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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O que é o Estado Moderno para o Papa Bento XVI?

Fonte: MONFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL


Para citar este texto:

Ronaldo Mota - "O que é o Estado Moderno para o Papa Bento XVI?"
MONTFORT Associação Cultural
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=politica&artigo=estado-moderno-papa〈=bra
Online, 25/01/2010 às 07:54h


Ronaldo Mota


Lendo o livro Jesus de Nazaré, escrito pelo Papa Bento XVI, ficamos impressionados com a firmeza de algumas críticas que ele faz ao Mundo Moderno. Dentre essas críticas, uma das que mais nos impressionou foi a crítica feita ao Estado Moderno. Ela pode parecer surpreendente para alguns, mas é tão inteligente que faremos questão de, na medida de nossa capacidade, repeti-la, explicá-la e explicitá-la para nossos caros leitores.

Primeiramente, é necessário que conheçamos, em linhas gerais, algumas características do Estado Moderno. Desse modo, compreenderemos melhor a crítica do Papa Bento XVI.

Como nos lembra Ernst Cassirer:

Com Maquiavel ficamos na antecâmara do mundo moderno. O fim desejado foi alcançado; o Estado ganhou autonomia completa.”.[1]

O mundo moderno tornou-se absolutista. As monarquias absolutistas européias tiveram o apoio teórico de pensadores como Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes. Como bem concluiu Ernst Cassirer ao estudar Maquiavel e, como é evidente para quem conhece a teoria política de Hobbes, o Estado tornou-se autônomo, isto é, ele cria suas leis e não há nenhuma barreira religiosa, moral ou intelectual que se possa opor à sua
vontade soberana.

Hobbes chegou ao cúmulo de enunciar a seguinte proposição:

O justo e o injusto não existem antes que a soberania fosse instituída; sua natureza depende do que é ordenado, e por si mesma cada ação é indiferente: justa ou injusta, depende do direito do soberano. Por isso, os reis legítimos, quando ordenam uma coisa, a tornam justa pelo simples fato de que a ordenam; proibindo-a, a tornam injusta, simplesmente porque a proibiram.”.[2]

Nesse caso o Estado – que encarna a figura de um rei – é como Deus! Ele define o que é o bem ou o mal! Evidentemente isso é uma loucura.
Dessa loucura nasceu o direito positivo moderno, hoje triunfante em todo o mundo graças a Kelsen.

Os defensores do Mundo Moderno, porém, para esconderem essa nódoa funesta da Modernidade, afirmam que foram eles os responsáveis pelo movimento intelectual que liquidou com o absolutismo, isto é, o Iluminismo. Entretanto, sabemos que o Iluminismo não criou nenhum princípio político novo:

Contudo, a despeito desse profundo interesse por todos os problemas políticos, o período do Iluminismo não deu origem uma nova filosofia política. Estudando as obras dos mais famosos e influentes autores, somos surpreendidos pelo fato de nelas não se encontrar qualquer teoria completamente nova.”.[3]

Reinhart Koselleck, estudando as conseqüências da teoria política iluminista, chagou a seguinte conclusão:

A vontade pura enquanto tal, em si mesma a meta de sua realização, é o verdadeiro soberano. (...) O resultado é o Estado total, que repousa na identidade factícia da moral civil e da decisão soberana. (...) A vontade geral, que é absoluta a não tolera exceção, reina sobre a nação.”.[4]

E o liberal Peter Drucker declara:

Longe de serem as raízes da liberdade, o Iluminismo e a Revolução Francesa representam as sementes do despotismo totalitário que hoje ameaça o mundo.[5] ”.

Realmente, tanto o absolutismo quanto o liberalismo iluminista concedem teórica e praticamente um poder absoluto ao Estado, o qual está acima da moral, da religião e mesmo da razão, visto que, em ambos os casos, o que impera é a
Vontade. No absolutismo é avontade do monarca que impera, e no liberalismo é a vontade geral (ente abstrato que não existe absolutamente!). Assim como para Hobbes não existe bem ou mal, sendo a vontade soberana que transforma uma coisa em boa ou má. Para o iluminismo, é a vontade geral que transforma uma coisa em certa ou errada, em criminosa ou legal. Ela não é limitada pela razão, pois é absoluta. Foi esse poder absurdo sem restrição nenhuma que deu aos nazistas, posteriormente, o direito de fazer as suas criminosas leis racistas e determinar o extermínio dos judeus e dos doentes mentais.

Assim, a soberania de Rousseau revela-se uma ditadura permanente.”.[6]

Exatamente por isso o Estado Moderno tem que ser laico, pois é absoluto e não poderia ser impedido em suas decisões por nada, nem mesmo por Deus. Esse Estado, porém, não tem apenas essa pretensão, como notou Paul Hazard, os iluministas desejavam e acreditavam que “
instituiriam um novo direito, sem qualquer relação com o direito divino; uma nova moral, independente de qualquer teologia; uma nova política que transformaria os súditos em cidadãos. No intuito de impedirem que os seus filhos viessem a repetir os antigos erros, iriam criar novos princípios pedagógicos. E então o céu desceria à terra. Nos belos e claros edifícios por eles construídos, prosperariam as gerações, finalmente libertas da necessidade de procurar, fora de si próprias, a sua razão de ser, a sua grandeza, a sua felicidade.”.[7]

Daniel Roche, em seu livro
La France des Lumières, no capítulo intitulado Dessacralização, Laicismo, Iluminismo, analisando o movimento iluminista chega à seguinte conclusão:

La raison empirique avec Locke inspire ceux qui reconstruisent les principes de la vie en société ; en politique, le droit divin des rois voit son procès instruit par les partisans du droit naturel [na realidade o direito positivo como o de Kelsen]; en moral, l’utilité se substitue à la morale de l’ordre divin et contribue notamment, par la tolérance, au revê du bonheur sur la terre ; la science doit assurer le progrès indéfini de l’homme, partant sa félicité.”.[8]

Essa é a mentalidade que construiu o Estado Moderno. Como podemos notar, esse Estado possui as seguintes características:

1. É absoluto.
2. É laico.
3. Reduz a religião ao foro íntimo, como uma questão subjetiva e particular.
4. Propõe-se, por meio do progresso e pela construção de uma ordem civil sem Deus, dar a paz e a felicidade ao homem.
5. É antropocêntrico, pois julga que o homem deve buscar em si a própria razão de ser e a felicidade.

A concepção de um Estado desse tipo não carece – absolutamente – de uma causa religiosa.

Há uma religião – a do Modernismo – para a qual fé e razão são coisas separadas e mesmo opostas. Para essa religião, a fé seria fruto de uma experiência interior, espiritual, subjetiva e
inefável do crente com a divindade. A razão, pelo contrário, seria uma potência comum a todos os homens, e sua função seria tentar conhecer e controlar o mundo material. O mundo da razão teria leis gerais, isto é, leis que seriam fruto de generalizações feitas pela razão humana. O mundo da fé, pelo contrário, seria totalmente individual, subjetivo e único para cada homem. O mundo da fé seria irracional e o mundo da razão, claro, seria racional. Assim, tanto o mundo quanto a razão seriam contrários a fé. O mundo da razão e o mundo da fé estariam absolutamente separados.

Enfim, não sendo possível a união, como se poderia estabelecer uma convivência entre a vida religiosa e a vida mundana, civil? Como conviveriam, ainda que desunidas, política e religião? Para gnósticos e panteístas a solução seria a seguinte: dever-se-ia manter a religião em âmbito intimo e particular, como sua natureza mesma obriga, e fazer da
razão[9] a soberana do mundo público.

Nosso intento neste artigo, porém,
não é estudar a origem religiosa do Estado Moderno. Em todo caso, convém deixar claro, ainda que de passagem, que esse Estado laico e ateu tem uma causa religiosa forte e sempre atuante.

Passemos então agora à crítica feita pelo Papa ao mundo moderno.

Bento XVI, ao estudar a Paixão de Jesus, detém-se no dilema dos judeus obrigados por Pilatos a escolherem entre Nosso Senhor, Filho do Pai Eterno, e Barrabás. Ora, analisando essa passagem dos evangelhos, o Papa chega a conclusões interessantíssimas:

Mas quem era Barrabás? Temos conhecimento apenas do que se apresenta no Evangelho de S. João: ‘Barrabás era um salteador’ (Jo18, 40). Só que o termo grego salteador havia recebido um significado específico na situação política de então na Palestina. Ele significava o mesmo que ‘lutador da resistência’. Barrabás havia participado de uma rebelião (cf. Mc 15,7) e além disso era acusado – neste contexto – de homicídio (Lc 23, 19,25). Quando S. Marcos diz que Barrabás tinha sido um ‘preso célebre’, isso significa que tinha sido um dos destacados lutadores da resistência, talvez até o próprio cabeça dessa rebelião (Mt 27, 16).

Em outras palavras: Barrabás era uma figura messiânica. A escolha entre Jesus e Barrabás não é casual: estão em confronto duas figuras messiânicas, duas formas de messianismo. Isto se torna ainda mais claro quando pensamos que Bar-Abbas quer dizer ‘filho do Pai’. (...) Ele se apresenta como uma espécie de sósia de Jesus; concebiam a mesma pretensão, mas de um modo diferente. A escolha consiste, portanto, entre um Messias que encabeça um combate que promete liberdade e o próprio reino e este misterioso Jesus que anuncia o perder-se como caminho para a vida.
”.[10]

Barrabás, um “sósia” de Jesus... Um sósia dialeticamente oposto a Jesus. Como o Anticristo. Barrabás foi, desse modo, uma espécie de pequeno anticristo.

Portanto, descobre-se nessa passagem uma luta entre dois messianismos: um de Jesus Cristo, cujo reino não é desse mundo, e outro de Barrabás, que busca o reino desse mundo. Um promete a vida eterna, o outro promete reino da felicidade nesse mundo. Os judeus, no caso, escolheram o representante do messianismo mundano e político.

Comentando ainda essa passagem, o Papa faz-nos as seguintes observações:

Se hoje tivéssemos de escolher, teria Jesus de Nazaré, o filho de Maria, o filho do Pai, alguma possibilidade? (...) O tentador não é tão rude a ponto de nos propor diretamente a adoração do diabo. Ele apenas nos propõe que nos decidamos por aquilo que é racional,pela primazia de um mundo planejado e organizado, no qual Deus pode ter o seu lugar como uma questão privada, mas não pode imiscuir-se nas nossas intenções essenciais. Solowjew dedica ao Anticristo o livro O caminho aberto para a paz e o bem-estar do mundo, que de certo modo se torna a nova Bíblia e que tem como próprio conteúdo a adoração da prosperidade e do planejamento racional.”.[11]

Para o Papa, pois, o mundo moderno sofre a tentação de planejar e dar ao mundo uma ordem racional independente de Deus (como se isso fosse possível), a qual possa garantir a prosperidade e o bem-estar, reduzindo Deus ao plano privado e individual, sem relação com a ordem social. Ora, essa adoração da prosperidade e do bem-estar, objetivos fundamentais do estado laico, é vista pelo Papa como uma tentação do Anticristo. Sendo assim, o próprio desejo de fundar um estado desse tipo e com esse poder é uma tentação do Anticristo.

Tentação que se apresenta, para ganhar o máximo de pessoas possíveis, como racional.

A crítica é tão violenta que alguns logo procurarão remediar, afirmando que o Papa não fez suas as palavras de Solowjew, mas apenas citou a posição de Solowjew sobre o fato. Em todo caso, o Papa afirmou diretamente e claramente que essa é uma tentação do diabo!

Enfim, devemos concluir, de acordo com as palavras do Papa, que o mundo moderno não só sofreu uma tentação diabólica, mas cedeu e escolheu o reino desse mundo e o falso salvador. Deu ao Estado absoluto o ofício de lhes salvar e criar o reino de Deus na Terra. Rejeitou o reino dos céus e o seu verdadeiro Salvador, Jesus Cristo.

O Estado Moderno, portanto, é péssimo e muito adequado aos planos do tentador.

O mundo moderno trabalha para o triunfo do Anticristo.



[1] CASSIRER, Ernst. O Mito do Estado. São Paulo: Ed. Códex, 2003. p. 171
[2] Thomas Hobbes, De cive. In: BOBBIO, Norberto. Locke e o direito natural. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 43 – o negrito é nosso.
[3] E. Cassirer. op. cit. p. 211
[4] KOSELLECK. Reinhart. Crítica e Crise: contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: EDUERJ – Contratempo, 1999. p. 142 – o negrito é nosso.
[5] O Melhor de Peter Drucker: obra completa / Peter f. Drucker. São Paulo: Nobel, 2002, p. 479 – o negrito é nosso.
[6] Reinhart Koselleck. Idem. O negrito é nosso.
[7] HAZARD, Paul. O pensamento europeu no século XVIII (De Montesquieu a Lessing). Lisboa: Editorial Presença – Livraria Martins Fontes, 1974. p. 9 – os negritos são nossos.
[8]A razão empírica com Locke inspira aqueles que reconstroem os fundamentos da vida em sociedade; em política, o direito divino dos reis vê-se contestado pelos defensores do direito natural; em moral, substituí-se a moral de ordem divina pela utilidade, contribuindo notavelmente, pela tolerância, com o sonho do bem-estar sobre a terra; a ciência deve assegurar o progresso indefinido do homem, e conseqüentemente sua felicidade.” (ROCHE, Daniel. La France des Lumières. France: Librairie Arthème Fayard, 1993. pp. 523-524).
[9] É necessário notar que o conceito de razão moderna não é, absolutamente, o mesmo que o conceito de razão tomista. Para os modernos, a razão não conhece propriamente o mundo, mas apenas o manipula. Todo conhecimento – no sentido moderno do termo – é provável, mas nunca certo e imutável.
[10] RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. pp. 50-51.
[11] Joseph Ratzinger. op. cit. pp. 51-52 – o negrito é nosso.

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A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgueses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária. Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame. Olavo de Carvalho, íntegra aqui.
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" Platão já observava que a degradação moral da sociedade não chega ao seu ponto mais abjeto quando as virtudes desapareceram do cenário público, mas quando a própria capacidade de concebê-las se extinguiu nas almas da geração mais nova. " Citação de Olavo de Carvalho em "Virtudes nacionais".