oriente Médio, exagera ainda mais rudemente. Ankara não apenas adotou uma abordagem mais beligerante quanto à questão emChipre, mas inconsequentemente inseriu-se em tópicos mais sensíveis como o avanço nuclear iraniano e o conflito árabe-israelense. O mais surpreendente de tudo foi seu apoio à IHH, uma organização de caridade turca com ligações documentadas com a Al-Qaeda.
Se o comportamento irresponsável de Ankara tem implicações preocupantes para o Oriente Médio e o Islã, tem também um aspecto mitigador. Os turcos têm estado na vanguarda do que eu chamo de Islamismo 2.0, a versão popular, legítima e não agressiva daquilo que o Aiatolá Khomeini e Osama Bin Laden tentaram alcançar pela força com o Islamismo 1.0. Eu previ que a pérfida forma de islamismo de Erdoğan “pode ameaçar a vida civilizada ainda mais que a brutalidade do islamismo 1.0”.
Mas o seu abandono da modéstia e cautela anterior sugere que os islamistas não conseguem evitar esse comportamento e a violência inerente ao islamismo deve emergir em algum momento; sugere que a variante 2.0 acaba revertendo às suas origens do 1.0. Como propõe Martin Kramer “Quanto mais longe os islamistas estão do poder, mais contidos eles são, assim como o inverso”. Isto pode significar que o islamismo apresenta-se como um adversário menos formidável do que o esperado, por duas razões.
Fethullah Gülen, a máquina de propaganda Adnan Oktar e mais. A nova belicosidade da AKP causou divergências; Gülen, por exemplo, condenoupublicamente a farsa “Liberte Gaza”, sugerindo a possibilidade de uma debilitante luta interna sobre táticas.
Primeiro, a Turquia hospeda o movimento islamista mais sofisticado do mundo, um que inclui não apenas a AKP, mas o movimento em massaSegundo, se antes apenas um pequeno grupo de analistas reconheciam o posicionamento islamista de Erdoğan, isto agora ficou evidentemente óbvio para o mundo inteiro ver. Erdoğan descartou gratuitamente sua imagem cuidadosamente construída de “democrata muçulmano” pró-ocidental, tornando muito mais fácil tratá-lo como o aliado de Teerã-Damasco que é.
Como Davutoğlu buscava, a Turquia voltou ao centro do Oriente Médio e da umma [*]. Portanto, não merece mais ser membro integral da OTAN e seus partidos oposicionistas merecem apoio.
Atualização em 8 de junho de 2010: Para maiores informações que não se encaixaram no artigo principal, veja: “More on Islamist Turkey Overreaches”
Tradução: Roberto Ferraracio
Leia também: Islamismo 2.0 e Turquia: Não é mais uma aliada
Publicado originalmente na National Review Online no dia 8 de junho de 2010. Também disponível no site do autor.
[*] NT: Termo islâmico que representa a totalidade da comunidade muçulmana mundial, unidos pela crença em Alá.
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