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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Há 70 anos: Democracia e o Indivíduo

MÍDIA A MAIS

por Henrique Dmyterko
em 1 de setembro de 2009

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Eric Voegelin: honestidade intelectual e coragem para dizer verdades alertando sobre os perigos para a democracia
Há setenta anos, em 1939, quase recém chegado aos Estados Unidos após escapar das garras da Gestapo, literalmente pela janela, o filósofo Eric Voegelin, acostumado ao rigor científico e acadêmico,  fez uma breve preleção radiofônica, numa linguagem acessível ao público americano.  Voegelin não era apenas mais um refugiado europeu acolhido pelos americanos: não era judeu, não tinha afiliação política e era alemão de nascimento, criado e educado em Viena, Áustria. Mas Voegelin dava aulas e escrevia coisas que não agradavam ao nacional-socialismo. Tão perigosos eram os seus escritos que quase lhe custaram a liberdade e a vida, pois continham elementos corrosivos: honestidade intelectual, rigor e verdades[1].
Suponho que movido pela gratidão, o erudito Voegelin aceitou fazer a preleção radiofônica a partir de Evanston, Illinois. O tema era “Democracia e o Indivíduo[2].  Dela reproduzo aqui alguns trechos em tradução livre, adicionando uns poucos comentários e ênfases em negrito, deixando para o leitor a avaliação de sua pertinência aos tempos e ao país em que vivemos:
“Qual é o papel do indivíduo numa democracia? Para responder a essa questão não precisamos elaborar definições daquilo que é a democracia e daquilo que ela não é; precisamos apenas apontar determinadas instituições que, obviamente, requerem alguma ação da parte do indivíduo.

Nosso sistema democrático moderno é baseado na participação da população adulta na criação de órgãos de governo. Os cidadãos precisam eleger certo número de seus concidadãos para deveres governamentais, e esses, precisam estar prontos a aceitar tais deveres.  Consideramos altamente democráticas as instituições quando praticamente todos os cidadãos adultos, homens e mulheres, podem votar e quando os postos são acessíveis a qualquer cidadão, sendo a regra comum a da qualificação pela idade, maior do que a exigida para votar.  
 
Mas simplesmente votar faz uma democracia?

Devemos notar que o voto, simplesmente, não faz um governo democrático. Líderes ditatoriais, e não apenas nos dias de hoje, foram muito hábeis na transformação do processo eleitoral livre num processo mais ou menos sutil do voto de mão-única. Eles permitem que a população vote, mas apenas com um  sim ou não; e pobre daquele que votar não. A decisão real acerca de quem deve ocupar cargos é tomada pelo grupo no poder. 
[...] De modo a que um sistema de votação seja democrático, é necessário que esse seja complementado por instituições que permitam ao cidadão formar uma opinião sobre os assuntos e que tal opinião seja politicamente eficaz. Este fim é servido pela proteção às liberdades civis, pelo direito à livre expressão, imprensa livre, direito à reunião e petição, o direito de ingressar num partido, ou, se os existentes não forem do agrado, reunir pessoas e formar um novo. [...]”
 
Comentário 1: Deliberadamente, traduzi o office da transcrição como dever, posto e cargo, respectivamente. Os dois primeiros termos, nas democracias; o terceiro e último, nos regimes ditatoriais. Deliberadamente, mas não por acaso: etimologicamente, as duas são as acepções originais. Fica por conta do leitor avaliar se os eleitos no Brasil cumprem um dever, mantêm um posto em defesa das instituições, ou se apenas ocupam cargos. Sobre a idade adulta, conheço pessoas de cinquenta anos ou mais que ainda agem feito crianças, não obstante ocuparem cargos. Por outro lado, os adolescentes de dezesseis anos, que por natureza ainda não sabem o que são, são, não raro, pequenos ditadores e a eles lhes é concedido o direito ao voto. A nós outros, a humilhante obrigação.
 
Comentário 2: Os brasileiros têm opiniões sobre quase toda e qualquer coisa: a “imprensa livre” não pára de lançar opiniões ao ar. Direitos nominais, tampouco nos faltam. O que nos falta, então?
 
Voegelin continua:
 
“[...] O problema mais delicado da democracia é o da classe governante. Nenhuma sociedade política pode ser mantida estável quando há uma rápida mudança no grupo de pessoas que governa, e uma democracia não é exceção a essa regra. Deve haver  certo número de pessoas que façam da política a sua profissão, estabelecendo as regras do jogo, preservando a tradição, iniciando os novatos, moldando-os à tradição. [...]
 
Comentário 3: Qual é a tradição política brasileira?
 
“[...] Eles não podem ser uma casta e precisam regenerar-se continuamente, a partir de diferentes estratos da sociedade. Uma delicada textura de interrelações sociais precisa ligar  a ampla base democrática dos cidadãos que formam opiniões ao grupo governante, a fim de que este grupo seja verdadeiramente representativo do sentimento do povo e, ao mesmo tempo, preserve o elemento de estabilidade e continuidade no conjunto governante, o que é essencial a um governo estável e eficiente. [...] De forma abreviada, o problema de uma democracia funcional pode ser assim enunciado: um povo, constituído de indivíduos, capaz e desejoso de tomar interesse por assuntos políticos, capaz de formar opiniões bem fundamentadas e disposto a dedicar tempo e esforço na obtenção das informações necessárias [para a formulação de tais opiniões]. [...]”
 
Comentário 4: Sem comentários.
 
Volto ao sábio:
 
“[...] Os perigos que ameaçam uma democracia podem ser traduzidos por uma fórmula similar: Uma democracia está em perigo quando os cidadãos individuais, por uma ou outra razão, são incapazes ou não têm o desejo de ser bem informados, de ponderar, de argumentar e debater. [...] Ou, quando os cidadãos não mais produzem um número suficiente de indivíduos dispostos a assumir responsabilidades políticas. [...] Os dois perigos estão intimamente relacionados. [...] O caso alemão é bastante instrutivo a esse respeito. Os opositores do regime frequentemente criam a impressão ingênua de que um povo foi sobrepujado e destituído de suas instituições por uma minoria de demônios astuciosos.  Às vezes é esquecido o fato de que muito antes de os Nacional Socialistas subirem ao poder na Alemanha, o sistema democrático tornou-se inoperante uma vez que os dois partidos antidemocráticos, o Comunista e o Nacional-Socialista, detinham uma maioria paralisante, por assim dizer. Isto significa que os dois partidos juntos tinham a maioria dos assentos do Reichstag, e juntos  bloquearam e paralisaram qualquer ação democrática governamental. E essa maioria antidemocrática no parlamento foi eleita por uma maioria de eleitores vivendo no âmbito de instituições estritamente democráticas. A maioria dos cidadãos alemães  desistiu do (ou nunca o obteve) status de indivíduos com opiniões bem fundamentadas, preferindo, em vez dessas, ter  convicções. [...] O problema da democracia é, portanto, manter os indivíduos num estado de espírito democrático. [...]”
 
Comentário 5: Eric Voegelin evidentemente falava em favor das democracias modernas, pois seu grande mestre, Platão, temia as democracias, uma vez que estas seriam o caminho mais curto para a demagogia e, finalmente, para a tirania. Do exposto acima, é difícil classificar o Brasil como uma democracia moderna.
 
Comentário 6: A propósito do comentário anterior...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Também há setenta anos, exatamente em 1º de setembro de 1939, homens cheios de convicções, ostentando suásticas, invadiam a Polônia vindos do oeste, dando início à II Guerra Mundial.  Dias depois, outros homens, não menos convictos, mas ostentando estrelas vermelhas, foices e martelos, invadiam a mesma Polônia, selando o seu destino. As grandes democracias européias, Inglaterra e França, protestaram com veemência... Foi necessário o concurso da grande democracia norte-americana para que ao menos uma parte do mundo não sucumbisse à tirania. Resta saber se essa democracia ainda conserva o vigor e o equilíbrio originais. Ora pro nobis.
 
 
[1] Ver Reflexões Autobiográficas, É Realizações, São Paulo, 2008.
 
[2] Democracy and the Individual in The Collected Works of Eric Voegelin, volume 33The Drama of Humanity and Other Miscellaneous Papers 1939-1985, Missouri University Press, Columbia, 2004, pp.24-32

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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A perversão da retórica, que falseia a lógica e os fatos para vencer o adversário em luta desleal, denomina-se erística. Se a retórica apenas simplifica e embeleza os argumentos para torná-los atraentes, a erística vai além: embeleza com falsos atrativos a falta de argumentos.
‎"O que me leva ao conservadorismo é a pesquisa e a investigação da realidade. Como eu não gosto de futebol, não gosto de pagode, não gosto de axé music, não gosto de carnaval, não fumo maconha e considero o PT ilegal, posso dizer que não me considero brasileiro - ao contrário da maioria desses estúpidos que conheço, que afirma ter orgulho disso". (José Octavio Dettmann)
" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".