ESTADÃO
14 de maio de 2012 | 3h 07
O Estado de S.Paulo
A chegada de usuários e traficantes de crack à Praça da Sé, vindos da Cracolândia, seguida do inevitável aumento da criminalidade, como mostrou reportagem do Jornal da Tarde, era previsível. Desde que começou há quatro meses a Operação Centro Legal - com a ação da Polícia Militar para impedir tanto quanto possível as aglomerações de dependentes de crack e combater os traficantes naquela região - essa migração vem ocorrendo para áreas vizinhas. Esse caso é mais uma confirmação da falta de coordenação entre ações policial e de assistência social e médica aos dependentes, que marcou o início daquela operação.
Na verdade, uma parte desses usuários de crack nunca deixou a Sé, como lembra o advogado Airton Cezar Domingues, diretor da Ação Local Sé, da Associação Viva o Centro. Eles apenas saíam para consumir drogas na Cracolândia e voltavam para dormir na praça. Agora, eles se juntaram a outro grupo que veio da Cracolândia para ocupar parte da praça, onde, é claro, se instalaram os traficantes.
A grande maioria deles recorre a roubos e furtos de bolsas, carteiras e celulares para conseguir dinheiro para comprar a droga. Os índices de criminalidade na praça e adjacências subiram no primeiro trimestre em comparação com igual período de 2011. Alguns ficaram bem acima da média da capital: tráfico de drogas (400% para 39%), furtos (5,4% para 1%) e lesão corporal (47% para 15%).
O que ajuda a explicar esses índices preocupantes é que o policiamento não acompanhou a migração dos dependentes para a Sé. Isto se deve, segundo os especialistas, à concentração de esforços na Cracolândia. Para José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, "o esforço na Cracolândia, que só pode ter sido feito inicialmente com reforço de efetivos de outras áreas do comando do Centro, foi responsável pelos impactos na vizinhança". Outro estudioso do problema, Guaracy Mingardi, é mais direto: "Segurança é um cobertor curto: para a manutenção da ação na Cracolândia, você precisa tirar policiais de algum lugar".
Mas o grande desafio da Cracolândia e das áreas vizinhas para as quais ela está se espalhando não é a redistribuição dos efetivos policiais, tendo em vista essa nova realidade, que com algum reforço e bom planejamento pode ser feita de maneira satisfatória. Ele está na conjugação da assistência social e médica e de um combate mais e rigoroso ao tráfico.
Um passo importante foi dado com a inauguração, há pouco mais de um mês - e três meses depois do início da Operação Centro Legal -, do Complexo Prates, no Bom Retiro. Ele combina dois serviços essenciais para o tipo de assistência de que precisam os dependentes de crack que vivem nas ruas: abrigo e atendimento médico. Mas ele está longe de aproveitar toda a sua capacidade. Como mostra reportagem da revista Veja São Paulo, o Centro de Convivência tem atendido uma média de 130 pessoas por dia, embora tenha capacidade para 1,2 mil. No albergue para adultos só 82 dos 120 leitos são ocupados; no abrigo para menores a relação é de 12 para 20 leitos; o Centro de Atenção Psicossocial tem capacidade para 6,6 mil pacientes por mês, mas só atende 325; e a Assistência Médica Ambulatorial pode receber 5 mil pacientes por mês, mas atende 1.448.
Para a vice-prefeita e secretária de Assistência Social, Alda Marco Antônio, a procura até agora é a esperada e deve aumentar com a divulgação dos serviços entre os viciados. Isto vai depender também do difícil e paciente trabalho de 200 agentes da Secretaria Municipal da Saúde, encarregados de convencer os usuários de crack a aceitar tratamento.
A oferta de droga, que não diminuiu significativamente desde o início da operação, dificulta mais ainda esse trabalho. Nesse ponto, o desempenho da polícia é decepcionante. Tendo em vista que, neste caso, o tráfico se dá numa área relativamente pequena e bem delimitada, o policiamento pode e deve ser muito melhor. É nesse trabalho, e não no controle dos movimentos dos usuários, que a polícia tem de concentrar seus esforços.
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