por Jeffrey Nyquist em 09 de setembro de 2008
Resumo: Embora Sarah Palin tenha seus méritos ela é apenas um fenômeno midiático, exatamente como o candidato Barack Obama, o que reduz a política americana a uma questão de aparências no momento em que uma grave crise está prestes a atingir os EUA.
© 2008 MidiaSemMascara.org
A candidatura a vice-presidência da governadora do Alasca, Sarah Palin, causou sensação na direita política americana. Tente achar uma figura que se compare a Palin e a única que vem à mente é a da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher – liderança firme e combativa numa embalagem feminina. Hoje, a embalagem tem mais importância, infelizmente.
A intelligentsia esquerdista gostaria de descartar Palin, como se ela fosse uma versão feminina de Dan Quayle (objeto de zombaria e escárnio por supostamente ser intelectualmente um peso-leve, logo que ele se juntou à chapa republicana, encabeçada por Bush pai, em 1988). Porém, Palin não é nenhum Dan Quayle. Em vez de se embaraçar diante de críticas, ela revela o mesmo instinto matador que lhe rendeu o apelido de “Sarah Barracuda”[1]. Fica mal bater numa garota, e às vezes a garota sabe disso – e não hesita em começar uma briga ela mesma. “Qual a diferença entre uma mãezona[2] e um pit bull?”, Palin perguntou aos presentes à convenção. “O batom”, foi a sua resposta rápida e certeira.
Palin Pit Bull pode se tornar a primeira mulher presidente dos Estados Unidos. É claro, personalidades se desfazem na política nacional. O verdadeiro teste é o da durabilidade. Será que algum político pode ser tão durável quanto Thatcher? Palin é bastante diferente de Thatcher, e o analista político de ocasião deveria hesitar antes de atribuir durabilidade a uma candidata ainda não testada. Há um toque de grandeza na durabilidade, e a grandeza é rara. Como é que o público julga essas questões? O eleitorado é bombardeado com slogans, frases feitas e imagens digitais.
Esta eleição promete algo novo. Os velhos estereótipos estão sendo desafiados. Obama apresenta as idéias da esquerda em palavras que um conservador pode engolir, enquanto McCain apresenta as idéias da direita em termos de servir ao povo. Depois de cinqüenta anos de mudanças sociais, o país parece ávido por mudanças políticas. Tudo que era estabelecido foi questionado: os papéis do marido e da mulher, a primazia do patriarcado e o mandamento divino de “crescei e multiplicai-vos”. O país não tem bússola e ninguém sabe para onde vamos. O Partido Democrata sutilmente oferece uma passagem para a cidadania global. O Partido Republicano parece mais flexível e aberto.
Há muito se sabe que o eleitorado prefere os “outsiders” de Washington [i.e., candidatos não ligados ao establishment] em eleições presidenciais. Enquanto McCain é um senador veterano, não obstante, está preso ao grande carrossel. Ele fala de mudança porque, depois de quinhentos anos de progresso e avanços científicos, “mudança” significa algo bom. Então, é mudança, mudança, mudança. Perdemos o instinto para achar segurança naquilo que é familiar.
Um antigo senador romano censuraria os slogans de mudança de hoje em dia. A antiga idéia de ser fiel a princípios testados e verdadeiros, de manter-se apegado a tradições era a base mesma do entendimento político romano. É por isso que Júlio César pareceu ser um escândalo e um horror. O Senado Romano tinha que se livrar dele porque ele era um agente de mudança. O que aprendemos da finada República Romana é mais ou menos isto: mudança sinaliza crise e crise resulta em poderes emergenciais dados a um homem ou a um partido. E poderes emergenciais levam à tirania – a um estado permanente de relações não naturais e instáveis entre o povo e o seu governo.
Em termos de candidatos nacionais, McCain e Palin, junto com Obama, parecem representar algo novo na política americana. Porém, é sensato ser cético e duvidar que eles tragam mudanças significativas. Na verdade, eu penso que eles são o resultado, o produto final, das mais profundas transformações realizadas há muito tempo. Eles não trarão a mudança porque eles mesmos representam mudanças que já aconteceram. Veja, a televisão se tornou tão grande e onipresente em nossa cultura pós-letrada[3] e as idéias tornaram-se tão fluidas, que combinações políticas antes impensáveis são agora possíveis. O conhecimento da grande política, levado adiante pelo pensamento tradicional, deu lugar a algo mais caótico. Pessoas sem experiência em política nacional podem lançar-se candidatos aos mais altos postos e o eleitorado os aceitará porque eles aparecem bem diante de uma câmera.
O conteúdo intelectual de nossas idéias políticas foi reduzido a slogans fragmentados e superficiais. Se o problema real está nos detalhes, estes têm sido completamente evitados sob este novo ambiente político. Qualquer idéia pode ganhar adesão, a depender da personalidade ou da máquina de construção de imagem por detrás dela. Qualquer pessoa pode tornar-se um político superstar, da noite para o dia. Ainda que seja possível produzir um bom líder dessa maneira, um resultado desastroso é mais provável. Pois, no curso do tempo, a vantagem cabe ao demagogo esperto e agradável. Mas imagem não é realidade e a televisão faz pouco caso da profundidade das questões.
McCain e Obama parecem ser bons sujeitos. O problema é com o país como um todo, e a crise se aproxima. O processo que estamos testemunhando, a despeito das melhores intenções dos candidatos, é o da polarização nacional. Isto não foi compreendido em sua totalidade. O que temos são dois conjuntos de imagens, duas noções de realidade e dois campos ideológicos em uma só nação. É uma medida apenas temporária recobrir essa rachadura ideológica com meras palavras; pois a crise já se infiltra, neste exato momento.
Enquanto acontecia a convenção nacional Republicana, a economia estava gemendo. As comportas e diques financeiros estão rangendo. A ordem internacional está se desfazendo. Algo está no ar. Algo está prestes a se romper. A mudança está chegando, e não é uma mudança boa. Aquilo sobre o que os candidatos estão falando nesta eleição pode ser completamente irrelevante.
Tal como explicou um diplomata russo em julho último, os Estados Unidos estão prestes a entrar "numa crise quanto à sua própria existência".
© 2008 Jeffrey R. Nyquist
Publicado por Financialsense.com
Tradução: MSM
[2] NT: “Mãezona” é uma adaptação livre de uma expressão americana – hockey mom – típica dos estados onde o frio é intenso e o jogo de hockey é popular também entre os garotos de escola. Uma hockey mom é aquela mãe que participa intensamente da vida escolar dos filhos, vai às reuniões sobre currículos e aos jogos: discute, propõe, se organiza e não aceita as coisas passivamente. Enfim, uma que não desiste de lutar pelos filhos. A frase e a resposta de Sarah Palin foram um dos pontos descontraídos, mas também mordazes, de seu discurso de aceitação na Convenção Republicana.
[3] NT: Uma sociedade pós-letrada seria aquela onde os meios de comunicação via imagem tornariam dispensável a habilidade de ler.
Jeffrey Nyquist é formado em sociologia política na Universidade da Califórnia e é expert em geopolítica. Escreve artigos semanais para o Financial Sense (http://www.financialsense.com/), é autor de The Origins of The Fourth World War e mantém um website: http://www.jrnyquist.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário